Marcha pelo clima: “Janela de oportunidade está a fechar-se”
Voto nas eleições europeias será importante para definir a política climática da União Europeia nos próximos cinco anos, alerta plataforma que organizou manifestação em Lisboa, com pouca adesão.
O sol estava forte quando algumas dezenas de pessoas começaram a descer da praça Luís de Camões, neste sábado à tarde, numa manifestação pela justiça climática. A marcha, convocada pela plataforma Salvar o Clima, tinha como objectivo chamar a atenção para a importância das eleições europeias no contexto da luta contra as alterações climáticas.
“A ciência climática diz-nos que é possível inverter esta crise, mas também nos diz que a janela de oportunidade está a fechar, temos tempo para fazer alguma coisa, mas tem de ser rápido”, alertou Ana Matias, da associação de conservação dos ecossistemas marinhos Sciaena, ao PÚBLICO, ainda antes do início da descida. “Durante os próximos cinco anos é o prazo que temos para fazer a maior parte dos cortes de emissões que temos para fazer”, explicou.
Daí a necessidade de analisar o sentido do voto a 9 de Junho no contexto da urgência climática, defendeu a ambientalista. “É importante que aquilo que vai ser decidido na União Europeia nos próximos cinco anos reflicta as preocupações reais e a urgência climática que estamos a viver”, disse Ana Matias, que foi uma das organizadoras e porta-voz da marcha, que contou com mais de 20 associações da sociedade civil.
Entre os grupos apoiantes que aderiram à manifestação está a Academia Cidadã, a Climáximo, os Empregos para o Clima, a Frente Grisalha pelo Clima, a Greve Climática Estudantil de Lisboa, a Habita, o Partido Ecologista “Os Verdes”, a Plataforma Troca, a Quercus, a Sciaena, a Scientist Rebellion Portugal, o SOS Quinta dos Ingleses, o Stop Despejos, entre outros.
A variedade das associações mostra o entrecruzamento da grande questão climática com temas como a habitação, o acesso a empregos e até a invasão de Israel na Faixa de Gaza. As frases de ordem e as canções que foram sendo ouvidas ao longo da rua Garrett, em direcção ao Martim Moniz, o destino final da marcha, traduziram esses entrecruzamentos.
Quem passava pelo gentrificado Chiado, ia ouvindo: “Ca-pi-talismo, não tem emenda, o planeta a arder e eu sem guita para a renda”; ou “Bloquear refinarias, ocupar casas vazias”; ou “Abaixo o sionismo que vai cair, que vai cair. E viva a Palestina a resistir, a resistir”. Os turistas, mesmo não percebendo português, olhavam para os manifestantes, as suas faixas e os seus cartazes.
Empregos e investimento público
“É uma marcha que junta organizações muito diferentes, isso traz abrangência, juntar várias causas e dialogar com os grandes debates político-partidários”, referiu por sua vez ao PÚBLICO Manuel Afonso, outro organizador da marcha, da campanha Empregos para o Clima.
A marcha apresentava-se com seis reivindicações: uma transição justa, o custo da transição energética ser pago pelos ultra-ricos e empresas poluidoras, a energia produzida a partir de fontes renováveis ser um bem público e acessível, o fim da dívida do Sul global, o fim dos subsídios à indústria ligada aos combustíveis fósseis e o fim da publicidade das empresas de combustíveis fósseis.
A vertente da justiça climática foi uma bandeira importante numa marcha em que as inundações no Rio Grande do Sul e o calor em Nova Deli foram referidos mais do que uma vez. Manuel António explicou que a transição energética tem o potencial de criar dezenas ou mesmo centenas de milhares de novos empregos. “Em sectores como as energias renováveis descentralizadas, os transportes públicos, a eficiência energética, é possível e necessário criar muitos postos de trabalho que compensam aqueles que se vão perder nos sectores ligados ao gás e aos derivados do petróleo. É possível e necessário absorver essas pessoas”, sublinhou.
Mas para isso é importante o investimento público. “As novas regras de governação económica [europeia] criam limites muito grandes ao investimento público”, alertou. “O objectivo da marcha é mobilizar, consciencializar, pressionar para, no âmbito das eleições europeias, haver uma mudança para um grande investimento em políticas públicas.”
O evento faz parte de várias dezenas de manifestações que têm ocorrido por toda a Europa. Mas pelo menos neste sábado, numa Lisboa quente, o esforço não pareceu galvanizar as pessoas, dado o tamanho da manifestação, onde se viam muitas caras conhecidas nos protestos pelo clima.
Ana Maria Valinho, da Extinction Rebellion e uma das representantes de associações convidadas a discursar ao longo da marcha, tentou analisar a falta de adesão. “A dimensão de um problema que é o maior em que a humanidade alguma vez se encontrou criou um certo afastamento. É difícil compreender, sentir esperança”, disse ao PÚBLICO, após ter falado na rua do Carmo, num discurso onde defendeu as assembleias cidadãs como lugares de produção de políticas, que depois os partidos e os Governos deveriam seguir.
E qual é a resposta para inverter esse afastamento da população? “Influenciar, inspirar, conversar, ouvir, perceber o que se passa nas comunidades, não só a nível urbano, mas também a nível rural.” Fica o apelo.