Das paisagens da Mongólia até aos desertos da Namíbia há uma importante fatia terrestre onde o pastoreio faz parte da actividade humana, ajudando a manter ecossistemas e contribuindo para a alimentação e a economia de milhões de pessoas um pouco por todo o mundo. Um novo relatório da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação (UNCCD, na sigla em inglês) publicado nesta terça-feira analisa os riscos e as ameaças ao conjunto de ecossistemas terrestres onde se faz pastoreio, e cuja degradação é largamente ignorada.
As pastagens “são ecossistemas extensos que proporcionam biodiversidade e sustentam modos de vida rurais; no entanto, estão ameaçadas pela degradação da Terra, pelas alterações climáticas e pela conversão de terra”, defende Ibrahim Thiaw, secretário-executivo da UNCCD, no prólogo do novo relatório, em que explica que frequentemente aqueles ecossistemas são apenas olhados como recursos e zonas de fronteira prontas a serem exploradas. “Não é possível exagerar a sua importância na nossa procura colectiva de desenvolvimento sustentável e estabilidade planetária; no entanto, [estes ecossistemas] têm sido subvalorizados no discurso ambiental global”, alega o responsável.
Denominadas “rangelands” em inglês, as pastagens reúnem diferentes ecossistemas terrestres como as pradarias, as savanas, os matagais (como as charnecas), as zonas húmidas, a tundra e até o deserto, englobando 54% da superfície dos continentes, sendo responsáveis por um sexto da produção de alimentos a nível mundial e por armazenarem um terço do carbono do planeta. O ecossistema mediterrânico, que constitui uma boa parte do território português e da Península Ibérica, está incluindo nas rangelands.
O novo relatório, denominado Thematic Report on Rangelands and Pastoralists (algo como Relatório Temático sobre as Pastagens e os Pastores), sublinha a importância económica e social daqueles ecossistemas mais até do que o impacto positivo no ambiente. Mas traz o argumento poderoso de que a forma como os humanos têm gerido tradicionalmente aqueles territórios ao longo de séculos, através da pastorícia, é a melhor maneira de os conservar e os tornar resilientes contra perigos como as alterações climáticas.
Em Portugal, o exemplo da maronesa
Depois de uma primeira parte que olha para a situação das pastagens a nível mundial, o relatório debruça-se sobre as regiões e a situação de cada país, expondo exemplos positivos que estão a ter um papel na regeneração e preservação daqueles ecossistemas.
Portugal foi um dos países analisados. Em números, há 2,2 milhões de ovelhas, 1,5 milhões de cabeças de gado e 423.000 cabras no país. Durante o século XX houve um grande declínio no pastoreio de montanha e dos prados em Portugal devido à florestação das pastagens, à supressão dos incêndios e ao abandono agrícola, descreve-se no relatório. “O falso pressuposto de que as pastagens eram improdutivas e deveriam ser florestadas empurrou muitos pastores para a pobreza e pôs em risco as raças locais”, lê-se.
Hoje, a situação das pastagens é estacionária, prestando poucos serviços de ecossistema. Mas há bons exemplos, segundo os autores do relatório, como o projecto Life Maronesa, coordenado pela Associação Aguiar Floresta, em Vila Pouca de Aguiar, no distrito de Vila Real. A maronesa é uma raça portuguesa de gado tradicional. O projecto, com cerca de dois milhões de euros de financiamento, 55% vindo da União Europeia, e que decorre até 2025, conta com métodos tradicionais de gestão das pastagens como o fogo controlado e o pastoreio.
O resultado é positivo, adianta o relatório: “Estas áreas montanhosas estão a tornar-se mais produtivas e capazes de sustentar mais gado durante um período de tempo maior e com menos ajudas, aumentando a resiliência do pastor a flutuações do mercado.”
O paradoxo
Estima-se que 35% das pradarias estejam em risco de se degradarem, de acordo com a Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO, sigla em inglês), refere o relatório. A ocupação urbana e a conversão do solo para sistemas de agricultura intensivos fomentam a diminuição da fertilidade e dos nutrientes do solo, a erosão e a compactação do solo. Estes males dificultam o crescimento das plantas e a regeneração do solo, além de contribuírem para a perda de biodiversidade e para a desertificação.
“O paradoxo é que os esforços para aumentar a segurança alimentar e a produtividade da terra converteram milhões de hectares de pastagens para produção de culturas, agravando os processos de degradação da terra e resultando em menores rendimentos”, lê-se no relatório. Em última instância, as mudanças daqueles ecossistemas podem tornar insustentáveis os modos de vida tradicionais da pastorícia.
Há 500 milhões de pastores em todo o mundo, destaca o relatório. “Dos trópicos ao Árctico, a pastorícia é a norma desejável e frequentemente a opção mais sustentável que deve ser incorporada no plano de uso das pastagens”, defende Ibrahim Thiaw. A pastorícia é aqui definida como “uma forma de vida móvel, com milénios”, de acordo com o comunicado sobre o relatório. Por todo o mundo, os animais usados na pastorícia incluem as ovelhas, as cabras, as vacas, os cavalos, os camelos, os iaques, os lamas e ainda animais semidomesticados como os bisontes e as renas.
“Se as pastagens não sustentarem este número maciço de pessoas [dos pastores e suas comunidades], quais as alternativas a que elas poderão recorrer?”, questiona, por sua vez, Bat-Erdene Bat-Ulzii, ministro do Ambiente e do Turismo da Mongólia, que detém uma das mais vastas áreas de pastagens no mundo e será o país que vai acolher a 17.ª Conferência das Partes da UNCCD, em 2026. A Assembleia Geral das Nações Unidas declarou que 2026 será o Ano Internacional das Pastagens e dos Pastores, uma iniciativa que partiu da Mongólia.
“Enquanto guardiã dos maiores prados da Eurásia, a Mongólia sempre foi cautelosa na transformação das pastagens. As tradições mongóis assentam na valorização dos limites dos recursos, o que fez definir a mobilidade como uma estratégia, fez estabelecer responsabilidades partilhadas sobre a terra e fez fixar limites para o consumo”, explicou o responsável. “Esperamos que este relatório ajude a dar atenção às pastagens e aos seus muitos e enormes valores.”
Durante muitas décadas, a pastorícia era vista como um modo de vida atrasado que carecia de uma modernização, avança o relatório, explicando que este preconceito impedia a valorização deste tipo de economia. Por isso, o documento destaca a importância de actualizar o conhecimento sobre aquela actividade e ter em conta a posição das comunidades pastorícias para a gestão daqueles ecossistemas.
“A participação significativa de todos os actores é chave para uma governança responsável das pastagens, que promove a acção colectiva, melhora o acesso à terra e integra o conhecimento tradicional com competências práticas”, diz Pedro Maria Herrera Calvo, responsável pelo relatório, que teve a contribuição de mais de 60 especialistas de 40 países.