Médicos confirmam casos de doença grave por consumo de cigarros electrónicos

Sociedade Portuguesa de Pneumologia alerta que a indústria do tabaco promove o consumo junto dos mais jovens com recurso a “tácticas predatórias”.

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Estima-se que 96% dos fumadores portugueses, independentemente do sexo, têm uma motivação baixa para deixar de fumar Regis Duvignau
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A Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) alertou esta quinta-feira para a necessidade de proteger as crianças e jovens das "tácticas predatórias" da indústria do tabaco, travando a comercialização dos novos produtos, cujo consumo aumentou exponencialmente em todo o mundo.

Na véspera de se assinalar o Dia Mundial Sem Tabaco, os pneumologistas alertam igualmente numa campanha da SPP para "o marketing enganoso e perverso da indústria nas plataformas digitais e redes sociais, sobretudo dirigido para as crianças e adolescentes", sublinhando que "há uma rede de influencers digitais pagos pela indústria para promover expressamente os seus produtos".

"O próprio design e desenvolvimento dos produtos, os sabores, os aromas que são incorporados, como sabor a pastilha elástica, a morango, a baunilha, atraem muito os jovens e as crianças", disse à agência Lusa a coordenadora da Comissão de Tabagismo da SPP, Sofia Ravara.

A pneumologista realçou que o consumo destes produtos "aumentou exponencialmente" em todo o mundo, nos jovens, nas crianças e nos adolescentes, e "fez disparar o consumo de tabaco" em alguns países onde se estava a assistir a uma diminuição continuada.

Apontou como razões para este facto, os novos produtos (tabaco aquecido, shisha, vapes) normalizarem o tabagismo, observando que as crianças e os adolescentes ao experimentarem, por exemplo, os cigarros electrónicos, "têm até três vezes mais probabilidade de experimentarem tabaco e até outras substâncias adictivas como a canábis".

Perante esta realidade, a Organização Mundial da Saúde (OMS) "pediu muito para a sociedade civil se organizar e os governos darem mais apoio a campanhas de sensibilização e educação sobre as tácticas enganosas da indústria, não só para os adultos, mas sobretudo para mobilizar a os jovens".

Sofia Ravara defendeu ser "muito importante" sensibilizar os jovens para que percebam que são "a vítima ou o isco preferencial da indústria, que precisa de repor novos fumadores — uma vez que os fumadores mais velhos morrem antes do tempo — e para que sintam que é importante prevenir o tabagismo e expor as tácticas da indústria".

Segundo a especialista, não é preciso esperar muito tempo para as pessoas começarem a adoecer com estes produtos, adiantando que se está a assistir a casos clínicos muito graves de doença respiratória aguda pela utilização do cigarro electrónico e de pneumonias inflamatórias devido ao tabaco aquecido.

"Sabe-se que a nicotina prejudica muito o desenvolvimento cognitivo e o desenvolvimento cerebral na criança e no adolescente", o que é "uma preocupação grande", afirmou, realçando que são produtos "altamente adictivos" e causam danos desnecessários à saúde.

Contudo, vincou, "há tratamento seguro, eficaz, para tratar" a adição à nicotina, apelando aos utilizadores para falarem com um profissional de saúde para os ajudar a deixar de fumar.

Segundo Sofia Ravara, 96% dos fumadores portugueses, independentemente do sexo, têm uma motivação baixa para deixar de fumar, o que atribuiu a Portugal ser "muito pouco proactivo" a implementar as políticas públicas de controlo do tabagismo da Convenção Quadro da OMS.

"Mesmo no papel, as leis aprovadas têm falhas, não seguem as guidelines e as recomendações da Convenção Quadro e isto tudo por interferência da indústria, que prejudica a implementação das políticas fazendo lobby junto dos sectores políticos e dos governos e alterando as leis", criticou, lamentando que Portugal esteja na cauda da Europa relativamente à prevenção e controlo do tabagismo.

Segundo Inquérito do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Adictivos e nas Dependências 2022, o consumo de tabaco mantém-se muito elevado nos adultos, progredindo até à idade média e só baixa significativamente a partir dos 65 anos.

Pneumologistas alertam para doenças graves causada por cigarro electrónico

A SPP alertou também que já foram registados em Portugal vários casos de doença respiratória aguda grave causada pelo uso de cigarros electrónicos, que obriga a internamento e pode levar à morte.

"Já estamos a assistir a casos clínicos muito graves" de Lesão Pulmonar Associada ao Uso de Cigarro Electrónico, conhecida como EVALI, disse Sofia Ravara. Segundo a especialista, é uma doença caracterizada por dificuldade respiratória aguda com necessidade de hospitalização, inclusivamente nos cuidados intensivos com ventilação mecânica.

"Os pneumologistas europeus têm um grupo de trabalho em que têm reportado diversos casos de doença respiratória aguda muito grave em pessoas muito jovens [utilizadores de cigarros electrónicos] que não têm outros factores de riscos para doença respiratória e não eram fumadores", salientou a especialista.

Pneumologistas portugueses também identificaram vários casos, tendo inclusivamente sido relatado no ano passado, no Congresso da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, um caso "muito grave" de um jovem que foi internado no hospital de Castelo Branco.

"Existem casos dispersos que até poderão não estar diagnosticados e terem sido rotulados como pneumonia, porque não existe um registo de casos sistematizado, como aconteceu nos EUA, e porque alguns profissionais de saúde podem não estar tão alerta" para estas situações, explicou.

Para Sofia Ravara, os especialistas deviam questionar quando um doente é internado por dificuldade respiratória grave, com necessidade de oxigenoterapia ou outra intervenção mecânica, sobre o seu comportamento tabágico e se utilizam os novos produtos do tabaco, nomeadamente cigarros electrónicos.

A pneumologista adiantou que os especialistas também já estão a tratar pessoas que usam tabaco aquecido e "começam a adoecer na idade entre os 40 e 50 anos com doença cardíaca (enfartes, AVC), e também com um síndrome de queixas respiratórias recorrentes e dificuldade respiratória".

Diversos estudos indicam que os cigarros electrónicos podem causar sintomas e doença respiratória em adolescentes e jovens como asma, bronquite, pneumonia, inflamação e irritação do trato respiratório com sintomas recorrentes de tosse, aperto torácico e falta de ar, dificuldade respiratória aguda, bem como elevar a pressão arterial e a frequência cardíaca.