Países do Norte de África usam fundos europeus para deter migrantes ilegalmente

Investigação de um consórcio internacional de jornalistas afirma que a União Europeia está a ser “cúmplice silenciosa” de práticas ilegais em Marrocos, na Tunísia e na Mauritânia.

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Migrantes subsarianos num barco de metal em Sfax, na Tunísia REUTERS/Jihed Abidellaoui TPX
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Mauritânia, Marrocos e a Tunísia têm usado fundos europeus para deter migrantes a caminho da Europa e deixá-los no deserto, denuncia uma investigação realizada pelo consórcio de jornalistas Lighthouse Reports em colaboração com vários órgãos de comunicação internacionais, como o El País e o The Washington Post.

Segundo a investigação, os três países do Norte de África receberam mais de 400 milhões de euros do Fundo Fiduciário da União Europeia para África (FFUEA) entre 2015 e 2021, destinados a abordar as causas da migração irregular. A UE financiou também outros projectos cuja “falta de transparência faz com que seja impossível de verificar quanto dinheiro se gasta e onde”.

A UE é obrigada a garantir que a utilização dos seus fundos não viola os direitos humanos, embora a Comissão Europeia, questionada pela Lighthouse Reports, tenha admitido por escrito que não fiscaliza este requisito.

A investigação revela que a União Europeia está a ser “cúmplice silenciosa” de práticas realizadas de forma “sistemática” de desterramento de “centenas de milhares de pessoas”, que tentam atravessar o Mediterrâneo, para zonas de deserto ou “cidades remotas” no Norte de África, às quais se associam situações de “sequestros, extorsões, torturas, violência sexual ou ataques de cães”.

Em Marrocos, as forças policiais fazem patrulhas em busca de migrantes subsarianos, que depois forçam a subir para uma carrinha, por vezes de forma violenta, para serem enviados para cidades remotas. Citando uma fonte na polícia espanhola com experiência de trabalho no continente africano, o critério de escolha dos locais para onde enviar os migrantes “é que sejam cidades isoladas, fora dos grandes núcleos de população, e o negro subsariano é um alvo perfeito”. A mesma fonte acrescenta que prefere fechar os olhos ao que acontece em Marrocos porque não pode “arranjar o mundo sozinho”.

A União Europeia tem financiado as operações marroquinas com o objectivo de parar a imigração. Segundo a investigação, só Espanha envia cerca de 30 milhões de euros por ano para “cooperação policial”. Em 2019, a Comissão Europeia alertou para uma “campanha” contra os refugiados no país e para as detenções ilegais de “vários milhares de pessoas” em Marrocos, num relatório em que justificava também apoiar o país com os seus fundos.

Na Mauritânia, revela a investigação, os migrantes são colocados em centros de detenção com fracas condições de habitabilidade, sem espaços sanitários e onde sofrem privação de alimentos, água e assistência médica. Há também registo de agressões. Os jornalistas da Lighthouse Reports identificaram agentes espanhóis a visitar algumas destas instalações, uma indicação, escrevem, que “o que acontece nessas prisões para migrantes e refugiados não é alheio às autoridades espanholas”.

Segundo a investigação do consórcio, fundos da UE financiam e capacitam a polícia da Mauritânia, principalmente através da Fundação Internacional e Ibero-americana de Administração e Políticas Públicas (FIIAPP), ligada ao Governo de Espanha. Alguns dos veículos usados pela polícia mauritana na fronteira correspondem aos oferecidos pela UE através desta fundação.

Na Tunísia, as declarações do presidente Kais Said em 2023, de que o aumento de imigração no país fazia parte de um “plano criminoso” para “mudar a composição demográfica” tunisina, causaram uma onda de ataques racistas, como a expulsão de dezenas migrantes subsarianos.

Apesar das garantias dadas em Setembro último pelo vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, de que a comissão não financiava estas praticas, a verdade é que, segundo o consórcio de jornalistas, vários países da União Europeia, incluindo a Itália e a Alemanha, financiaram, forneceram ou treinaram a polícia tunisina para executar estas acções de defesa fronteiriça.

Questionado pela Lighthouse Reports, o Ministério do Interior alemão afirmou que criticou de forma “dura e repetidamente a transferência de refugiados e migrantes para a zona fronteiriça entre a Tunísia e a Argélia no Verão de 2023”. Já o Governo italiano recusou-se a comentar.

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