China voltou a pousar no lado oculto da Lua para estudar as origens do sistema solar

A sonda Chang ‘e-6, equipada com uma série de ferramentas, aterrou numa gigantesca cratera no pólo Sul da Lua, às 6h23 de domingo, hora de Pequim (23h23 de Lisboa).

Foto
A sonda Chang ‘e-6 foi lançada a 3 de Maio no foguetão Longa Marcha 5 da China, a partir do Centro de Lançamento Espacial de Wenchang, na ilha de Hainan, no Sul do país Jin Liwang/EPA
Ouça este artigo
00:00
05:56

A China voltou a aterrar uma sonda sem tripulação no lado oculto da Lua no passado domingo, no âmbito de uma missão histórica para recuperar as primeiras amostras de rocha e solo do hemisfério lunar oculto.

A aterragem da China ocorre numa altura em que se observa uma corrida global à Lua, com países como os Estados Unidos a pretenderem explorar os minerais lunares para, no futuro, conduzirem missões de longa duração com astronautas à Lua e eventualmente construírem bases lunares na próxima década.

A sonda Chang ‘e-6, equipada com uma série de ferramentas, aterrou numa gigantesca cratera chamada bacia do pólo Sul-Aitken provocada por um impacto, no lado da Lua virado para o espaço, às 6h23 de domingo, hora de Pequim (23h23 de Lisboa), informou a Administração Espacial Nacional da China.

Depois de ter recolhido amostras que os cientistas esperam que ajudem a responder a questões fundamentais sobre a evolução inicial do sistema solar, a sonda prepara-se agora para iniciar a sua viagem histórica de regresso à Terra a partir do lado mais afastado da Lua.

A missão, que foi bem-sucedida, é a segunda da China no lado mais distante da Lua, uma região que nenhum outro país alcançou. O lado oculto da Lua está repleto de crateras profundas e escuras, tornando as comunicações e as operações de aterragem robótica mais difíceis.

Perante estes desafios, os peritos lunares e espaciais envolvidos na missão Chang ‘e-6 descreveram a fase de aterragem como o momento em que a probabilidade de fracasso era maior.

A sonda Chang ‘e-6 — que recebeu o nome da mítica deusa chinesa da Lua — foi lançada a 3 de Maio no foguetão Longa Marcha 5 da China, a partir do Centro de Lançamento Espacial de Wenchang, na ilha de Hainan, no Sul do país, tendo chegado à vizinhança lunar cerca de uma semana mais tarde, antes de se preparar para a aterragem.

A Chang ‘e-6 foi a terceira aterragem lunar do mundo este ano, depois da sonda japonesa SLIM ter aterrado na Lua em Janeiro, seguida no mês seguinte por uma sonda da empresa americana Intuitive Machines.

Os outros países que tinham já enviado naves espaciais para a Lua foram a então União Soviética e a Índia. A missão Luna 24, lançada pela antiga União Soviética em 1976, recolheu 170,1 gramas de amostras do “Mar das Crises”, um mar lunar no lado mais próximo da Lua.

Os Estados Unidos são o único país a ter pousado seres humanos na Lua. Entre 1969 e 1972, seis missões Apolo, todas tripuladas, recolheram 2200 amostras com um peso total de 382 quilogramas, também do lado da Lua virado para a Terra.

James Carpenter, director do departamento de ciências lunares da Agência Espacial Europeia, afirmou que as amostras recolhidas pelas missões Apolo no lado próximo da Lua sugerem que a bacia do pólo Sul-Aitken foi causada por uma época de bombardeamento extremamente intenso do sistema solar, da Terra e da Lua.

“Trata-se de um acontecimento realmente fulcral na história do sistema solar, mas há alguma controvérsia sobre se aconteceu ou não”, afirmou James Carpenter. “Para compreender isso, é preciso ancorar esses acontecimentos, e isso vai ser feito com amostras do lado mais afastado da Lua, da bacia do pólo Sul-Aitken.”

Amostragem da Lua

Em 2020, a China efectuou a sua primeira missão de retorno de amostras lunares com a Chang ‘e-5, tendo recuperado amostras do lado mais próximo da Lua.

Após a aterragem, a Chang ‘e-6 teve uma janela de 14 horas para perfurar, escavar e recolher dois quilogramas de material lunar, com o objectivo de ser a primeira sonda a trazer amostras do lado mais distante da Lua — em 2020, a Chang ‘e-5 teve uma janela de 21 horas.

Foto
Especialistas analisam os dados enviados pela sonda Chang'e-6 no Centro de Controlo Aeroespacial de Pequim, na China Jin Liwang/EPA

“Assim que escurece, quando o sol passa o horizonte, a missão tem de terminar, pelo que há uma janela de tempo limitada entre a aterragem, a recolha das amostras e a saída da superfície, pelo que é uma missão muito emocionante porque tem de ser feita rapidamente”, destacou Carpenter.

A Chang ‘e-5 devolveu 1,73 quilos de amostras lunares, em vez dos dois quilos planeados, uma vez que a perfuradora só conseguiu fazer um furo de um metro de profundidade, em vez de dois metros, depois de ter encontrado camadas impenetráveis sob a superfície.

As amostras que a Chang ‘e-6 vai recolher serão transferidas e seladas num foguetão de apoio ao módulo de aterragem, que será lançado de novo para o espaço, acoplará com outra nave espacial em órbita lunar e transferirá as amostras. A aterragem na Mongólia Interior está prevista para 25 de Junho.

Segundo Carpenter, houve uma colaboração “extremamente forte” entre cientistas europeus e chineses na análise das amostras lunares trazidas pela Chang ‘e-5, esperando-se que tal se repita com as amostras recolhidas pela Chang ‘e-6.

Se tudo correr como planeado, a missão fornecerá à China um registo imaculado dos 4500 milhões de anos de história da Lua e fornecerá novas pistas sobre a formação do sistema solar. Permitirá também uma comparação sem precedentes entre a região oculta e inexplorada e o outro lado da Lua, mais conhecido e explorado.

A estratégia da China para a Lua inclui a primeira aterragem de astronautas por volta de 2030, num programa que conta com a Rússia como parceiro.

O programa norte-americano Artemis prevê uma aterragem na Lua com tripulação no final de 2026 ou mais tarde. A agência espacial norte-americana NASA estabeleceu parcerias com agências espaciais, incluindo as do Canadá, Europa e Japão, cujos astronautas se juntarão às tripulações americanas numa missão Artemis.

O programa Artemis depende fortemente de empresas privadas, incluindo a SpaceX de Elon Musk, cujo foguetão Starship tem como objectivo, esta década, tentar a primeira aterragem de um astronauta desde a última missão Apolo da NASA em 1972.

No sábado, o multimilionário japonês Yusaku Maezawa cancelou uma missão privada à volta da Lua, que deveria ter utilizado o foguetão Starship da SpaceX, invocando incertezas relacionadas com o desenvolvimento do foguetão.

Em Maio, a Boeing e a NASA adiaram o lançamento do foguetão Starliner, que ia transportar pela primeira vez astronautas da NASA para a Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), devido a um problema técnico. O lançamento deste foguetão tem, desde aí, sido alvo de vários adiamentos.