Ozono: 88% das mortes na Europa estão associadas a poluição “transfronteiriça”

Estudo estima que ozono “transfronteiriço” contribuiu para a esmagadora maioria das mortes. Em Portugal, só 11% deste poluente associado a doenças cardíacas e respiratórias tem origem nacional.

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A prática de exercício físico ao ar livre não é recomendada durante períodos em que se registam altas concentrações de ozono no ar Nuno Ferreira Santos
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A poluição atmosférica por ozono (O3) é hoje uma das principais causas de mortalidade prematura na Europa, mas uma boa parte desse poluente vem de fora do continente. Um estudo publicado esta segunda-feira na revista científica Nature Medicine estima que este ozono “transfronteiriço” tenha contribuído para 88,3% de todas as mortes atribuíveis àquele poluente atmosférico.

“O nosso trabalho não tem precedentes no que diz respeito ao nível de pormenor das contribuições calculadas na Europa. Também é a primeira vez que a quantificação da mortalidade atribuível ao ozono distingue entre fontes geográficas de ozono”, explica ao PÚBLICO o co-autor Carlos Pérez García-Pando, investigador do Barcelona Supercomputing Center, na Espanha.

O estudo quantifica as contribuições nacionais e importadas de ozono e a carga de mortalidade associada em 813 regiões de 35 países europeus (incluindo Portugal), o que representa 530 milhões de pessoas. Ao quantificar as fontes geográficas da poluição, o artigo sublinha a importância de uma coordenação global das estratégias para melhorar a qualidade do ar.

“Já sabíamos que as contribuições hemisféricas para o ozono eram importantes. O que mais me surpreendeu foi que, em média, nos países europeus, a mortalidade devida ao ozono proveniente de outros países europeus é mais importante do que a contribuição nacional”, afirmou o cientista espanhol ao PÚBLICO.

No caso português, por exemplo, os autores calculam que 11% da poluição por ozono terá contribuição nacional, 13,6% de contribuição de outros países europeus, 11,1% de emissões marítimas na proximidade da Europa e, por fim, 62,9% de transporte hemisférico (ou seja, os poluentes que se deslocam à volta da metade superior do globo terrestre).

“Se tivermos em conta apenas o ozono em Portugal proveniente de países europeus incluindo Portugal: 46% é gerado em Portugal, 35% em Espanha e 7% em França. Assim, a Espanha contribui bastante para Portugal”, refere Carlos Pérez García-Pando, numa resposta por e-mail.

Impactos na saúde humana

O ozono é um poluente do ar formado na atmosfera através da interacção entre gases precursores e a luz do sol. Quando os limites de concentração na atmosfera são excedidos, o ozono pode ser nocivo para a saúde humana, estando associado a doenças respiratórias e cardiovasculares.

O ozono troposférico, que é nocivo para a saúde humana, não deve ser confundido com a camada de ozono (cujo buraco está finalmente a fechar), que funciona como um “escudo” protector do nosso planeta e que, por extensão, protege os seres vivos que nele habitam.

A exposição de curto prazo (horas) pode causar inflamação das vias respiratórias, irritações oculares e agravamento de questões pulmonares e de sintomas asmáticos (tosse, dores no peito e falta de ar). As populações vulneráveis podem apresentar quadros ainda mais graves e, por isso mesmo, não devem estar ao ar livre já a partir do limiar dos 180 microgramas por metro cúbico.

“Considerámos os efeitos a curto prazo porque existem relações estatisticamente significativas entre os níveis de ozono e a mortalidade atribuível a curto prazo. Os efeitos a longo prazo são mais difíceis de separar e ainda não existem provas sólidas”, refere García-Pando.

A camada de ozono localiza-se na estratosfera (uma das várias camadas que compõem a atmosfera), ao passo que o ozono respirável encontra-se na troposfera. A atmosfera subdivide-se em cinco estratos: a troposfera (que é a crosta terrestre onde vivemos), a termosfera, a mesosfera, a estratosfera e a exosfera.

Crise climática agrava o cenário

Devido à crise climática, as concentrações de ozono tendem a aumentar em algumas regiões da Terra, exigindo uma estratégia global não só para uma redução drástica da emissão de gases com efeito de estufa, mas também para combater a poluição atmosférica por ozono.

“O ozono é difícil de reduzir. As medidas locais, juntamente com a cooperação internacional (entre os países europeus e não só) são fundamentais, particularmente no contexto das alterações climáticas, que tendem a aumentar o ozono em algumas regiões”, sublinha o cientista espanhol.

O estudo da Nature Medicine explica que o aquecimento climático reforça as condições que levam à formação de ozono troposférico no futuro, uma vez que “os mecanismos fotoquímicos de formação de ozono são favorecidos durante as ondas de calor e períodos de elevada radiação solar”. Segundo o artigo este é, de resto, o “factor dominante” que faz com que os cientistas estimem maiores concentrações de ozono e, como consequência, mais impactos associados na saúde humana.