“Antes do euro tínhamos crescimento acima da média da UE”

O governo devia ter sido “um agente activo” para tentar um acordo de paz entre a Ucrânia e a Rússia, defende Pimenta Lopes. Sair do euro “não é por decreto”, mas numa “decisão que envolva o povo”.

João Pimenta Lopes é o candidato número 3 da lista da CDU às eleições para o Parlamento Europeu. Em entrevista ao podcast "A minha família é melhor do que a tua", acusa o governo português e o Ocidente de não terem querido conversações de paz. "Podíamos estar hoje a falar de um processo negocial, com maior ou menor sucesso".

Quem é o João Pimenta Lopes? Sabemos que foi eurodeputado, que é do PCP, e foi deputado no Parlamento Europeu nestes últimos anos? Sou biólogo, tenho 44 anos, formei-me na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, fui bolseiro de investigação, trabalhei durante 7 anos no fluviário de Mora, um aquário de água doce no Alentejo. Participei também, fruto da minha ligação e da minha formação de biólogo ligado ao mar, na Mútua dos Pescadores, uma cooperativa de seguros ligada ao sector da pesca.

Vivi também três anos em Moçambique, em criança, dos 7 aos 10 anos, que me permitiu, por um lado, construir uma identificação com o nosso país, numa perspectiva de algum patriotismo até. Num dos prédios onde vivi, tinha o consulado ao lado e a casa do embaixador atrás. Praticamente todos os dias ouvia o hino nacional e o desfraldar da bandeira. Mas assisti também a episódios marcantes relacionados com aquilo que foi o processo de libertação do povo sul-africano do apartheid.

O que diz da recente decisão da NATO de permitir que as suas armas possam atingir alvos russos, o que até agora era proibido? A CDU tem sido muito crítica da política europeia sobre a Ucrânia…
Insere-se, infelizmente, num caminho de escalada e não num caminho de contenção e de abrir as portas tão necessárias para pôr fim a um rumo que só pode configurar um desastre.
Era preciso que o governo português, quando há dias recebeu o presidente da Ucrânia, se tivesse disponibilizado para, também no quadro da União Europeia, ser não apenas um porta-voz, mas um agente activo da necessidade de sentar os intervenientes a discutir aquela situação e a criar as bases para pôr fim a uma guerra, que é bom lembrar, dura já desde 2014.

Há dias tive a oportunidade de revisitar uma entrevista que Naftali Bennett, o ex-primeiro-ministro israelita, deu há cerca de um ano, reportando o papel que teve em Março de 2022 no sentido de procurar criar as bases para que esse caminho fosse possível e que se sentassem à mesa, quer a Ucrânia, quer a Rússia, mas também a NATO, naturalmente, os Estados Unidos e a União Europeia.

E não deixa de ser paradoxal chegarmos à conclusão que também foram estes actores que não permitiram que esse caminho pudesse ter tido lugar. Podíamos estar a falar hoje de um processo negocial. Com maior ou menor sucesso.

Não é possível dar continuidade a este caminho insano. Alguns já vêm afirmando que temos que mandar homens para uma guerra. São sempre os povos que pagam de uma forma ou de outra, com a própria vida, com o sofrimento, com o empobrecimento, que pagam a dinâmica de guerra.

Continua a achar que o euro não serve a Portugal. Pode-se sair do euro amanhã?
Nem a saída da União Europeia está colocada, nem a saída do euro amanhã está colocada. Temos afirmado que se, de hoje para amanhã, nos dissessem para sair do euro isso seria trágico. Em 2015, o chanceler alemão chegou a sugerir que países como Portugal e a Grécia pudessem ser empurrados para fora do euro. Estaríamos contra uma solução dessa natureza.

Mas não enfiamos a cabeça na areia em relação àquilo que são as consequências, seja das políticas do euro, do mercado único, da governação macroeconómica da União Europeia. Não fechamos os olhos às consequências sobre o país e identificamos consequências negativas na questão da moeda única.

Talvez o exemplo mais fácil para compreender as consequências da perda de soberania monetária seja a questão do aumento das taxas de juro.

Quem viu quase duplicar [a prestação da casa] ou, em alguns casos, até passar essa fasquia, mas não viu em simultâneo duplicar os seus rendimentos, sabe bem a consequência de políticas determinadas na União Europeia. Foram dez aumentos consecutivos que denunciámos no Parlamento Europeu, sobre o qual interviemos, exigindo a sua reversão.

A decisão do Banco Central Europeu não foi ir atrás dos super-lucros, como a Comissão Europeia definiu, dos grandes grupos económicos. E sabendo, pelos seus próprios estudos, que as causas da inflação não estavam do lado da procura, estavam do lado da oferta e estavam do lado, nomeadamente, das empresas do sector energético. É bom lembrar que os preços de energia vinham a subir desde 2021 e já então se fazia a discussão da questão da dependência energética.

O que afirmamos é que é necessário que o país se prepare, naturalmente no quadro também de uma decisão soberana que implique o envolvimento do próprio povo também. Não é por decreto. Mas que faça o caminho para estar em condições, seja por decisão própria, seja porque outros nos empurrem para essa circunstância, para retomar aquilo que são os instrumentos de soberania monetária, mas, simultaneamente, criando as condições para salvaguardar os interesses das pessoas, dos trabalhadores.

Nós perdemos, desde a integração na União Europeia, grosso modo, 50 % da capacidade produtiva. Isso reflecte-se no PIB. Os sectores primários e secundários representavam cerca de 50 % do peso no PIB. Hoje representam um quarto, na melhor das hipóteses. Nós temos esta costa fantástica e vimos perder metade da nossa frota pesqueira.

Hoje, um país com a terceira maior zona económica exclusiva da União Europeia praticamente não produz uma embarcação.

Nos 20 anos antes do euro, temos taxas de crescimento acima da média da União Europeia, em algumas circunstâncias acima do crescimento mundial. A partir da adesão ao euro, temos taxas de crescimento insignificantes.

Nos inquéritos do Eurobarómetro, os portugueses em geral são os que mais defendem a integração europeia. Os fundos europeus foram importantíssimos. Nós não tínhamos estradas, não tínhamos água, não tínhamos luz, não tínhamos infra-estruturas básicas. Eu vivi nesse país do terceiro mundo.
Mesmo em 1986, se compararmos o salto qualitativo que foi dado desde 1974 até 1986, do ponto de vista não apenas da transformação social, da elevação das condições de vida do povo português, da constituição de um serviço nacional de saúde que chegou a estar entre os 12 melhores do mundo e que prestava um serviço, e continua a prestar um serviço imprescindível à população…

Mas em 1986, Portugal ainda era uma desgraça.
Nos debates, uma das coisas que já se tem dito é que devemos à União Europeia haver saneamento básico. O saneamento básico foi motivado pela intervenção de um poder local democrático que tem vindo a definhar, fruto de subinvestimento, fruto de atirar para cima das autarquias responsabilidades que, a partir de um ponto de vista de competências, não lhes deveriam caber. O caso da saúde, o caso da educação.

Quando se faz o saldo, desde 1996, entre aquilo que foram fundos comunitários que entraram, salvo erro, 108 mil milhões de euros em valores ajustados à inflação e os valores que saíram, descontando as contribuições para a União Europeia, em juros da dívida, em lucros, em rendas, ultrapassam muito esse valor.

Esses valores dos fundos comunitários nunca foram verdadeiramente para fazer face àquilo que deveriam ser, do ponto de vista da coesão, do combate às assimetrias que existiam, mas, pelo contrário, uma tentativa de compensar as consequências, por exemplo, da integração do mercado único. Olhemos, por exemplo, aquilo que é a política agrícola comum. A forma como ela se concentra nos grandes produtores e levou à destruição, por falta de apoio e aumentos de discurso de produção, de 400 mil explorações agrícolas neste momento.

Vamos passar agora à imigração e ao pacto das migrações.
Temos assistido aos líderes de algumas forças políticas a dizer que foi o pacto possível e o acordo possível. À custa dos acordos possíveis, temos vindo sempre, nomeadamente, a fazer, a aceitar políticas que também prejudicam Portugal. Foi o acordo que os socialistas europeus e a direita europeia entenderam fazer.

Talvez não fosse mau que cada um de nós, quando fala de migrações, não se esquecer que somos um país de imigrantes. Na década de 60 a 70, foram centenas de milhares que saíram do país. Tiveram sobre eles as críticas que hoje temos no nosso país contra os imigrantes. Não esquecemos os bidonvilles em França, e a miséria absoluta em que os portugueses se dirigiram para lá à procura de uma vida melhor. Foram pessoas de trabalho. Também alguém enriqueceu e alguém ganhou com essa força de trabalho mal paga.

Havia uma xenofobia anti-portugueses em França.
Em França essa mão-de-obra barata serviu para colocar uma pressão sobre os direitos laborais dos trabalhadores em França. Também em Portugal isso sucede. Nós entendemos que não podemos colocar trabalhadores contra trabalhadores. Colocar trabalhadores contra trabalhadores é parte do discurso da extrema-direita.

Temos de fazer um caminho de elevação das condições de vida dos trabalhadores, dos salários... Estamos a falar de todos os trabalhadores, incluindo os imigrantes. Garantindo não apenas os salários dignos, mas o direito à habitação, o direito à educação, o direito à saúde de todos, sejam imigrantes ou sejam portugueses. O problema da falta de vagas nas creches não é dos imigrantes. O problema dos baixos salários não é dos imigrantes.

Por outro lado, não se fala nestes pactos nas causas de fundo que levam as pessoas a sair dos seus países. Tal como os portugueses, na década de 60, ou quando na altura da troika, não imigraram de ânimo leve, porque um dia acordaram e decidiram que queriam ser felizes. Quem vem para a Europa à procura dessas melhores condições, se no seu país encontrasse essas condições, também procuraria ficar.

Vemos pessoas a fugir da guerra também. O que é que foram as migrações de sírios em 2015? E do Afeganistão, do Iraque… Precisávamos que a União Europeia investisse mais, e já agora também o governo português, naquilo que é o estabelecimento de relações de efectiva cooperação entre Estados.

Isto não é uma política de dizer que "eles lá fiquem", mas é o compreender que as motivações das migrações, muitas vezes, não são a de alguém que um dia acorda e decide sair do seu país.


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