Eleições na África do Sul podem ditar o fim do domínio absoluto do ANC

O partido que chegou ao poder há 30 anos com Nelson Mandela poderá, pela primeira vez, perder a maioria numa nação descontente com o desemprego, a pobreza, a violência e a corrupção.

As eleições legislativas na África do Sul serão disputadas por 51 partidos
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As eleições legislativas na África do Sul serão disputadas por 51 partidos Esa Alexander / REUTERS
O Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa durante um comício do ANC em Joanesburgo
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O Presidente sul-africano Cyril Ramaphosa durante um comício do ANC em Joanesburgo ALAISTER RUSSELL / REUTERS
John Steenhuisen, líder da DA, no comício final de campanha, em Joanesburgo
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John Steenhuisen, líder da DA, no comício final de campanha, em Joanesburgo KIM LUDBROOK / EPA
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O Congresso Nacional Africano (ANC) será nesta quarta-feira submetido ao julgamento dos eleitores sul-africanos, numa eleição em que enfrenta a possibilidade de perder a maioria parlamentar pela primeira vez desde que chegou ao poder, em 1994, sob a liderança de Nelson Mandela.

Trinta anos depois da festa democrática que foram as primeiras eleições livres da África do Sul após o fim do apartheid, quando os cidadãos negros puderam votar pela primeira vez, o descontentamento da população da que ainda é, em valores absolutos, a maior economia do continente africano deverá, segundo as sondagens, castigar o Governo liderado pelo actual Presidente, Cyril Ramaphosa.

A queda do ANC é um reflexo da crescente agitação popular face ao desemprego – com uma taxa de 32%, a maior do mundo –, à pobreza, à corrupção, ao aumento da criminalidade violenta e à incapacidade das autoridades de prestarem serviços básicos, dos cortes de electricidade ao abastecimento de água potável, mais a falta de tratamento adequado dos resíduos, que, em 2023, foi responsável por um surto de cólera na região da capital administrativa do país, Pretória.

As sondagens sugerem que a votação no ANC pode cair para os 40%, muito abaixo dos 57,5% que alcançou nas eleições de 2019, forçando o partido que venceu com maioria absoluta todas as eleições legislativas desde o fim do apartheid a ver-se na situação de procurar parceiros de coligação e assim partilhar o poder.

No entanto, uma sondagem divulgada no início desta semana pelo Afrobarometer sugere que um terço do eleitorado de 28 milhões de pessoas – menos de metade da população do país – está ainda indeciso, adicionando uma camada de imprevisibilidade às eleições desta quarta-feira, nas quais participam 51 partidos.

“Os números das sondagens não parecem bons para o ANC. Mas, historicamente, as sondagens na África do Sul têm tendência para subestimar o apoio do ANC”, refere uma análise no jornal Mail & Guardian. Na mesma linha, Nicole Beardsworth, investigadora política na Universidade de Witwatersrand, vê o ANC a obter “um pouco de impacto” no dia da eleição, um efeito da introdução pelo Governo de Ramaphosa, no último mês, de medidas populares, como um seguro de saúde nacional e uma proposta de rendimento básico.

Até os cortes de electricidade, uma constante na vida dos sul-africanos, parecem ter desaparecido nos dois últimos meses, com a oposição a dizer que o ANC manteve milagrosamente as luzes acesas durante a campanha apenas para se voltarem a apagar após as eleições.

Apesar das medidas de tom eleitoralista de Ramaphosa, à procura do seu segundo mandato, Beardsworth não vê o ANC a ultrapassar os 50%. “Terá de negociar uma coligação. A grande questão é: com quem?”, diz, em declarações à Reuters.

Essa é a grande incógnita pós-eleitoral. As sondagens atribuem cerca de 22% dos votos à Aliança Democrática (DA), de centro-direita e com a maior base de apoio na população branca, enquanto a seguir surge o Combatentes pela Liberdade Económica (EFF), que tem visto o seu apoio diminuir na sequência da emergência do uMkhonto we Sizwe (MK), o partido do ex-Presidente Jacob Zuma, impedido de concorrer às eleições por decisão do Tribunal Constitucional, depois de ter sido condenado por desacato num tribunal em 2021 num caso de corrupção.

Fora de questão está a DA, como o seu líder, John Steenhuisen, clarificou durante a campanha eleitoral: “Trinta anos de democracia sul-africana não significam que tenhamos de suportar uma eternidade sob o ANC.”

Já o marxista EFF, liderado por Julius Malema, um dissidente do ANC que defende a nacionalização das minas de ouro e platina do país e a confiscação de terras aos agricultores brancos, é uma hipótese que Ramaphosa só considerará em última instância, um cenário que Steenhuisen já descreveu como o “dia do juízo final” para a África do Sul.

E há, depois, vários partidos de menor dimensão nacional, como o Partido da Liberdade Inkatha (IFP), cuja aliança com a DA na Carta Multipartidária para a África do Sul o deixa, em princípio, fora do cenário de coligações pós-eleitorais. Mas, como escreve o analista Richard Calland no Mail & Guardian, “será que o IFP pode ser levado a um acordo que o leve a apoiar o ANC no governo nacional, em troca de assumir a liderança na legislatura provincial de KwaZulu-Natal, onde a eleição será renhida?”

Seja qual for o resultado das eleições desta quarta-feira, um governo de coligação será “inerentemente instável”, diz à Reuters Ziyanda Stuurman, analista do Eurasia Group. “Seria de esperar que um governo deste tipo entrasse em colapso antes do fim do seu mandato, em 2029, exigindo eleições antecipadas.”

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