Crise climática: nações ricas ganham milhões na ajuda aos países mais pobres

Através de empréstimos com juros altos e subvenções que exigem contratação nacional, a Alemanha, a França, o Japão e os Estados Unidos conseguem obter milhões na luta contra as alterações climáticas.

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Patricio Peres, de nove anos, está sentado num frigorífico que flutua, após a casa da sua família ter sido inundada e destruída devido a chuvas fortes que afectaram a cidade de Esmeraldas, no Equador, em Junho de 2023 Santiago Arcos/REUTERS
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O Japão, a França, a Alemanha, os Estados Unidos e outras nações ricas estão a arrecadar milhares de milhões de euros em recompensas económicas de um programa global destinado a ajudar o mundo em desenvolvimento a lidar com os efeitos das alterações climáticas, segundo revela uma análise da Reuters a partir de dados da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE).

Os ganhos financeiros fazem parte do compromisso das nações desenvolvidas de enviarem cem mil milhões de dólares (92,5 mil milhões de euros) por ano para os países mais pobres para os ajudar a reduzir as emissões e a fazer face a fenómenos meteorológicos extremos. Ao canalizarem o dinheiro do programa para as suas próprias economias, os países ricos contrariam a ideia amplamente aceite de que devem compensar os países mais pobres pela poluição que produziram e que, a longo prazo, alimentou as alterações climáticas, adiantam mais de uma dúzia de analistas financeiros do clima, activistas e antigos funcionários e negociadores do clima que falaram com a Reuters.

As nações ricas emprestaram pelo menos 18 mil milhões de dólares (16,65 mil milhões de euros) a juros de mercado, incluindo 10,2 mil milhões de dólares (9,44 mil milhões de euros) em empréstimos feitos pelo Japão, 3,6 mil milhões de dólares (3,33 mil milhões de euros) pela França, 1,9 mil milhões de dólares (1,76 mil milhões de euros) pela Alemanha e 1,5 mil milhões de dólares (1,39 mil milhões de euros) pelos Estados Unidos (EUA), de acordo com a análise da Reuters e do Big Local News, um programa de jornalismo da Universidade Stanford, nos EUA. Esta não é a norma para empréstimos para projectos relacionados com o clima e com outro tipo de ajudas, que normalmente têm juros baixos ou nulos.

Pelo menos outros 11 mil milhões de dólares (10,18 mil milhões de euros) em empréstimos – quase todos vindos do Japão – exigiam que os países beneficiários contratassem ou comprassem materiais a empresas dos países credores.

A Reuters identificou ainda pelo menos 10,6 mil milhões de dólares (9,81 mil milhões de euros) em subvenções vindas de 24 países e da União Europeia que, de forma semelhante, exigiam que os beneficiários contratassem empresas, organizações sem fins lucrativos e agências públicas de nações específicas – normalmente do doador do financiamento – para fazer o trabalho ou fornecer materiais.

Oferecer empréstimos para questões climáticas a taxas de mercado ou condicionar o financiamento à contratação de determinadas empresas significa que o dinheiro destinado aos países em desenvolvimento é devolvido aos países ricos.

"Do ponto de vista da justiça, isto é profundamente repreensível", disse Liane Schalatek, directora associada da filial de Washington da Fundação Heinrich-Boll, um grupo de reflexão alemão que promove políticas ambientais.

Os analistas afirmaram que as subvenções que exigem que os beneficiários contratem fornecedores dos países ricos são menos prejudiciais do que os empréstimos com tais condições, porque não exigem o reembolso. Por vezes, estes acordos são mesmo necessários, quando os países beneficiários não têm os conhecimentos necessários para prestar um serviço, explicam os analistas. Mas, outras vezes, os acordos beneficiam as economias dos doadores à custa dos países em desenvolvimento. Isso prejudica o objectivo de ajudar as nações vulneráveis a desenvolver a resiliência e a tecnologia para fazer face às alterações climáticas, afirmaram as fontes especialistas na área do clima e das finanças.

"O fornecimento de financiamento [para o combate] climático não deve ser uma oportunidade de negócio", afirmou Liane Schalatek. Deve "servir as necessidades e as prioridades dos países em desenvolvimento beneficiários do financiamento".

Muitos dos empréstimos e subvenções condicionados que foram analisados pela Reuters foram contabilizados para o compromisso das nações desenvolvidas de enviar os tais cem mil milhões de dólares por ano até 2020 para os países mais pobres, desproporcionalmente prejudicados pelas alterações climáticas. Assumido pela primeira vez em 2009, o compromisso foi reafirmado no acordo climático de Paris, em 2015. Cerca de 353 mil milhões de dólares (326,59 mil milhões de euros) foram pagos de 2015 a 2020. Este montante incluiu 189 mil milhões de dólares (174,86 mil milhões de euros) em pagamentos directos de país para país, que foram o foco da análise da Reuters.

Mais de metade desse financiamento directo –​ cerca de 54% – foi concedido sob a forma de empréstimos e não de subvenções, um facto que irrita alguns representantes de países em desenvolvimento endividados, como o Equador. Estes dizem que não deveriam ter de contrair mais dívidas para resolver problemas causados em grande parte pelo mundo desenvolvido.

Os países do "Sul global estão a viver uma nova onda de dívidas causada pelo financiamento climático", afirmou Andres Mogro, antigo director nacional para a adaptação às alterações climáticas do Equador.

Ao mesmo tempo, vários analistas afirmaram que os países ricos estão a sobrevalorizar as contribuições que estão a fazer para o compromisso dos cem mil milhões de dólares, porque uma parte do seu financiamento climático flui de volta para casa através do reembolso de empréstimos, juros e contratos de trabalho.

"Os benefícios para os países doadores ofuscam desproporcionadamente o objectivo principal de apoiar a acção climática nos países em desenvolvimento", afirmou Ritu Bharadwaj, investigadora principal sobre governança e financiamento climático no Instituto Internacional para o Ambiente e Desenvolvimento, um grupo de reflexão política do Reino Unido.

Países ricos defendem-se

Representantes das principais agências que gerem o financiamento climático para o Japão, a Alemanha, a França e os Estados Unidos – os quatro países que comunicaram o maior financiamento deste tipo à ONU – afirmaram que têm em conta o montante actual da dívida de um país quando decidem se concedem empréstimos ou subsídios. Além disso, disseram ainda que as subvenções são dadas com prioridade para os países mais pobres.

Cerca de 83% do financiamento climático para os países com rendimentos mais baixos foi concedido sob a forma de subvenções, segundo a análise da Reuters. Mas estes países também receberam, em média, menos de metade do financiamento climático que os países com rendimentos mais elevados receberam, neste caso maioritariamente sob a forma de empréstimos.

"Uma combinação de empréstimos e subvenções garante que o financiamento público dos doadores pode ser direccionado para os países mais necessitados, enquanto os países economicamente mais fortes podem beneficiar de condições de empréstimo mais favoráveis do que as do mercado", afirmou Heike Henn, directora para o clima, energia e ambiente do Ministério para a Cooperação Económica e Desenvolvimento da Alemanha. A Alemanha contribuiu com 45 mil milhões de dólares (41,51 mil milhões de euros) para o financiamento da luta contra as alterações climáticas, 52% dos quais foram emprestados.

A Agência Francesa para o Desenvolvimento (AFD) oferece aos países em desenvolvimento taxas de juro baixas que, normalmente, só estariam disponíveis para os países mais ricos no mercado aberto, disse Atika Ben Maid, chefe adjunta da Divisão de Clima e Natureza da AFD. Cerca de 90% da contribuição francesa de 28 mil milhões de dólares (25,83 mil milhões de euros) foi concedida sob a forma de empréstimos – a percentagem mais elevada de todos os países.

Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA afirmou que os empréstimos são "apropriados e eficazes em termos de custos" para projectos geradores de receitas. As subvenções destinam-se normalmente a outros tipos de projectos em "comunidades de baixos rendimentos e vulneráveis ao clima". Os EUA forneceram 9,5 mil milhões de dólares (8,76 mil milhões de euros) em financiamento climático, 31% dos quais foram emprestados.

"Também deve ser enfatizado que as disposições de financiamento climático do Acordo de Paris não se baseiam em 'reparar' os danos causados pelas emissões históricas", disse o porta-voz, quando questionado sobre se a cobrança de juros à taxa de mercado e outras recompensas financeiras contradizem o espírito do programa de financiamento climático.

O Acordo de Paris não afirma directamente que as nações desenvolvidas devem compensar as suas emissões históricas. Faz referência aos princípios da "justiça climática" e da "equidade", e regista as "responsabilidades e capacidades comuns, mas diferenciadas" dos países para fazer face às alterações climáticas. O acordo deixa claro que se espera que os países desenvolvidos contribuam para o financiamento da luta contra as alterações climáticas.

De acordo com a interpretação feita por muitas pessoas, as palavras do Acordo de Paris querem dizer que as nações mais ricas têm a responsabilidade de ajudarem a resolver os problemas relacionados com o clima, já que tiveram um papel desproporcional na sua origem, disse Rachel Kyte, professora de política climática da Universidade de Oxford, no Reino Unido, que foi a enviada especial do Banco Mundial para as alterações climáticas em 2014 e 2015.

Mas o acordo foi curto em pormenores. O compromisso diz que as nações devem mobilizar financiamento climático a partir de "uma grande variedade de fontes, instrumentos e canais". Mas não definiu se se deve dar prioridade às subvenções em relação aos empréstimos. Também não proibiu as nações ricas de imporem condições vantajosas para si próprias.

"É como pegar fogo a um edifício e depois vender os extintores lá fora", disse Andres Mogro, do Equador, que também foi negociador climático do G77, o bloco de países em desenvolvimento mais a China, resumindo numa frase a forma como avalia esta prática.

Grandes necessidades, função limitada

A Reuters e a Big Local News analisaram 44.539 registos de contribuições de financiamento para o clima relatadas à Convenção-Quadro das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (UNFCCC, sigla em inglês), a entidade encarregada de fazer o seguimento daquele compromisso. As contribuições, feitas por 34 países e pela União Europeia, desenrolaram-se entre 2015 e 2020, o ano mais recente para o qual existem dados disponíveis.

A UNFCCC não exige que os países comuniquem pormenores-chave do seu financiamento. Assim, os repórteres também analisaram 133.568 registos colectados pela OCDE para identificar condições de contratação ligadas ao financiamento relacionado ao clima durante o mesmo período.

A análise confirmou que os países desenvolvidos contabilizaram para o compromisso de financiamento climático de cem mil milhões de dólares alguma ajuda que tinha condicionantes inerentes. Como faltam detalhes aos registos da UNFCCC, a Reuters não pôde determinar se toda essa ajuda foi contabilizada.

Para entender melhor os padrões de financiamento revelados pelos dados, os repórteres consultaram 38 analistas e académicos peritos em financiamento climático e financiamento para o desenvolvimento, além de activistas climáticos, antigos e actuais funcionários e negociadores climáticos para países em desenvolvimento e representantes de agências de desenvolvimento para as nações ricas.

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Ambientalistas protestam pela justiça climática nos arredores de Manila, nas Filipinas, em Dezembro de 2023 Lisa Marie David/Reuters

As conclusões da Reuters surgem numa altura em que os países tentam negociar uma nova meta de financiamento climático mais elevada até ao fim de 2024. A ONU estimou que são necessários pelo menos 2,4 biliões (milhões de milhões) de dólares (2,21 biliões de euros) por ano para cumprir as metas do acordo climático de Paris, que incluem evitar que a temperatura média global suba mais de dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.

Os gastos recentes para este tipo de financiamento são mínimos em comparação com o que é necessário. Os países ricos provavelmente atingiram a meta anual de cem mil milhões de dólares pela primeira vez em 2022, graças a contribuições directas de país para país, bem como financiamento multilateral de bancos de desenvolvimento e fundos climáticos. A OCDE estima que os países ricos canalizaram pelo menos 164 mil milhões de dólares (151,29 mil milhões de euros) para o compromisso de financiamento climático através de instituições multilaterais tendo cerca de 80% desse financiamento sido emprestado – entre 2015 e 2020, além das contribuições directas dos países.

A Reuters não conseguiu determinar a percentagem desses empréstimos que tinham taxas de juro de mercado ou condições relativamente à contratação, devido ao facto de os grupos multilaterais não terem apresentado relatórios uniformes.

Pelo menos três mil milhões de dólares (2,77 mil milhões de euros) dos gastos directos foram para projectos que pouco fizeram para ajudar os países a reduzir as emissões de CO2 ou a protegerem-se contra os impactos das alterações climáticas, segundo uma investigação da Reuters de Junho de 2023. Grandes somas de dinheiro foram destinadas a uma central de carvão, a um hotel, a lojas de venda de chocolates e a outros projectos com pouca ou nenhuma ligação a iniciativas climáticas.

Um buraco cada vez maior

Os países altamente endividados enfrentam um círculo vicioso: o pagamento das dívidas limita a sua capacidade de investir em soluções para o clima, enquanto os fenómenos meteorológicos extremos causam graves perdas económicas, levando-os frequentemente a contrair mais empréstimos. Um relatório de 2022 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento concluiu que mais de metade dos 54 países em desenvolvimento mais endividados se encontrava também entre os mais vulneráveis aos efeitos das alterações climáticas.

No entanto, com o montante de financiamento para projectos climáticos ainda longe do necessário, alguns analistas argumentam que os empréstimos têm de fazer parte da equação do financiamento para o clima.

Os representantes da ajuda ao desenvolvimento dos EUA, do Japão, da França, da Alemanha e da Comissão Europeia afirmam que os empréstimos lhes permitem canalizar muito mais dinheiro para projectos significativos do que se dependessem apenas de subvenções.

Em entrevista à Reuters, oito representantes que trabalharam em questões climáticas nos países em desenvolvimento disseram que consideram os empréstimos necessários para financiar projectos ambiciosos, dados os montantes limitados que as nações ricas atribuíram ao financiamento do clima. No entanto, afirmaram que os compromissos futuros de financiamento devem exigir que as nações ricas e as instituições multilaterais sejam mais transparentes quanto às condições dos empréstimos e devem oferecer uma protecção contra empréstimos que criem dívidas sufocantes.

"A forma como o sistema financeiro internacional funciona actualmente (...) é cavar um buraco ainda mais fundo", disse Rachel Kyte, antiga enviada do Banco Mundial para o clima que aconselhou recentemente o Reino Unido nas negociações sobre o clima. "Temos de dizer: 'Não, chega de cavar, vamos encher o buraco e erguer-vos.'"

Fazendo eco de anos de apelos das nações em desenvolvimento, o secretário executivo da UNFCCC, Simon Stiell, instou publicamente as nações ricas a oferecerem os chamados "empréstimos em condições preferenciais", com taxas de juro muito baixas e longos períodos de reembolso. Isto torna-os menos dispendiosos do que os vendidos no mercado livre. A UNFCCC e a OCDE não fizeram comentários para esta reportagem, em vez disso, a UNFCCC remeteu a Reuters para os comentários anteriores de Stiell.

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Uma vista de um bairro de Guayaquil, no Equador Henry Romero/Reuters

Cerca de 18% dos empréstimos climáticos dos países ricos, ou seja, 18 mil milhões de dólares (16,61 mil milhões de euros), não foram empréstimos em condições preferenciais, segundo os relatórios da ONU de 2015 a 2020, incluindo mais de metade dos empréstimos que os Estados Unidos e a Espanha comunicaram cada um. Estes totais estão provavelmente subestimados, uma vez que é voluntário para as nações ricas comunicar à ONU se os seus empréstimos foram em condições preferenciais.

Em 2017, a França concedeu um empréstimo sem condições preferenciais de 118,6 milhões de dólares (109,41 milhões de euros) a Guayaquil, cidade portuária do Equador, para a construção de um teleférico. O empréstimo, que a França contabilizou para o seu compromisso de financiamento climático, mostra como o programa global pode criar dívidas caras nos países em desenvolvimento em troca de poucos ganhos ambientais, enquanto as nações credoras beneficiam da troca.

Baptizada de Aerovia, as gôndolas movidas a cabos do teleférico foram anunciadas como uma alternativa ecológica às pontes congestionadas que ligam a cidade industrial de Guayaquil a uma cidade vizinha, onde vivem os trabalhadores. Quatro anos após a sua inauguração, a Aerovia transportava cerca de 8300 passageiros por dia. Este número foi um quinto do número de passageiros projectado nos primeiros documentos de planeamento, o que resultou em receitas e benefícios ambientais inferiores aos esperados.

A dívida do empréstimo aumentou o défice orçamental de 124 milhões de dólares (114,39 milhões de euros) de Guayaquil. A cidade esperava pagar 5,88% de juros, de acordo com os primeiros documentos de planeamento. Prevê-se que a França ganhe 76 milhões de dólares (70,11 milhões de euros) em juros durante o período de reembolso de 20 anos. Esta taxa de juros seria invulgarmente alta para um empréstimo relacionado com o clima, segundo os analistas financeiros. Uma análise da OCDE de 2023 de empréstimos em condições preferenciais de 12 nações desenvolvidas e da União Europeia descobriu que eles ofereciam uma taxa de juros média de 0,7% em 2020. Guayaquil e a França não quiseram divulgar a taxa de juros do contrato de empréstimo final para o teleférico.

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O teleférico construído na cidade portuária do Equador Henry Romero/Reuters

"Este é um exemplo clássico em que um mau empréstimo, que foi concedido a um país sob a capa de financiamento para o clima, irá criar mais... stress financeiro", disse Ritu Bharadwaj, investigador climático do Instituto Internacional para o Ambiente e Desenvolvimento.

Um contrato no estrangeiro

O contrato de empréstimo não obrigava Guayaquil a contratar uma empresa francesa. No entanto, a empresa de transportes francesa Poma ganhou o contrato para a construção do teleférico, juntamente com a empresa panamiana Sofratesa, fundada por um cidadão francês. As empresas também operam o teleférico, pelo que o município não cobra receitas das tarifas dos passageiros para ajudar a pagar o empréstimo. Nenhuma das empresas respondeu às perguntas da Reuters.

Quase todos os componentes do Aerovia incluindo as cabinas, os painéis de controlo eléctrico e os cabos foram fabricados em França e na Suíça, e depois enviados para Guayaquil, de acordo com uma apresentação de diapositivos preparada pelo governo local antes do lançamento do eléctrico.

Para Euan Ritchie, conselheiro sénior de política da Development Initiatives, uma organização de política internacional, o projecto equivaleu a uma "transferência de riqueza do Equador para a França".

Contestando esta afirmação, um porta-voz da AFD disse que o teleférico pertence à cidade e que a agência avaliou o risco de stress financeiro antes de aprovar o empréstimo. O teleférico já resultou numa "redução significativa dos gases com efeito de estufa", apesar do baixo número de passageiros, disse o porta-voz, que não forneceu estimativas. O porta-voz disse que a agência não participa na selecção dos contratantes.

No entanto, a AFD propagandeou o sucesso das empresas francesas na obtenção de tais contratos. O relatório anual de 2022 da agência afirma que, nesse ano, mais de 71% dos seus projectos envolveram "pelo menos um agente económico francês", o que lhes valeu dois mil milhões de euros em "benefícios económicos". O porta-voz recusou-se a fornecer estimativas de como os fornecedores franceses beneficiam do financiamento relacionado com o clima. As empresas francesas ganham frequentemente os concursos porque têm "um conhecimento profundo e uma presença local" nas regiões onde a AFD envia uma ajuda significativa, disse o porta-voz, acrescentando que "não favorece de forma alguma quaisquer entidades com base na sua nacionalidade".

Contratos com amarras

Quase 32% de todos os empréstimos para o clima do Japão exigiam que os mutuários utilizassem pelo menos uma parte do dinheiro que lhes foi emprestado para contratar empresas japonesas, segundo os registos da OCDE. Esses empréstimos canalizaram pelo menos 10,8 mil milhões de dólares (9,96 mil milhões de euros) para a economia japonesa, segundo o que a Reuters apurou.

Os requisitos do empréstimo ajudaram a Sumitomo Corp e a Japan Transport Engineering Co a ganhar três contratos no valor de mais de 1,3 mil milhões de dólares (1,2 mil milhões de euros), para fornecer 648 carruagens de comboio para projectos de caminhos-de-ferro electrificados e de metropolitano nas Filipinas. Uma empresa irmã da Sumitomo, a Sumitomo Mitsui Construction Co, ganhou dois contratos no valor de mais de mil milhões de dólares (cerca de mil milhões de euros) para a construção de edifícios de expansão ferroviária e de estações.

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Empréstimos japoneses estão a ajudar a pagar a construção de transportes públicos eléctricos em Manila, nas Filipinas Lisa Marie David/Reuters

Um porta-voz da Sumitomo Corp afirmou que, embora os empréstimos exigissem que o principal contratante fosse japonês, não exigiam a utilização de subcontratantes japoneses. O porta-voz não respondeu quando lhe foi perguntado se a empresa utilizou subcontratantes locais para o projecto ferroviário nas Filipinas.

A Japan Transport Engineering Co não respondeu às perguntas que lhe foram feitas.

A ajuda com condições de contratação rouba às empresas locais oportunidades de negócio e elimina as hipóteses de os países em desenvolvimento criarem competências em tecnologias sustentáveis, disse Erika Lennon, advogada sénior do Centro para o Direito Ambiental Internacional. Onze fontes disseram que os requisitos contradizem as cláusulas do Acordo de Paris que instam as partes a dar prioridade à "transferência de tecnologia e capacitação" para os países em desenvolvimento.

Questionado pela Reuters sobre os empréstimos condicionais do Japão, Kiyofumi Takashima, porta-voz da Agência de Cooperação Internacional do Japão (ACIJ), disse que estes têm condições muito favoráveis para os mutuários e envolvem normalmente consultores, empreiteiros e trabalhadores locais. Os consultores e empreiteiros japoneses fazem "todos os esforços para transferir tecnologia e competências" para os actores locais, disse ele.

A política da ACIJ durante o período analisado pela Reuters exigia que este tipo de empréstimo tivesse uma taxa de juro de 0,1% e um período de reembolso de 40 anos.

A ajuda condicional pode acarretar custos adicionais porque os beneficiários não podem considerar contratantes mais baratos. Em 2001, a OCDE recomendou a suspensão de tais requisitos, citando o seu próprio estudo de 1991 que concluiu que estes podem aumentar os custos para os países beneficiários até 30%.

Saori Katada, especialista em política externa do Japão na Universidade do Sul da Califórnia, citou uma investigação académica que concluiu que as empresas japonesas cobram normalmente mais do que as suas congéneres de países vizinhos, como a China, a Coreia e Taiwan.

"Talvez seja de boa qualidade, mas é sempre muito caro", disse Saori Katada.

Outros países impõem frequentemente requisitos de contratação semelhantes às subvenções. Os repórteres descobriram que 18% de todas as subvenções relacionadas com o clima comunicadas à OCDE entre 2015 e 2020 continham tais requisitos para a totalidade ou parte da subvenção.

A União Europeia concedeu quatro mil milhões de dólares (3,69 mil milhões de euros) em subvenções que obrigavam os beneficiários a contratar empresas ou agências de países específicos. Os Estados Unidos comunicaram a transferência de três mil milhões de dólares (2,77 mil milhões de euros) e a Alemanha 2,7 mil milhões de dólares (2,49 mil milhões) em subvenções com condições semelhantes.

Um porta-voz do Ministério da Cooperação Económica e do Desenvolvimento da Alemanha afirmou que as suas subvenções não exigem a contratação de empresas alemãs e que não existe uma política que favoreça os fornecedores nacionais. No entanto, os países beneficiários são frequentemente obrigados a pagar à agência de desenvolvimento internacional da Alemanha, a GIZ, por serviços de consultoria e outros serviços técnicos, disse o porta-voz.

Segundo um porta-voz da UE, quase toda a ajuda da União Europeia desde 2021 está isenta de tais requisitos de contratação.

Toda a ajuda, independentemente de quem recebe os contratos para fazer o trabalho, favorece os países beneficiários, disse um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA. O porta-voz contestou a noção de que os EUA impuseram condições de concessão que canalizaram três mil milhões de dólares para a sua própria economia. A ajuda pode ter exigido a contratação de empresas ou agências de outros países – não apenas dos EUA –, disse o porta-voz, que não deu exemplos específicos.

Os dados da OCDE indicam que as empresas, organizações sem fins lucrativos ou agências governamentais dos EUA foram as principais entidades que receberam dinheiro de, pelo menos, 80% das subvenções condicionais dos EUA para o clima, num total de 2,4 mil milhões de dólares (2,21 mil milhões de euros).

Isto "faz parte da mesma história do financiamento que vai na direcção errada", disse Rachel Kyte.

(Reportagem por Irene Casado Sánchez e Jackie Botts. Reportagem adicional de Yury Garcia and Emma Rumney)