Eurodeputados não representam diversidade europeia. Em Portugal, não há nenhum candidato racializado elegível

Anabela Rodrigues, primeira eurodeputada negra portuguesa, está a substituir Marisa Matias no PE. Surge em 3.º na lista do BE, que só tem hipótese de eleger a cabeça de lista, apontam as sondagens.

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Um estudo concluiu que “o racismo no Parlamento Europeu é sistémico, institucionalizado e perpetuado pela branquitude normativa da instituição” JULIEN WARNAND / EPA
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Os deputados eleitos para o Parlamento Europeu não representam a diversidade europeia, segundo dados recolhidos pela Rede Europeia contra o Racismo (ENAR, na sigla inglesa). Alice Kuhnke, deputada sueca dos Verdes, foi eleita eurodeputada em 2019 e, durante mais de meio ano, foi interpelada – logo depois de ter entrado no local de trabalho ou a meio do dia no corredor por funcionários que queriam verificar se pertencia ali. Quando falou com colegas não racializados, percebeu que não era prática comum.

Em declarações ao The Guardian, conta que a conversa foi diferente com colegas negros: aquela era uma experiência geral. Em 2019, o deputado inglês Magid Magid foi convidado a sair do edifício do Parlamento e relatou o episódio nas redes sociais: um funcionário viu-o num corredor e perguntou se estava perdido, quando Magid Magid explicou que era deputado, foi descredibilizado e disseram-lhe para sair. Não o fez e escreveu na rede social X, então Twitter: “Eu sei que sou diferente visivelmente. Eu não tenho o privilégio de esconder a minha identidade. Sou PRETO e o meu nome é Magid. Não pretendo encaixar-me. Habituem-se!”

Segundo a ENAR, as minorias racializadas representam 10% da população europeia, mas no Parlamento Europeu são apenas 4,3%. Desde as eleições legislativas de Março e até às europeias que se avizinham, Portugal tem uma deputada negra sentada na bancada da Esquerda. Anabela Rodrigues é a primeira mulher negra eurodeputada portuguesa, já integrou duas vezes a lista do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu, mas nunca foi eleita. Desde 26 de Março, está a substituir Marisa Matias (eleita para a Assembleia da República). Segundo apontam as sondagens mais recentes, a probabilidade de o BE eleger representantes fica-se apenas pela cabeça de lista, Catarina Martins.

Entre os partidos portugueses não há nenhum candidato racializado elegível e Anabela Rodrigues é a única em lugar cimeiro é a número três do Bloco de Esquerda. A ENAR considera que não há representatividade em Bruxelas e teme que os números baixem, com uma possível onda de deputados da extrema-direita que podem vir a ser eleitos no próximo dia 9 de Junho.

Um estudo de 2019, feito por investigadores finlandeses com base em entrevistas a eurodeputados e em dados das instituições europeias, concluiu que “o racismo no Parlamento Europeu é sistémico, institucionalizado e perpetuado pela branquitude normativa da instituição”. Olhando para os 705 lugares, a ENAR vê, neste último mandato que está prestes a terminar, um contraste gritante entre partidos de esquerda e centro, “que demonstram alguma representatividade de minorias raciais”, e partidos de direita, “onde a representação é baixa ou nula”.

O relatório da ENAR refere ainda que apenas 1,5% dos eurodeputados pertencem à comunidade LGBTQIA+ e só nove tinham algum tipo de deficiência na Europa, as pessoas com deficiência representam mais de um quarto da população. Em 1979, apenas seis deputados tinham dupla nacionalidade, número que tem vindo a crescer desde então, tendo atingido o máximo em 2019, quando foram eleitos 22 representantes com mais do que uma nacionalidade.

A instituição que combate o racismo na Europa falou com vários eurodeputados e afirma que há “uma influência significante do contexto nos interesses e na forma como se comprometem a trabalhar a diversidade e não discriminação”. As entrevistas aos deputados e funcionários do Parlamento Europeu revelaram uma tendência positiva quanto à percepção de igualdade de género em Bruxelas, mas a visão geral é a de que para grupos minoritários religiosos e racializados ou para pessoas com deficiência, ainda há um longo caminho a percorrer.

“O Parlamento Europeu deve ponderar a imposição de quotas ou sistemas alternativos que garantam maior diversidade”, recomenda a ENAR, mas, sublinha noutro ponto, é importante esclarecer que “a representatividade por si só não garante progresso no combate do racismo”. “Explorar a retórica da diversidade para interesses próprios contribui para diversity-washing que legitima o racismo e políticas antidemocráticas.”

Sugere que haja mais acessibilidade nas infra-estruturas do Parlamento Europeu e espaços que permitam práticas religiosas, como forma de o tornar um local de trabalho mais inclusivo. Propõe também que se fortaleçam os mecanismos de denúncia de assédio psicológico e que se incluam actos de racismo como critério agravante.

A discriminação também foi tema no Parlamento português quando, há dias, no programa Justiça Cega da rádio Observador, a deputada socialista Isabel Moreira denunciou o ambiente “absolutamente infernal” que se vive na Assembleia da República causado pela “ofensa e injúria permanente” dos deputados do Chega. ​

Já em 2023, num artigo da revista Sábado sobre os insultos e misoginia por parte do partido de André Ventura, a deputada Romualda Fernandes do PS admitiu ter ficado “incomodada” com esta situação que “não é tolerável numa casa da democracia​”. Isabel Moreira afirmou que ouviu deputados do Chega cumprimentarem Romualda Fernandes, “uma deputada negra, ao meio-dia” com um ​“‘boa noite, senhora deputada’, que é uma coisa normal de se dizer ao meio-dia a uma pessoa negra”​, ironizou.

Após a denúncia de Isabel Moreira, Inês Sousa Real, deputada única do PAN, reforçou as acusações da deputada socialista e disse ao PÚBLICO que irá lutar para que comentários ofensivos ouvidos no plenário fiquem em acta, de modo a existirem consequências disciplinares.

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