IA: Relações com Hollywood azedam depois de ChatGPT imitar voz de Scarlett Johansson
Advogados e líderes associativos apontam precedentes num caso judicial de 1987 que dão força a Scarlett Johansson na sua queixa contra a OpenAI, acusada de ter imitado a sua voz no ChatGPT.
Scarlett Johansson, actriz norte-americana, e a OpenAI, consórcio de inteligência artificial (IA) ligado a investidores como a Microsoft, estão em conflito. Na passada segunda-feira, a actriz alegou que a OpenAI tinha copiado a sua voz para o ChatGPT depois de a estrela de Hollywood ter recusado uma proposta para ceder a sua fala à ferramenta de IA. Agora, peritos da indústria criativa alinham-se com Johansson caso esta decida avançar para os tribunais.
Mitch Glazier, director executivo da Recording Industry Association of America, associação da indústria discográfica, foi um dos líderes do sector a comentar o caso, apontando um precedente noutro conflito legal ocorrido nos anos 1980, em que a justiça acabou por decidir a favor de Bette Midler, actriz e cantora cuja voz teria sido usada sem autorização.
O advogado de propriedade intelectual Mark Humphrey, segundo o The Washington Post, afirmou que terá de ser avaliado em tribunal se a voz de "Sky" (a assistente virtual do ChatGPT que está sob suspeita) é identificável como sendo a voz de Johansson. Vários factores podem prejudicar a OpenAI em tribunal. Um deles é a publicação no X feita por Sam Altman, CEO da OpenAI, em que o executivo faz referência ao filme Her - Uma história de amor (2013), no qual Johansson dá a voz de um sistema de inteligência artificial, indiciando que a empresa foi, no mínimo, buscar inspiração à personagem virtual da actriz.
A empresa nega ter imitado a voz de Johansson e afirmou que é outra actriz, cujo nome não é revelado, quem dá a voz à "Sky" do ChatGPT. Numa declaração do seu agente à qual o The Washignton Post teve acesso, essa actriz também nega a acusação: “É apenas a minha voz natural e eu nunca fui comparada com ela (Johansson) pelas pessoas que me conhecem”.
Uma relação de avanços e recuos
O mal-entendido está a cavar um fosso de desconfiança ainda maior entre Hollywood, as restantes indústrias criativas, e as empresas que estão a desenvolver tecnologias de Inteligência Artificial, como relata a Reuters. Um executivo do sector comentou: “Isto é muito importante. Uma empresa de tecnologia muito conhecida fez algo a alguém que conhecemos”.
Outro executivo da indústria, também sob anonimato, continuou: “Isto certamente não estabelece uma colaboração respeitosa entre criadores de conteúdo criativo e gigantes da tecnologia”.
Jeffrey Bennett, advogado do sindicato de artistas SAG-AFTRA, insiste na necessidade de leis federais para proteger a voz e a imagem, algo semelhante ao que existe para os direitos de autor.
"Estamos entusiasmados com o facto de haver agora este enorme diálogo sobre o assunto", afirmou Bennett em comunicado à Reuters. "Há já algum tempo que andamos a tentar usar o megafone e a gritar sobre o assunto. Agora, é de facto uma conversa. Tem de haver uma solução federal", concluiu.
Os avanços e recuos no estreitamento de laços entre o sector do entretenimento e o tecnológico são constantes, mas situações como esta têm sedimentado a relutância dos realizadores e cineastas em trabalhar com empresas como a OpenAI.
Mesmo antes deste episódio mais recente, especialistas da área do cinema falaram com a Reuters e revelaram preocupação com a suspeita de que os modelos da OpenAI estivessem a ser treinados a partir de obras protegidas por direitos de autor. A empresa tecnológica, mais tarde, confirmou que era verdade, mas que se tratava de um "uso justo", por serem obras que estão disponíveis publicamente na internet.
Nem todas as fases desta relação são más. Em Fevereiro deste ano, a OpenAI surpreendeu o mundo com vídeos de qualidade equiparável à de um filme, gerados pela sua ferramenta de conversão de texto em vídeo, a Sora. Esse momento originou várias reuniões entre Hollywood e empresas de AI, numa tentativa de criar potenciais parcerias.
E a Fox, por exemplo, já utiliza o ChatGPT para recomendar novos programas de televisão e filmes aos seus espectadores, no seu serviço de streaming Tubi.
O precedente
A cantora Bette Midler reclamou em 1987 direitos sobre a sua voz, processando com sucesso a agência de publicidade Ford, Young & Rubicam pela contratação de uma artista que imitou a sua interpretação de Do You Want to Dance? para um anúncio de automóveis. Tal como no caso de Scarlett Johansson, Midler também tinha recusado uma proposta para ceder a sua voz ao anúncio, sendo depois surpreendida com uma imitação não autorizada.
O caso chegou ao Supremo Tribunal dos Estados Unidos, que deu razão a Midler. Também o cantor Tom Waits ganhou um processo semelhante em 1988.
"Em ambos os casos, os imitadores interpretavam canções que os cantores tinham tornado famosas, pelo que era provável que as pessoas presumissem que eram os artistas que as cantavam e que tinham apoiado os produtos", afirmou Mark Lemley, director do Programa de Direito, Ciência e Tecnologia de Stanford, citado pela Reuters, explicando a génese da queixa.
A OpenAI acabou por retirar a "Sky" do ChatGPT. A empresa recusou-se a comentar a sua relação com Hollywood na sequência do conflito com Scarlett Johansson.