Nova aceleração dos salários não deve evitar corte dos juros do BCE
Aumento dos salários na zona euro acima do esperado no arranque de 2024 ensombra optimismo em relação ao processo de desinflação, mas corte dos juros em Junho é ainda o cenário mais provável.
O abrandamento registado na subida dos salários na zona euro nos últimos meses do ano passado, que tinha trazido aos responsáveis do Banco Central Europeu (BCE) uma maior confiança em relação ao alívio das pressões inflacionistas na zona euro, não se repetiu nos primeiros meses deste ano, contrariando as expectativas dos analistas. Ainda assim, isso não deverá impedir que a primeira descida das taxas de juro aconteça já na reunião agendada para 6 de Junho.
Os dados relativos à evolução dos salários resultantes de contratos colectivos de trabalho publicados esta quinta-feira pelo BCE eram há já várias semanas vistos como muito importantes para perceber de que forma é que irá evoluir a política monetária na zona euro. A presidente do BCE, Christine Lagarde, ao longo dos últimos meses, sempre que afirmou que a decisão de descer taxas de juro dependia da evolução de vários indicadores económicos, salientou que os dados da evolução dos salários que iriam ser divulgados antes da reunião de Junho seriam particularmente relevantes, por poderem reforçar (ou não) a ideia de que uma espiral entre salários e preços não se estava a formar na zona euro.
De facto, para a presidente do BCE e para vários outros membros do conselho da autoridade monetária, com a inflação já a aproximar-se da meta dos 2%, o último obstáculo entre o banco e uma descida das taxas de juro é o risco de que os salários registem aumentos significativos que levem a um aumento dos custos suportados pelas empresas e provoquem um reacendimento da inflação. Se esse risco der sinais de estar a desaparecer, a porta fica aberta para as taxas de juro descerem.
Foi isso que começou a acontecer no último trimestre do ano passado: depois de terem estado a acelerar para compensar a forte inflação sentida desde o início de 2022 até meados de 2023, os salários resultantes da contratação colectiva na zona euro viram a sua taxa de variação anual abrandar de 4,7% para 4,5%. Tudo parecia indicar que a pressão para uma escalada dos salários já tinha atingido o seu máximo, dando razão àqueles que não vislumbravam o risco de surgimento de uma espiral salários-preços.
No entanto, esta quinta-feira, os dados relativos à evolução dos salários no primeiro trimestre deste ano trouxeram algumas nuvens ao clima generalizado de optimismo. A variação anual dos salários regressou aos 4,7%, contrariando as expectativas prevalecentes nos mercados que eram de estabilização ou mesmo nova descida deste indicador.
Será isto suficiente para que o BCE acabe por, na reunião marcada para o próximo dia 6, optar por esperar por novos dados antes de começar a descer as taxas de juro? A maioria dos analistas que se pronunciaram sobre esta questão esta quinta-feira acredita que não. Aquilo que estes dados deverão fazer é apenas colocar de lado a hipótese, que já não era muito forte, de descidas consecutivas de taxas de juro ao longo dos próximos meses.
“Acreditamos que o processo de desinflação continua firme e que as preocupações acerca de uma espiral salários-preços não se justificam”, escreveu, esta quinta-feira, o analista Frederik Ducrozet, da gestora de fundos Pictet, defendendo que aquilo que os dados agora conhecidos trazem é uma maior certeza de que, depois de um corte de 0,25 pontos percentuais das taxas de juro em Junho, o BCE venha a fazer uma pausa em Julho, esperando por mais dados e deixando a decisão de realizar mais cortes para a reunião de Setembro.
O próprio BCE fez questão de mostrar que não vê, para já, na nova aceleração dos salários do primeiro trimestre um sinal de que as pressões inflacionistas vão voltar a subir, tendo assinalado, numa análise publicada na sua página de Internet, que os salários resultantes de negociação colectiva têm sempre um desfasamento em relação à inflação, o que torna normal, especialmente tendo em conta os acordos assinados recentemente na Alemanha, que ainda se assista a alguma volatilidade neste indicador.
Depois de, em resposta a uma subida da taxa de inflação, que chegou a superar os 10%, ter colocado em Setembro a principal taxa de juro de referência nos 4%, o BCE tem mantido o custo do crédito na zona euro a este nível elevado. Esta política destina-se a arrefecer os preços, mas tem também como consequência um aumento dos custos suportados com os seus empréstimos pelas empresas e pelas famílias da zona euro.