Prémios Europa Nostra distinguem 26 projectos de 18 países na área do património
Projectos que usaram inteligência artificial, para melhorar o acesso à imprensa europeia antiga, e realidade aumentada, para “ressuscitar” monumento antifascista destruído, entre os premiados.
Os Prémios do Património Cultural Europeu, ou Prémios Europa Nostra, distinguiram este ano, em cinco categorias, 26 projectos de 18 países, entre eles uma investigação envolvendo inteligência artificial para melhorar o acesso ao património jornalístico europeu.
Revelados esta quinta-feira, os vencedores deste ano "exemplificam o dinamismo, a diversidade e a inovação demonstrados em toda a Europa nos esforços para salvaguardar e promover o nosso património", afirma a organização em comunicado divulgado pelo Centro Nacional de Cultura, representante português da rede Europa Nostra. A cerimónia de entrega dos prémios, onde serão anunciados os vencedores do Grande Prémio e do Prémio "Escolha do Público" — que resulta de uma votação online, a decorrer até 22 de Setembro —, realiza-se a 7 de Outubro no Ateneu Romeno, em Bucareste, durante a Cimeira Europeia do Património Cultural. Os Prémios Europa Nostra foram criados pela Comissão Europeia em 2002 e têm sido geridos pela organização Europa Nostra, actualmente presidida pela cantora lírica italiana Cecilia Bartoli.
Na categoria "Pesquisa" foi premiado o projecto de investigação "NewsEye: Um Investigador Digital para Jornais Históricos", que "melhora o acesso à imprensa europeia antiga (1850 a 1950)". "Utilizando 15 milhões de páginas digitalizadas pelas bibliotecas nacionais da Áustria, Finlândia e França", o projecto "desenvolveu ferramentas automáticas de reconhecimento de caracteres, análise da estrutura dos jornais e processamento de conteúdos multilingues, com base na inteligência artificial". Esta iniciativa junta os três países referidos e ainda a Alemanha.
Na categoria "Conservação e adaptação a novos usos" foram distinguidos seis projectos, dois deles romenos: o restauro da Igreja Saxónica em Alma Vii — considerada "um marco cultural que simboliza séculos de história e artesanato na aldeia de Alma Vii, na Transilvânia" — e o da igreja de São Miguel, "uma jóia da arquitectura gótica europeia", em Cluj-Napoca. Na mesma categoria foram ainda distinguidos os poços de neve na Serra Espuña, cadeia montanhosa em Múrcia, Espanha: datados do século XVI, estes poços "serviam como fábricas de gelo, armazenando a neve do Inverno para a produção de gelo no Verão".
Também premiados foram o Royale Belge (Bruxelas) — edifício modernista que, após ter sido concluído em 1970 como sede da companhia de seguros homónima, "integra actualmente uma mistura de utilizações, incluindo instalações para conferências" e "um hotel" —, a Casa Schulenburg (Gera, Alemanha) — "O seu projecto de restauro é um exemplo brilhante de conservação da arquitectura do século XX", refere a organização — e o projecto de renovação da mina de Ignacy (Rybnik), "uma das mais antigas" minas de carvão da Polónia. Fundado em 1792, o complexo mineiro foi adaptado a novas funções como centro cultural e recreativo e é um "exemplo inspirador para outras minas de carvão na Europa que estão a ser encerradas".
Na categoria "Educação, formação e competências" foram galardoados cinco projectos, entre eles o Centro Cultural Teryan, em Erevan, que desde 2002 "tem-se empenhado no estudo e na preservação da cultura arménia e de Artsakh". Já o colectivo grego Boulouki, grupo de arquitectos, engenheiros e profissionais do património dedicados à revitalização do artesanato tradicional para as necessidades da construção contemporânea, foi premiado pelo seu workshop itinerante sobre construção tradicional.
O esquema irlandês de edifícios agrícolas tradicionais, regime nacional que visa "ajudar os agricultores a reconhecer o valor cultural dos edifícios agrícolas tradicionais", também foi premiado, tal como o Modelo de Revitalização da Associação de Artesãos Serfenta Crafts, (Cieszyn, Polónia) e a Escola de Carpintaria Branca (Narros del Castillo, Espanha), "único centro de formação no mundo dedicado exclusivamente ao ensino da carpintaria branca", técnica que, desde o século XIII até ao século XVIII, permitiu a construção das asnas de telhado e dos tectos em caixotões de madeira que estão presentes em milhares de edifícios espanhóis. A Escola de Carpintaria Branca foi fundada em 2014.
Realidade aumentada ao serviço da preservação
Na categoria "Envolvimento e sensibilização dos cidadãos" foram distinguidos sete projectos, como "O Quilómetro Quadrado", iniciativa de uma "historiadora residente" que, nos últimos cinco anos, tem percorrido a cidade belga de Gante, convidando os habitantes locais a revelar "histórias escondidas" por "quilómetro quadrado". "Cada residência culmina numa exposição no Museu da Cidade de Gante e em numerosos guias do património, onde a narração é moldada pelos habitantes locais", lê-se no comunicado emitido pelo Centro Nacional de Cultura.
Outro premiado foi o projecto "O Silêncio que Derrubou o Monumento" (Kamenska, Croácia), que, numa "abordagem pioneira no domínio da conservação do património" fez uso de tecnologia de realidade aumentada para "ressuscitar" o monumento antifascista "Monumento à Vitória do Povo da Eslavónia", criado entre 1958 e 1968 pelo artista Vojin Bakic e destruído em 1992, durante as guerras da década de 1990 na ex-Jugoslávia.
O projecto finlandês de preservação dos salões comunitários para actividades da sociedade civil local — "um modelo em que os subsídios estatais para reparações e renovações sustentáveis de pavilhões comunitários são atribuídos a associações locais através de uma organização não-governamental" —, a Associação dos Castelos Fortificados da Alsácia (França) — uma organização que visa "sublinhar a importância" das ruínas de castelos presentes "na vertente alsaciana dos Vosges" —, a reabilitação por parte dos cidadãos da Torre Tsiskarauli (Akhieli, Geórgia), o Festival Internacional de Teatro Clássico para Jovens (Siracusa, Itália) — evento anual que celebra a riqueza das dramaturgias grega e romana — e a Fundação para a Conservação do Património Histórico de Ockenburgh (Países Baixos), que representa mais de 150 voluntários locais que durante dez anos trabalharam para "renovar a propriedade de Ockenburgh, fundada em Haia em 1654", também foram premiados.
Na categoria "Campeões do Património", foi premiada a Sociedade dos Amigos das Antiguidades de Dubrovnik (Croácia), uma associação da sociedade civil fundada em 1952 que "tem financiado e concluído projectos de investigação e conservação dos monumentos de Dubrovnik, incluindo as muralhas da cidade". "A Sociedade esteve intimamente envolvida na inclusão da Cidade Velha de Dubrovnik na Lista do Património Mundial da UNESCO em 1979", nota o Centro Nacional de Cultura.
Outra distinção foi para a norueguesa Else "Sprossa" Rønnevig, que, "ao longo de cinco décadas, liderou o salvamento de janelas antigas, impediu a substituição de janelas históricas valiosas e estabeleceu regulamentos mais claros para a sua protecção, transformando a abordagem da Noruega à preservação cultural". Foi ainda premiado o arqueólogo polaco Piotr Gerber, que "dedicou a sua vida à protecção do património pós-industrial.
Os Prémios Europa Nostra 2024 distinguiram ainda "projectos notáveis no Reino Unido", mesmo que o país britânico não seja "signatário do programa Europa Criativa da União Europeia". Na categoria "Conservação e adaptação a novos usos", foram galardoadas as Tapeçarias Gideon (Hardwick Hall), "o maior conjunto de tapeçarias que ainda existe na Grã-Bretanha" e "um documento único da produção de tapeçaria flamenga e do gosto inglês no século XVI".
Foi ainda distinguido, na mesma categoria, o edifício Shrewsbury Flaxmill Maltings, construído em 1797 e "referido como o 'avô dos arranha-céus'". O "primeiro edifício do mundo com estrutura de ferro", foi recentemente "trazido de volta à vida como um espaço de trabalho adaptável, um destino de lazer e um centro de empresas sociais". Outro premiado, e igualmente na categoria "Conservação e adaptação a novos usos", foi o Westminster Hall (Londres). O projecto de conservação de "um dos maiores salões medievais da Europa" durou dez anos.
O quarto vencedor britânico — com quatro prémios, o Reino Unido é o país mais premiado da edição de 2024 — é o historiador de arquitectura Marcus Binney, distinguido na categoria "Campeões do Património". "Há mais de 50 anos" que Binney "tem sido uma força orientadora na sensibilização do público para o património cultural da Europa".
Os vencedores dos Prémios Europa Nostra 2024 foram seleccionados por um júri composto por 12 peritos em património de toda a Europa, após uma avaliação das candidaturas realizada pelos Comités de Selecção. Foram apresentadas 206 candidaturas, "tanto por organizações como por pessoas a título individual", de 38 países europeus.