Descolonização não é uma metáfora: é o fim da ocupação

Que ninguém se engane, uma solução de dois estados só serve os interesses do estado colonizador. A única solução que faz sentido é dar direitos iguais para todas as pessoas no território da Palestina.

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A única solução que faz sentido é dar direitos iguais para todas as pessoas no território da Palestina Daniel Rocha
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Depois de meses do início do genocídio em Gaza, o estado de Israel, financiado pelo Ocidente, continua o seu massacre. Os milhões de pessoas de Gaza são agora obrigadas a viver em campos de refugiados declarados como “zonas seguras” por Israel. Ainda assim, famílias inteiras em tendas improvisadas continuam a ser bombardeadas e queimadas vivas pela ocupação israelita. Uma criança decapitada, pessoas queimadas vivas e desmembradas, fogo e destruição. Não faltam vídeos e imagens dos massacres, mas a maioria dos media do Ocidente prefere ignorar.

Com grande parte dos hospitais destruídos, assim como a maioria da infra-estrutura e edifícios em Gaza e com o estado de Israel a cercar aquilo a que muitos já se referiram como uma prisão a céu aberto, não há “zonas seguras”. Aliás, como António Guterres, secretário-geral da ONU, alertou, “ninguém está seguro” em Gaza. No entanto, estas circunstâncias não começaram em Outubro. Começaram com o Nakba de 1948, a criação do estado de Israel à custa de uma limpeza étnica brutal. Agora o genocídio está a ser mais rápido, e está bem documentado.

Várias figuras públicas, incluindo o chanceler da Alemanha, país que é o segundo maior exportador de armas para Israel, defenderam nos últimos tempos a necessidade de uma solução de dois estados. Que ninguém se engane, uma solução de dois estados só serve os interesses do estado colonizador. Face à ocupação sionista da Palestina, garantir um estado a Israel é legitimar a expulsão de palestinianos das suas terras. Dizer que o estado de Israel tem o mesmo direito àquelas terras do que as pessoas da Palestina é ignorar as décadas de violência e limpeza étnica. A solução de dois estados significa que essas famílias nunca vão poder voltar às terras das quais foram expulsas.

Outras questões se levantam. Por exemplo, como dividir o território ocupado pelos dois estados? E após a divisão, o que vai acontecer aos palestinianos que vivem no território que for atribuído ao estado de Israel? O mesmo que tem acontecido até hoje: segregação e limpeza étnica. Imagine-se que a solução para apartheid na África do Sul teria sido criar um estado para a minoria branca e outro estado para a maioria racializada. A solução de dois estados é dizer aos indígenas da Palestina que a ocupação militar e terrorista não reconhece os seus direitos. Em suma, não seria diferente daquilo que está a acontecer.

“Uma terra sem povo para um povo sem terra” é a máxima do projecto sionista do qual nasceu o estado de Israel. A par de todo o contexto histórico, a recusa pelo estado de Israel em reconhecer os palestinianos não pode ser ignorada. O seu projecto de desumanização é um dos motivos pelos quais nenhum palestiniano estará seguro enquanto o regime de apartheid de Israel e o seu projecto colonial não terminar.

Criticar a solução de dois estados é anti-semita? Ilan Pappé, historiador israelita, opõe-se a esta solução, e responde: “A solução de dois estados baseia-se na ideia de que um estado judeu é a melhor solução para o Problema Judeu; ou seja, os judeus deveriam morar na Palestina, e em nenhum outro lugar. Essa noção também encontra eco no coração dos anti-semitas.”

Para mim, a única solução para acabar com uma ocupação violenta, que tem como objectivo a eliminação de um povo indígena (algo que ficou ainda mais claro nos últimos meses), é descolonizar. A única solução que faz sentido é dar direitos iguais para todas as pessoas no território da Palestina. Neste processo é fundamental que as dezenas de anos de opressão de palestinianos sejam reconhecidos. Acabar com o estado de apartheid de Israel e assim abrir caminho para um estado onde todos, independentemente da cor de pele ou religião, têm direitos sociais e políticos. Descolonização não é uma metáfora, é o fim da ocupação.

Até ao momento em Gaza, mais de 36 mil pessoas foram mortas, sendo que mais de 15 mil são crianças. Mais de 81 mil ficaram feridas e pelo menos 10 mil estão desaparecidas. Em Abril, escrevi um artigo sobre a repressão policial na Alemanha com o movimento de solidariedade com a Palestina. Esta repressão continua a aumentar em várias zonas do Ocidente. Nesse artigo deixei claro: “Às vezes perguntamos o que faríamos se vivêssemos durante o colonialismo ou o que faríamos se vivêssemos durante o regime nazi na Alemanha. A resposta a esta pergunta é fácil de responder, pois vivemos hoje em semelhantes circunstâncias.”

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