Com o ANC sem maioria, a África do Sul entra numa nova era política

Partido que governou o país desde o fim do apartheid vai ter de partilhar o poder com a oposição e negociar um acordo de coligação.

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Jornalistas rodeiam Gwede Mantashe, presidente do ANC Alet Pretorius / REUTERS
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Com os votos quase todos contados, os resultados das eleições legislativas na África do Sul confirmaram o cenário que as sondagens tinham deixado adivinhar. O Congresso Nacional Africano (ANC), o partido que, desde o fim do apartheid, em 1994, governou sem oposição, vai perder a maioria absoluta.

De acordo com a contagem ainda provisória — os resultados finais serão publicados no domingo —, o ANC obteve 40,24% dos votos, uma queda retumbante em relação às eleições de 2019, quando alcançou 57,5%.

A Aliança Democrática (DA), principal partido da oposição, foi o segundo mais votado, com 21,71% dos votos, registando uma subida relativamente às últimas eleições, quando obteve 20.77%. Em terceiro lugar surge o uMkhonto weSizwe (Partido MK), o novo partido do antigo Presidente Jacob Zuma, fundado em Setembro, com 14,65%. Já o partido de extrema-esquerda Combatentes da Liberdade Económica (EFF), de Julius Malema, antigo líder da Juventude do ANC, obteve 9,47%.

Assim, com um mandato dramaticamente enfraquecido, a que não foi alheio o forte desempenho eleitoral do MK (principalmente na província natal de Zuma, KwaZulu-Natal), o partido que há 30 anos conquistou a África do Sul com Nelson Mandela na liderança, ver-se-á obrigado, pela primeira vez, a partilhar o poder.

“Podemos falar com toda a gente e com qualquer um”, afirmou Gwede Mantashe, presidente do ANC e actual ministro das Minas e Energia, em comentários transmitidos pela South African Broadcasting Corporation (SABC), esquivando-se a uma pergunta sobre com quem o partido estava a discutir um possível acordo de coligação.

Mas, segundo o portal noticioso News24, o ANC já terá encetado conversações com a DA com o objectivo de formar um governo num curto espaço de tempo, de forma a evitar mais uma crise numa nação que enfrenta graves problemas, desde o desemprego — com uma taxa de 32%, a maior do mundo — à corrupção e ao aumento da criminalidade violenta.

Fontes do ANC e da DA confirmaram ao News24 a abertura de “múltiplos canais de comunicação entre os dois partidos”, cuja colaboração garantiria uma coligação maioritária graças aos 21% obtidos pelo partido liderado por John Steenhuisen, de centro-direita, ligado às elites económicas e com forte implantação na minoria branca do país.

A presidente do conselho federal da DA e antiga governadora da província do Cabo Ocidental, Helen Zille, afirmou que o partido está a analisar uma série de opções, incluindo uma “coligação completa”, um acordo que envolva os governos provinciais e municipais, ou um acordo de “confiança e apoio” com um governo minoritário do ANC, mantendo-se assim na oposição.

Os 14% obtidos pelo MK de Zuma — impedido de concorrer às eleições por decisão do Tribunal Constitucional, depois de ter sido condenado por desacato a um tribunal em 2021, num caso de corrupção — oferecem-lhe também um lugar privilegiado na discussão da partilha de poder, mas o partido que adoptou o nome do braço armado do ANC — uMkhonto weSizwe (MK), ou a Lança da Nação, em xhosa — já fez saber que uma das suas condições para qualquer acordo é a saída de Cyril Ramaphosa, o actual Presidente sul-africano, como líder do ANC.

“Estamos dispostos a negociar com o ANC, mas não com o ANC de Cyril Ramaphosa”, disse o porta-voz do MK, Nhlamulo Ndlela, citado pela Associated Press.

Já o líder do EFF, Julius Malema, afirmou que o actual Presidente sul-africano não será um problema. “Ramaphosa não é propriamente alguém que apreciemos”, disse, citado pelo Guardian. “Mas ele não será um obstáculo a um acordo de coligação.”

Do lado do ANC, responsáveis do partido garantem que o futuro de Ramaphosa não é assunto de discussão. “Ninguém no ANC levantou essa questão, excepto os jornalistas”, disse Gwede Mantashe, presidente do partido.

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