Dick Schoof, o tecnocrata encarregado de concretizar as políticas da direita radical nos Países Baixos
Antigo chefe dos serviços secretos de 67 anos com “zero experiência de serviço político” irá liderar o novo Governo neerlandês.
Na conferência de imprensa em que se apresentou como o indicado para chefiar o próximo Governo dos Países Baixos, Dick Schoof, disse que ele próprio estava entre as pessoas surpreendidas com o que estava a acontecer.
“Imagino que seja uma surpresa para muitas pessoas que eu esteja aqui”, afirmou. “Também é uma surpresa para mim.”
A razão óbvia para isso é o currículo de Schoof, 67 anos. A primeira constatação é o que o seu percurso não tem: qualquer cargo político. A segunda é o que tem: foi chefe da agência de informação e segurança AIVD e da agência anti-terrorismo NCTV, e foi ainda responsável pelos serviços de imigração dos Países Baixos no início dos anos 2000, segundo a agência Reuters. Agora tinha uma posição de relevo no ministério da Justiça.
A escolha de uma pessoa que não fosse o político de direita radical Geert Wilders para chefiar o Governo – apesar de Wilders chefiar o partido mais votado – foi uma condição para a formação de uma coligação que integra quatro partidos. Falta ainda definir o resto do Governo, e espera-se que este tome posse no final de Junho ou início de Julho.
Alguns apoiantes do Partido da Liberdade (PVV) de Wilders não estavam muito contentes com a escolha, diz o jornalista Ben Coates na rede social X (antigo Twitter). “Tem alguma piada como Geert Wilders passou 25 anos a criticar a elite de Haia e quando finalmente tem a hipótese de escolher um chefe de Governo… escolhe o antigo chefe de espionagem e antigo chefe da segurança”, escreveu.
O especialista em extrema-direita e direita radical da Universidade da Georgia Cas Mudde comentou também no X que as posições de Schoof expressas numa entrevista à revista De Groene Amsterdammer em Março podem deixar Wilders muito contente.
Numa das respostas, a uma pergunta sobre os limites do Estado de direito e o potencial admitir de “pequenas coisas” que fossem contra o direito internacional, por exemplo na política de asilo, Schoof disse que “o Estado de direito e a democracia estão sempre a ser sujeitos a mudança”, dando como exemplo “a legislação sobre terrorismo, em que a privacidade e liberdade são vistas de modo diferente de há 20 anos”. O entrevistador respondeu: “isso assusta-me um pouco”.
Nas reacções à escolha de Schoof, o jornal De Volkskrant sublinha que este é “um responsável apartidário de topo com zero anos de serviço político” e irá “suceder ao primeiro-ministro que mais tempo esteve no cargo na história dos Países Baixos”, Mark Rutte, num enorme contraste.
“Claramente não é alguém que evita o risco”, opina o jornal, questionando “se a sua intuição política compensará a sua falta de experiência.”
Competência para concretizar?
Schoof, descrito como viciado em maratonas, divorciado e com dois filhos, estudou planeamento urbano e começou a sua carreira na Associação para Municípios dos Países Baixos. Foi militante do Partido Trabalhista (PvdA), de centro-esquerda, mas saiu há cinco anos, dizendo que deixara de se identificar com as posições dos social-democratas.
Na conferência de imprensa, Schoof não comentou como planeava concretizar o acordo de coligação que integra além do partido de Wilders, o partido conservador de Mark Rutte, o partido conservador NSC, e o partido dos agricultores BBB. “Os meus planos para os Países Baixos são o que os líderes concordaram”, declarou, classificando o programa da coligação como “excelente” e “ambicioso”.
No plano, a coligação diz querer “o regime de asilo mais estrito”, com controlos de fronteira e regras mais duras para requerentes de asilo, e ainda que planeia sair do pacto europeu para as migrações recentemente apresentado pela União Europeia. Em reacção, o porta-voz da Comissão Europeia, Eric Mamer, disse que o pacto estava “votado e confirmado” e “por isso, tem de ser aplicado”.
Ben Coates comentou ainda que no caso dos Países Baixos “podemos estar prestes a descobrir o que acontece se o populismo de direita radical é combinado com uma tecnocracia que consiga realmente concretizar” as suas ideias, sublinhando que “uma das poucas coisas positivas de [Donald] Trump foi que ele se revelou tão incompetente que não conseguiu pôr em prática as suas ideias mais loucas”.