Combustível mais limpo para navios está a aquecer os oceanos, avisam os cientistas

Transporte marítimo foi obrigado a reduzir emissões de dióxido de enxofre, mas a medida de redução da poluição do ar terá um impacto negativo atenuando a barreira de nuvens e aquecendo os oceanos.

Foto
O SO2 é um poluente importante, mas também dissimula o aquecimento global ao formar aerossóis que engrossam e iluminam as nuvens, reflectindo os raios solares para o espaço. FELIX CESARE/GettyImages
Ouça este artigo
00:00
02:34

Exclusivo Gostaria de Ouvir? Assine já

Os regulamentos sobre combustíveis mais limpos introduzidos em 2020 levaram a uma redução substancial da poluição por dióxido de enxofre (SO2), mas também podem ter tornado o oceano mais quente ao reduzir a cobertura de nuvens, de acordo com um artigo publicado na quinta-feira.

As regras da Organização Marítima Internacional (OMI) para combater a poluição marinha obrigaram o transporte marítimo a reduzir o teor de enxofre dos combustíveis de 3,5% para 0,5%, o que levou a uma diminuição de 80% das emissões de SO2, de acordo com uma equipa de investigação liderada por Tianle Yuan da Universidade de Maryland.

No entanto, o SO2, para além de ser um poluente importante, também dissimula o aquecimento global ao formar aerossóis que engrossam e iluminam as nuvens, reflectindo os raios solares para o espaço.

As normas de combustível da OMI podem ter sido responsáveis por 80% da absorção líquida total de calor do planeta desde 2020, com um impacto particularmente pronunciado nas rotas marítimas mais movimentadas, estimam os investigadores no artigo publicado na revista Communications Earth & Environment.

No ano passado, os cientistas do clima identificaram a redução do SO2 como um potencial contribuinte para as temperaturas recorde dos oceanos. Alguns sugerem também que a redução da poluição atmosférica em todo o mundo poderá ter acelerado o aquecimento global.

“Este efeito de arrefecimento (do SO2) é bem conhecido - e ocorreram episódios documentados como consequência de várias grandes erupções vulcânicas que emitiram SO2 nos últimos 2 000 anos”, afirmou Stuart Haszeldine, director do Instituto de Alterações Climáticas de Edimburgo, da Universidade de Edimburgo.

Haszeldine, que não participou no estudo, afirmou que, embora seja difícil fazer previsões exactas sobre o impacto nas temperaturas globais, a tendência é “muito clara, extremamente preocupante e muito significativa”.

Outros cientistas afirmaram que a investigação pode exagerar o impacto da política de combustíveis da OMI.

“A investigação sobre a razão pela qual as temperaturas recentes têm sido tão elevadas está em curso e a redução do teor de enxofre no combustível dos navios é apenas um dos factores que contribuem para isso”, afirmou Joel Hirschi, do Centro Nacional de Oceanografia da Grã-Bretanha.

Os autores afirmam que a sua investigação demonstrou que o “brilho das nuvens marinhas” pode tornar-se uma potencial solução de geoengenharia para o aquecimento global.

Os cientistas têm procurado formas de reflectir o calor de volta para o espaço, mas as propostas de injecção de SO2 na atmosfera têm sido controversas. Foram também efectuadas outras experiências de pulverização de água do mar no ar para engrossar as nuvens.