Ana Miguel Pedro: “Estamos a dizer: fornecemos as armas à Ucrânia, mas não se podem defender”
Ana Miguel Pedro, do CDS, é a número 3 da lista da AD. Defende que se permita à Ucrânia atingir a Rússia com armas ocidentais, numa entrevista ao podcast A Minha Família É Melhor Que a Tua.
Ana Miguel Pedro foi assessora de Nuno Melo nos últimos dez anos, conhece o Parlamento Europeu por dentro. Agora, mudou de “ramo”: passou a candidata da coligação governamental, é a número 3 da lista da AD. Assume que estas são “as eleições para o Parlamento Europeu mais importantes das últimas décadas”, por causa do “tabuleiro geopolítico incerto”.
Esta é a primeira entrevista do podcast A Minha Família É Melhor Que a Tua, especial eleições europeias, que vamos publicar diariamente durante os próximos dias.
Leia a transcrição editada da entrevista:
Quem é a Ana Miguel Pedro, onde estudou, onde nasceu?
A Ana Miguel Pedro tem 34 anos, nasceu em Oliveira Azeméis, fez o seu percurso académico na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, onde tirou a licenciatura, posteriormente o mestrado, rumou a Bruxelas nos anos seguintes e por lá passou os últimos dez anos. Fiz também algumas passagens, algumas visitas ao Colégio de Bruges, Colégio da Europa em Bruxelas, ao Instituto Universitário Europeu em Florença, onde aprofundei algumas matérias ligadas à integração europeia. Nos últimos anos fui assessora no Parlamento Europeu e acompanhei processos legislativos a nível técnico e político que envolvem o Parlamento, o Conselho e a Comissão. Foram anos muito desafiantes e enriquecedores e aprendi, essencialmente, que o Parlamento Europeu é a casa do compromisso, onde vários grupos políticos, compostos por diferentes realidades político-partidárias, lutam por um objectivo comum, uma União Europeia que responde aos desafios que enfrentamos diariamente.
E o compromisso não se está agora a tornar mais difícil, tendo em conta a subida que se espera da extrema-direita, que está agrupada em duas famílias? Pode haver uma terceira, não sabemos…
Sim, certamente que sim. Estas são umas eleições europeias que chamam à responsabilidade aqueles que estão num determinado campo da história. São as eleições mais importantes das últimas décadas, em que o tabuleiro geopolítico é incerto e que poderá girar um pouco para a extrema-direita. Isso deve-se a muitas razões, desde a migração ilegal ao sentimento de insegurança, a situações de injustiça social, à percepção de custos excessivos desigualmente distribuídos em matéria de transição climática, à desinformação. Tudo isto divide a nossa sociedade e enfraquece dramaticamente a União Europeia. O maior desafio nas próximas eleições, e até nos ciclos eleitorais subsequentes, é garantir que os moderados ocupam esse espaço e retiram a influência das franjas extremistas, sejam de esquerda ou de direita.
A AD quer inscrever o direito à habitação na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Recentemente votaram contra o aborto estar lá. Ana Miguel é de CDS, um partido em que a maioria das pessoas sempre foi contra o aborto. Pessoalmente, também é contra o aborto?
Não vou responder à questão sobre se pessoalmente sou a favor ou contra o aborto. Creio até que não é uma questão que esteja na agenda política. É uma resolução não vinculativa que terá de fazer o seu trabalho agora entre os diferentes Estados-membros, que terão de chegar a um consenso.
A habitação é, para a AD, diferente.
O direito à habitação está constitucionalmente consagrado em quase todos os Estados-membros. Há um sentimento generalizado de que este é um problema europeu, porque sabemos, obviamente, que a habitação é uma área de competência nacional, mas também sabemos que a Europa atravessa uma crise de habitação em que milhares de pessoas têm dificuldade em aceder a uma casa digna. Este já não é um problema que esteja confinado aos grupos mais vulneráveis, inclui muitas famílias de classe média.
Isso era o discurso do antigo primeiro-ministro António Costa, que até chegou a mandar uma carta à Comissão Europeia.
Certo, mas António Costa queria resolver o problema pedindo dinheiro à Europa. Nós queremos soluções que conciliem o mercado, o Estado, responsabilidades nacionais e a Europa. Queremos estimular o debate e acreditamos que o Parlamento Europeu pode ser um catalisador para esta mudança, seja na mobilização de recursos como fundos estruturais e de investimentos, seja pelo apoio de projectos de habitação acessível. Portanto, propomos esta inclusão na carta dos direitos fundamentais, respeitando os procedimentos legais e também os princípios de subsidiariedade, moldando assim o panorama de habitação na União Europeia.
Eu percebo que não queira dizer a sua posição pessoal sobre o aborto, mas o seu companheiro de partido Paulo Núncio, agora líder parlamentar do CDS, disse que se deveria trabalhar para reverter, através de um referendo, a lei do aborto. Está de acordo com Paulo Núncio? Luís Montenegro veio pôr um ponto final a este assunto, mas agora tenho uma mulher do CDS à minha frente…
A posição do CDS nesta matéria é conhecida e creio que as declarações de Paulo Núncio foram no sentido de que qualquer alteração só poderia ser feita através de um referendo. E nós acreditamos que esta discussão está encerrada, tanto no plano nacional, onde acreditamos que não haverá mudanças nesta matéria, e também no plano europeu, porque, como lhe disse, agora a questão está em cima da mesa para discussão entre os diferentes Estados-membros.
No debate da RTP, o cabeça de lista da AD disse que a visita de Zelensky era “uma festa”, Marta Temido disse que a afirmação era um sinal de “imaturidade” e Sebastião Bugalho exigiu um pedido de desculpas. O PS devia mesmo pedir desculpas?
Acho que, honestamente, é uma não-questão. O que o nosso cabeça de lista, Sebastião, quis dizer com essa expressão é que defende a liberdade e a democracia, contrapondo à ditadura e à opressão de um país que invadiu ilegalmente e de forma injustificada outro, no caso, a Ucrânia. E o que nós queremos sublinhar é que a Ucrânia está em luta pela liberdade de toda a Europa. Esta é uma guerra que ninguém queria, mas pela qual a União Europeia se uniu e pela qual joga o seu futuro. E, por isso mesmo, celebramos a vinda do Presidente Zelensky a Portugal.
Não acha que corremos o risco de estar numa escalada, ou seja, de enviar cidadãos europeus para a frente de guerra? Isto não pode acabar numa confrontação nuclear?
Vou cingir-me às declarações do ministro dos Negócios Estrangeiros. Toda esta tensão, nomeadamente até a possibilidade de uso de armas ocidentais contra a Rússia, é uma posição a decidir oportunamente pelo Governo português, pode ainda existir negociação e discussão no âmbito da NATO e da União Europeia. Mas também queria sublinhar a posição a título pessoal do actual ministro da Defesa, Nuno Melo, posição que sublinhou, que está em linha, aliás, com a posição do secretário-geral da NATO, da Alemanha e da França, em que afirma que Kiev deveria poder atingir alvos russos com armas ocidentais e acções defensivas. Isto já foi defendido pelo Presidente da França, Emmanuel Macron, em que, cito, se dissermos que não têm o direito de chegar ao ponto a partir do qual os mísseis são disparados, estamos, de facto, a dizer-lhes que fornecemos armas, mas que não se podem defender.
Portanto, por si, neste momento, é prematuro estar a discutir as botas no chão?
Neste momento, sim, é prematuro discutir. O país deve assumir uma posição mais prudente para evitar uma escalada do conflito.
Certo. Relativamente a as armas ocidentais poderem atingir alvos russos, o que até agora não podia ser, afirma que não tem uma posição fechada sobre o assunto, mas admite que podem ainda existir discussões no âmbito da NATO e da União Europeia. Mas o presidente do CDS já defendeu...
A título pessoal. A título pessoal, já defendeu...
Qual é a posição em que mais se revê?
Obviamente que me revejo numa posição de prudência, mas a discussão está em aberto no seio da União Europeia e da NATO e parece-me evidente que não devemos fechar essa possibilidade. Estamos a dizer: fornecemos-vos as armas, mas não se podem defender. Obviamente que não podemos permitir que outros alvos na Rússia sejam atingidos e obviamente as capacidades civis. Mas essa não é uma posição fechada.
E sobre o plano Ruanda na Europa? O PPE defende isso. Exportar requerentes de asilo para países terceiros fora da Europa. Isto é uma política de imigração da família política que vai integrar bastante dura.
Nós precisamos de trabalhar com países terceiros para gerir a imigração, a migração. A minha resposta é definitivamente sim. Já estamos a fazer isso e achamos que é preciso fazer ainda mais. Porque ninguém pode gerir a migração sozinho. Portanto, precisamos de trabalhar com os países terceiros, ao longo das rotas, e de combater os traficantes de imigrantes.
Mandar as pessoas embora que estão no território da União Europeia solicitando asilo para um país terceiro?
A minha resposta é não. E tal movimento não seria possível na União Europeia porque não está de acordo com o quadro legislativo actual nem com as reformas que foram submetidas à votação. E sublinho o que o meu cabeça de lista já afirmou, que a paternidade da política Ruanda é infelizmente socialista.
Como é que os candidatos da AD, como a Ana Miguel Pedro, podem lutar contra a política Ruanda dentro da sua família política?
Este também é um tema muito importante que nos ajuda a balizar os moderados e os extremistas, porque a extrema-esquerda e a extrema-direita, muitas vezes, querem fazer-nos acreditar que temos de escolher a Europa entre uma Europa acolhedora e uma Europa segura. Nada podia estar mais longe da verdade. Podemos e devemos ter ambas.
Devemos fechar as fronteiras, sim, a traficantes e crimes e abrindo a quem quer vir, de forma segura, legal e digna. Grande parte da credibilidade da Europa dependerá da nossa capacidade de adoptar políticas que façam as pessoas sentir-se seguras. Estamos a dar resposta aos problemas das pessoas e a evitar que os extremos cresçam também por falta dessas respostas. Para nós, o asilo e a migração não são uma questão de medo ou ideologia, mas uma questão de solidariedade e segurança, porque não pode existir uma sem a outra.
Qual é a política de imigração que defendem? Temos de fechar mais?
Eu definiria num parágrafo: acolher aqueles que precisam de protecção, rigoroso com quem não é elegível e implacável com os traficantes de seres humanos. Sabemos que a solidariedade no pacto não é conseguida, não é total, é parcial, mas foi o que foi possível, tendo em conta as diferentes sensibilidades das diferentes famílias políticas. O Parlamento Europeu é mesmo isso, é a busca do consenso.
Parece-me que Ana Miguel Pedro e Sebastião Bugalho são bastante minoritários relativamente a esta política.
Eu não diria minoritários, diria que somos realistas, no sentido que o Parlamento é isso mesmo, é a busca do consenso. As migrações são dos temas que mais divisões suscitam no debate europeu.
Trabalhou no Parlamento Europeu estes dez anos, conhece a casa por dentro. Está optimista com o futuro da Europa?
Sim, sou muito optimista. A Europa de 2024 é muito diferente da Europa de 2019. Nós nunca teríamos conseguido prever tanto do quanto conseguimos alcançar, mas também quantas crises e desafios tivemos de superar. Esta é também uma Europa mais ágil e mais disposta a agir. Vimos isso desde os desafios que se impuseram à Europa com a crise da pandemia, agora no contexto da invasão da Ucrânia pela Rússia. A Europa tem vindo a adaptar-se, estou muito confiante sobre o futuro da Europa.
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