Caro leitor,

A situação do mercado de trabalho em 2023 manteve alguns sinais de dinamismo, apesar de o desemprego ter aumentado ligeiramente (para 6,5%) e de o desemprego entre os jovens continuar em níveis elevados (20,2%). Quem o diz é o Banco de Portugal que, no relatório do conselho de administração agora publicado, destaca o valor recorde da taxa de actividade da população (51,6%) e o aumento do emprego por conta de outrem registado na Segurança Social.

Esse dinamismo também se reflectiu na existência de um ganho salarial associado à mudança de emprego.

Segundo o Banco de Portugal, os trabalhadores que mudaram de empresa em 2023 viram as suas remunerações regulares crescerem 14,1%, enquanto os que permaneceram no mesmo emprego tiveram um "prémio" bastante inferior, que não foi além de 7,9%. Trata-se de um aumento face 2022 – ano em que o ganho salarial associado à mudança de emprego foi de 12,8%, enquanto quem ficou na empresa viu as suas remunerações subir apenas 6,2% –, embora a distância entre quem fica e quem sai esteja a diminuir.

Mas será que a mudança de emprego ou de carreira é positiva para todos os trabalhadores? 

Paulo Marques, professor no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa que tem estudado as dinâmicas do emprego dos jovens, diz que depende e que há vários factores a ter em conta: a idade, as qualificações, o facto de essas mudanças serem ou não voluntárias e até o momento em que ocorrem.

Tradicionalmente, realça o investigador, os estudos mostram que as pessoas que mudam de emprego ou de carreira conseguem ter ganhos porque os salários se aproximam mais da sua produtividade individual. 

Contudo, alerta, isso acontece em alturas em que o desemprego está relativamente baixo, o que faz aumentar o poder negocial dos trabalhadores. "Há períodos em que há ganhos de produtividade e eles não se reflectem nos salários, porque há desigualdade de poder entre o empregador e o trabalhador", faz notar.

Por outro lado, esses ganhos são particularmente visíveis nas profissões mais qualificadas e nos jovens. Num estudo que conduziu em 2004, Francisco Lima, actual presidente do Instituto Nacional de Estatística, concluía precisamente que, em Portugal, o impacto da mobilidade nos salários é especialmente positivo para os trabalhadores mais jovens e mais instruídos, alertando que "à medida que os trabalhadores envelhecem, o efeito positivo diminui e pode até tornar-se negativo".

Mais recentemente, em 2021, Jeffrey Yankow, economista na Universidade de Furman, nos Estados Unidos, também tentou perceber o impacto da mudança de emprego nos primeiros anos de carreira, concluindo que os trabalhadores que mudam dois anos depois de entrarem no mercado de trabalho têm um percurso salarial melhor do que os que não mudam ou do que os que mudam sistematicamente.

Na prática, a "mobilidade estratégica" nos primeiros anos de trabalho mais do que compensa o facto de no início de carreira os trabalhadores terem salários mais baixos, devido a uma menor correspondência entre as suas qualificações e o emprego que conseguiram.

A questão etária, que também é evidenciada em várias pesquisas, é tratada num relatório (Promoting Better Career Choices for Longer Working Lives) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) divulgado já este ano.

A OCDE considera que, embora os jovens sejam mais propensos a mudar de emprego e de carreira, a mobilidade é determinante também para os trabalhadores mais velhos permanecerem activos e conseguirem melhorar os seus rendimentos. Para que essa mobilidade se concretize, destaca a OCDE, é preciso ultrapassar algumas barreiras, nomeadamente a discriminação etária, as lacunas de competências nas áreas mais tecnológicas ou os custos associados à mobilidade geográfica. Por outro lado, é também crucial promover mecanismos de mobilidade dentro das empresas para "incentivar os trabalhadores mais velhos e os seus gestores a identificar caminhos de mobilidade e formação que possam melhorar a retenção e satisfação dos trabalhadores."

A mobilidade e o seu contributo para os ganhos salariais também têm uma relação directa com as políticas salariais das empresas. "Durante muito tempo, as pessoas progrediam de acordo com a antiguidade e isso incentivava-as a ficarem na organização. Isso tem vindo a desaparecer, as políticas de gestão de recursos humanos assentam mais na avaliação de desempenho e há menos incentivo para se permanecer na mesma organização a longo prazo", conclui Paulo Marques.

 

Sabia que...

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