Nisa dá parecer negativo à instalação de uma central hidroeléctrica no Tejo

Iberdrola quer manter os caudais do rio em ciclo fechado para os utilizar “segundo as necessidades de mercado”, solução que terá “efeitos ambientais significativos em Portugal”, diz a APA.

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Várias entidades receiam as consequências económicas, ambientais e sociais do projecto da central hidroeléctrica que afectará caudais do rio Tejo Jose Fernandes
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A Câmara de Nisa, cujo concelho é marginado pelo rio Tejo numa extensão de 43 quilómetros, juntou-se, no dia 16 de Maio, à posição anteriormente assumida pelos municípios de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Oleiros, Penamacor, Proença-a-Nova, Sertã, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão, na contestação ao projecto da Iberdrola.

No documento a que o PÚBLICO teve acesso, a autarquia alentejana manifesta a sua preocupação pelos impactos que possa vir a causar no seu concelho, antevendo uma “redução de caudal que agravará a situação problemática já hoje verificada na água do rio Tejo, em território português”.

Com a instalação de uma nova central hidroeléctrica reversível [nas barragens espanholas de Alcântara e Valdecãnas], que manterá os caudais do rio Tejo em ciclo fechado para aumentar a produção de energia eléctrica, a “proliferação de espécies aquáticas invasoras, como a azolla [um género de feto-aquático pertencente à família Salviniaceae, parecido com a lentilha-de-água]” que é recorrente na albufeira de Cedillo, e principalmente ao longo do rio Sever em Montalvão, será “acelerada”, admite o município de Nisa. São ainda realçadas outras consequências, como uma “elevada perda de biodiversidade e degradação dos habitats aquáticos e ribeirinhos, em toda a área envolvente” que terá efeitos na “degradação da qualidade da água do rio Tejo, a jusante da barragem de Cedillo”.

Acrescenta-se ainda que a instalação de uma central hidroeléctrica “irá alterar significativamente a paisagem e os seus habitats”, uma mais-valia que será afectada na sua vertente turística, que Nisa inclui, com grande ênfase, no seu Plano Director Municipal, que assenta “em grande parte” no rio Tejo, que percorre o município ao longo de 43 quilómetros.

O município lembra ainda a prática reiterada de um regime de caudais ecológicos na barragem de Cedillo, que “sobrecarrega o rio em períodos de fim de ano hidrográfico, apenas para cumprir metas”, como aconteceu em 2019. Neste ano, a Iberdrola descarregou uma média de 14 milhões de metros cúbicos de água diários a partir da barragem de Cedilho, durante o mês de Setembro, para que Espanha cumprisse a Convenção de Albufeira.

As consequências económicas, ambientais e sociais desta decisão reflectiram-se num cenário que “não era aceitável”, como referiu, na circunstância, o Governo português, que nunca recebeu explicações de Espanha.

Para evitar que cenários idênticos se possam repetir, a posição aprovada pelo executivo municipal de Nisa exige que a prática de um regime de caudais ecológicos na barragem de Cedillo ocorra ao longo do ano, conforme os “Planos de Gestão da Região Hidrográfica de Portugal e Espanha, dando assim cumprimento à Directiva-Quadro da Água e da Convenção de Albufeira subscrita por Portugal e Espanha”.

E ainda que os responsáveis institucionais “cumpram as suas obrigações” em matéria ambiental, nomeadamente no que respeita à manutenção dos acordos de caudal estabelecidos entre os dois países, bem como à qualidade da água.

Assim, a Câmara de Nisa “dá parecer negativo ao projecto”, posição que retrata as “preocupações e prováveis consequências negativas” que possam advir da construção e funcionamento da nova central hidroeléctrica reversível a instalar entre as barragens José Maria Oriol (Alcântara) e Cedillo (Cáceres).

A gestão das águas do Tejo

O "resumo não técnico" da informação contida no Estudo de Impacte Ambiental (EIA), para o projecto da nova central, descreve como funciona o sistema baseado na variação dos níveis e velocidades de subida/descida do plano de água entre as albufeiras de Alcântara e Cedillo.

O efeito que representará o novo aproveitamento na gestão hídrica dos caudais no rio Tejo pode ser considerado um regime em ciclo fechado entre as duas albufeiras existentes, mantendo o volume de água entregue pelas centrais de Alcântara (denominada José Maria Oriol) e Cedillo “nas mesmas condições em que ocorre actualmente, segundo as necessidades de mercado e os condicionalismos hidrológicos”, sublinha o resumo. E garante que a sua instalação “não condicionará a forma de gestão do volume líquido de água libertada para jusante de Cedillo”, frisando que a exploração “seguirá ciclos de funcionamento diário/semanal, de um modo geral, com uma contribuição positiva ou consumo líquido nulo do rio Tejo”.

No entanto, o compromisso assumido por Espanha merece reservas do movimento proTEJO, ao admitir que a concretização do projecto da Iberdrola poderia vir a agravar “significativamente a disponibilidade e a variabilidade de caudais no rio Tejo em consequência da restrição da água que flui para Portugal a partir de Espanha”. E acrescenta “não ser de esperar mais do que o volume-limite de caudal mínimo de 2700hm3, e talvez mais uma gota, para cumprir formalmente a Convenção de Albufeira, à semelhança do que aconteceu nos poucos anos de seca que assolaram o rio Tejo”.

Assim, e tendo em conta que, de Espanha, tem chegado em média mais do dobro do caudal mínimo anual previsto na Convenção de Albufeira (cerca de 5500 hm3), “existe um risco de todos os anos hidrológicos passarem a ser anos de seca artificial”, com envio de apenas 2700 hm3 de caudal mínimo anual.

O não estabelecimento de caudais ecológicos “tem permitido uma extrema volatilidade dos caudais recebidos de Espanha que prejudica os ecossistemas e os usos da água”, nomeadamente os usos agrícolas e o “incumprimento da Directiva-Quadro da Água”, recorda o proTEJO.

O problema resulta da “grande volatilidade dos caudais de hora para hora e dia para dia permitida por caudais trimestrais”, que representam 37% do anual, e semanais, que são 12% do anual, anomalia que “prejudica ecossistemas e usos agrícolas e já causaram problemas de salinidade da água aos regantes de Vila Franca de Xira”, acentua o movimento.

Caudais ecológicos regulares

A proposta que defende para a bacia hidrográfica do Tejo baseia-se no estabelecimento de caudais ecológicos regulares, contínuos e instantâneos, medidos em metros cúbicos por segundo (m3/s) para ano de seca, médio e húmido, respeitando a sazonalidade das estações do ano, ou seja, maiores no Inverno e no Outono e menores no Verão e na Primavera. Esta reivindicação pretende contrariar o critério seguido, que é baseado em “caudais mínimos negociados política e administrativamente há 25 anos na Convenção de Albufeira, sem que nunca se tenha concretizado o processo de transição para o regime de caudais ecológicos que essa mesma convenção prevê”, observa o proTEJO.

Entretanto, e ao abrigo do “Protocolo de actuação entre o Governo da República Portuguesa e o Governo do Reino de Espanha sobre a aplicação às avaliações ambientais de planos, programas e projectos com efeitos transfronteiriços", o Estado português já foi notificado pelas autoridades espanholas do projecto “Aproveitamento Hidroeléctrico de José María de Oriol II”.

A Agência Portuguesa do Ambiente (APA) considerou que a sua instalação “poderia ser susceptível de ter efeitos ambientais significativos em território nacional”, motivo pelo qual Portugal informou do seu interesse em participar no respectivo procedimento de avaliação de impacte ambiental.

As entidades espanholas garantem que o novo projecto “produzirá um impacto ambiental moderado” e que os efeitos sobre a Rede Natura 2000 “podem ser minimizados”.

Fonte do Ministério do Ambiente e Energia (MAE) recordou ao PÚBLICO que a Convenção de Albufeira acordada para a Cooperação, Protecção e o Aproveitamento Sustentável das Águas das Bacias Hidrográficas Luso-Espanholas “exige um regime de caudais, que obriga ao cumprimento de um volume mínimo anual, em linha com as disposições comunitárias e nacionais nesta matéria”. E, no caso da bacia do Tejo, “estabelece ainda um volume mínimo trimestral e semanal”.

A posição do MAE deixa claro que a regularização que actualmente se verifica na bacia do Tejo, tanto em Espanha como em Portugal, “implica a necessidade de definir regimes de caudais ecológicos que permitam garantir a manutenção das várias funções agregadas ao rio, nomeadamente o bom estado das massas de água”. E explica que a zona de fronteira se caracteriza por um conjunto de três barragens em cascata —​ Cedillo, Fratel e Belver — e, nesse sentido, “o lançamento de caudais ecológicos deve ser reflectido na última barragem da cascata, através das afluências de montante”, assinala.

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