As memórias dos lisboetas estão a ser recolhidas, mas falta um museu virtual para as partilhar
Coordenadora do programa Memórias de Lisboa apela a Moedas, agora com a pasta da Cultura, para que se financie um museu virtual com histórias contadas pelos lisboetas. Há muito material para isso.
“Telheiras era um bairro que era uma aldeia”, partilhou Fernando Domingues, que nasceu em 1948. “O banho era no saguão. Aquecia-se uma panela, outras vezes não, era com água fria”, contou Maria Eduardo Mendes, moradora da Penha de França. “O meu pai era fragateiro no Tejo”, lembrou Orlando Vaz, nascido em 1949. Estas frases foram recolhidas através do programa Memórias de Lisboa e fazem parte da informação, já considerável, que se tem conseguido de relatos dos lisboetas. Mas há um problema: neste momento, não há uma plataforma para partilhar o que se reuniu. A coordenadora do programa apelou, esta quinta-feira, ao presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas (Novos Tempos), para que se financie um museu virtual com as memórias dos lisboetas que esteja acessível para todos.
“A memória une as comunidades”, afirmou Alexandra Aníbal, coordenadora do programa Memórias de Lisboa, durante a apresentação que fez deste projecto esta quinta-feira, no 1.º Encontro Memórias de Lisboa, na Biblioteca de Marvila. “É importante que estes projectos nos bairros façam com que as pessoas se sintam orgulhosas da sua história e com vontade de a partilhar.”
Iniciado em 2015, o Memórias de Lisboa é um programa que foi criado pelo pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Lisboa e em que se reúnem os projectos de recolha de memórias da cidade.
Segundo explicou Alexandra Aníbal, ao longo dos últimos anos, têm sido registados testemunhos orais em que se tenta preservar a memória colectiva dos lisboetas em encontros – as então designadas “oficinas comunitárias” – com as comunidades locais. Estes têm sido feitos em bibliotecas do município de Lisboa ou nos espaços da rede Um Teatro em Cada Bairro. As oficinas consistem em diálogos colectivos em que os participantes contam as suas recordações ligadas ao território. As sessões são semanais ou quinzenais durante dois ou três meses. Os grandes objectivos têm sido o registo das transformações dos bairros a partir do olhar de quem as viveu; a criação de fontes para a investigação histórica; a valorização do património e da identidade local; ou o combate do isolamento social através da partilha das experiências.
A ir de bairro a bairro
Até agora, foram recolhidas memórias em Alvalade, na Alta de Lisboa, em Alcântara, em Marvila, no Beato, em Telheiras e no bairro do Rego. Também há projectos ligados às memórias da Hemeroteca Municipal de Lisboa e dos jornalistas ou tipógrafos, bem como das vivências dos bibliotecários relacionadas com a Biblioteca Palácio Galveias. Os próximos passos serão dados em Carnide e na Ajuda.
“Estamos a ir bairro a bairro”, notou Alexandra Aníbal. “As pessoas partilham as suas memórias ligadas ao bairro, o que faz com que tenhamos um conhecimento grande de como eram as vivências em cada um deles.” Além das oficinas comunitárias, quem quiser partilhar as suas vivências e histórias de Lisboa pode directamente contactar a equipa do programa através do e-mail memoriasdelisboa@cm-lisboa.pt.
Até ao momento, cerca de 500 lisboetas partilharam as suas memórias nas oficinas comunitárias. Também foram entrevistadas cerca de 150 pessoas que deram origem a mais de 300 pequenos vídeo-testemunhos.
Contudo, ainda não há uma forma eficaz de os divulgar, referiu-se no 1.º Encontro Memórias de Lisboa. “Estão a recolher-se memórias, mas é preciso partilhá-las com o público. Temos de ter uma plataforma que as disponibilize”, assinalou ao PÚBLICO Alexandra Aníbal. A coordenadora do programa apelou a Carlos Moedas, que assumiu recentemente o pelouro da Cultura da Câmara de Lisboa, para que se crie “um museu virtual, como há noutros países”, com as memórias dos lisboetas.
Alexandra Aníbal considerou que é necessário que a Câmara de Lisboa invista nessa plataforma, porque há conteúdo precioso sobre a História de Lisboa contada por quem a viveu. “Temos ficado com histórias dos bairros de Lisboa que, de outra maneira, estariam perdidas porque as pessoas faleceram. É um trabalho contra o tempo, porque as pessoas desaparecem e as memórias também”, realçou.
Por agora, é possível ir vendo os vídeo-testemunhos na página de Facebook do programa ou então, alguns deles, no Youtube. “Temos muita informação e agora ela tem de ser partilhada”, insistiu Alexandra Aníbal.
A coordenadora do programa disse ainda que a plataforma terá de ser gratuita para todos. “Investigadores podem usar isto como matéria de investigação histórica ou [pode ser consultada por] qualquer pessoa que queira saber mais sobre a história de Lisboa contada pelos próprios que a viveram”, sugeriu.