Síria com segunda geração de crianças privadas de educação, avisa ONU
Já estamos a assistir a uma segunda geração de crianças ameaçada e alimentando o potencial para o radicalismo.
O enviado especial da ONU para a Síria alertou esta quinta-feira que o país assiste já à segunda geração de crianças privadas do acesso contínuo à educação devido ao conflito, uma situação que alimenta "o potencial para o radicalismo".
Num 'briefing' ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a situação política e humanitária na Síria, Geir Pedersen frisou que quanto mais tempo a dinâmica actual se prolongar, maiores serão os impactos na nível geracional.
"Já estamos a assistir a uma segunda geração de crianças privadas do acesso contínuo à educação, ou sujeitas a currículos completamente diferentes, ameaçando o futuro das crianças, a unidade da Síria e alimentando o potencial para o radicalismo - tudo ao mesmo tempo", afirmou.
Sem um caminho político claro, a Síria enfrenta uma espiral de problemas, que vão desde a grave situação de segurança, com um "conjunto vertiginoso" de intervenientes locais e internacionais e de grupos terroristas envolvidos em conflitos, até à "ameaça constante" do Estados Islâmico, cujos ataques na Síria aumentaram no último mês, particularmente no nordeste, sinalizou o enviado.
"Se esta dinâmica simplesmente continuar, veremos inevitavelmente ainda mais sofrimento civil. E também poderemos assistir a grandes escaladas e maior instabilidade a irradiar por toda a região", reforçou, considerando ainda que um cessar-fogo em Gaza é "absolutamente essencial".
Também a situação económica crítica do país foi abordada por Pedersen, uma vez que tem agravado o sofrimento civil e o risco de instabilidade.
"Não há sinais de melhoria da catastrófica situação económica da Síria. Na verdade, apenas um exemplo: o Programa Alimentar Mundial (PAM) afirma agora que o custo de vida aumentou 104% no último ano", apontou.
Contudo, o foco de Geir Pedersen foi para a necessidade de um processo político abrangente, sem o qual "todas as tendências negativas" se agravarão, representando "riscos terríveis" para os sírios e para a comunidade internacional em geral.
"Conflitos profundos e complexos não podem ser simplesmente geridos ou contidos perpetuamente. É necessário um horizonte político para os resolver. (...) Para tal, precisamos dos partidos sírios: o Governo e a oposição, claro, e também as amplas vozes da sociedade civil síria", apelou.
O enviado da ONU defendeu também a intervenção dos principais atores internacionais, mencionando países como o Irão, a Rússia, a Turquia ou os Estados Unidos.
"Escusado será dizer que este é, obviamente, um grande desafio face ao actual clima geopolítico – não iremos reunir todos os intervenientes tão cedo. Mas talvez possamos preparar o terreno", observou.
Na reunião sobre a Síria participou também o subsecretário-geral da ONU para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths, naquele que foi o seu último 'briefing' presencial ao Conselho de Segurança antes de deixar o cargo, no próximo mês.
Griffiths sublinhou que 16,7 milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária no país, o maior número desde o início do conflito, segundo as últimas avaliações.
Além disso, mais de sete milhões de pessoas continuam deslocadas, um número superado apenas pelo Sudão.
O veterano diplomata britânico reconheceu que embora a resposta humanitária seja essencial para salvar vidas e aliviar o sofrimento da população síria, esta "não poderá fornecer uma solução para a crise".
"A única solução sustentável é através de um processo político inclusivo e liderado pela Síria que vá ao encontro das aspirações legítimas do povo sírio e encoraje a participação significativa de todas as esferas da sociedade, em particular das mulheres", defendeu.
"O que peço exige pragmatismo, realismo, franqueza e compromissos de e com todas as partes. Significa acalmar a situação no terreno e na região, implementar medidas passo a passo de criação de confiança e reunir novamente o Comité Constitucional", insistiu.
A guerra na Síria, desencadeada em Março de 2011 pela violenta repressão do regime do Presidente sírio, Bashar al-Assad, de manifestações pacíficas, já provocou mais de meio milhão de mortos e obrigou à deslocação de vários milhões de pessoas.
O conflito ganhou ao longo dos anos uma enorme complexidade, com o envolvimento de países estrangeiros e de grupos ‘jihadistas’, e várias frentes de combate.