O debate que começou tarde de mais

Se, como disse António Tânger Correia, o Chega apoiará sem reservas a Ucrânia e a posição europeia, pode-se assim suspeitar que o fará à revelia da do grupo da Identidade e Democracia que o acolheu.

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Quando António Tânger Correia começou por explicar a filiação europeia do seu partido, o Chega, dizendo que o grupo Identidade e Democracia, onde abundam amigos de Vladimir Putin e suspeitosos da necessidade de apoiar a Ucrânia, “se voluntariou para nos acolher nesta família política”, houve ténues luzes que se acenderam para clarificar a sua incoerência. Talvez o partido que se diz “europeísta” se sinta bem entre tantos inimigos da democracia europeia na sua luta contra o imperialismo autoritário de Moscovo apenas por reconhecimento à sua misericórdia. Entre a incoerência e o estatuto de sem-abrigo, o Chega escolheu a primeira.

Diz-se talvez porque, afinal, o debate não produziu certezas. Porque, de imediato, acabou o tempo. E se os braços abertos dos putinistas para um afago ao Chega são um começo de explicação, não bastam para uma explicação cabal. Como disse António Tânger Correia, o Chega apoiará sem reservas a Ucrânia e a posição europeia, logo pode-se suspeitar que o fará à revelia da maior parte dos membros da Identidade e Democracia. Pode dar-se até o caso de assumir votos de consciência, mas lá tratará de mitigar o seu significado como ontem fez: esquecendo o esforço da Polónia para dizer que a Itália de Giorgia Meloni é o país “que mais apoio dá aos refugiados ucranianos”.

Se António Tânger Correia era o grande enigma da campanha, defendeu bem esse seu estatuto. Para sublinhar a sua aura de credibilidade e competência, voltou a falar por duas vezes da sua experiência como diplomata. Tem tanta experiência que sabe como poucos resistir às provocações dos seus adversários e caminhar como nenhum deles no fio da navalha que separa os valores políticos das conveniências eleitorais. Para o Chega, a devoção dos portugueses à causa europeia é um bico-de-obra que exige equilibrismo.

Mais transparente foi sem dúvida João Oliveira, do PCP. Se dúvidas houvesse que ele e o seu partido jamais dirão uma palavra de abono sobre até uma vírgula da NATO, goraram-se uma outra vez. No caso da Ucrânia, pouco conta a sua condição de vítima de uma agressão, é irrelevante a política imperial de Vladimir Putin e nada interessa repetir que, perante déspotas com sede de conquistas, de pouco vale falar de paz.

O velho lema do “antes vermelhos do que mortos” persiste como nos tempos em que a União Soviética mobilizava a esquerda crente nas suas comissões de paz para travar a instalação de mísseis na Alemanha. Dizer, como disse João Cotrim de Figueiredo em obediência a Churchill que, enquanto houver “tiranos e tiranetes” a ameaçar os valores europeus e a violar o direito internacional, as democracias “têm de se defender”, é para João Oliveira propaganda belicosa. Logo ele, que acredita tanto “na ameaça da Rússia à Europa como nas armas de destruição maciça no Iraque”.

E pronto, foi assim o debate, fraco e desinspirado. Os argumentos sobre a perda de competitividade da economia da União repetiram frases soltas e careceram de substância. O debate sobre o problema crítico da desinformação não saiu do lugar-comum. As questões sobre a defesa repetiram argumentos sobre a necessidade de tirar de um lado para colocar noutro. No próximo debate, não era mau entrar em temas novos como o da agricultura ou proceder a comparações sobre a forma como diferentes países lidam com as mesmas políticas europeias. A Europa das costas largas foi sempre um objecto útil para os que a combatem.

Deu ainda assim para perceber de novo que o candidato da Iniciativa Liberal está bem preparado, que o representante do PAN se sentiu tão seguro (e muito sensato nas suas teses sobre a necessidade da defesa da Europa) que se arrogou ao papel de “adulto na sala” ou que João Oliveira é um excelente comunicador, apesar da fragilidade dos seus argumentos. E António Tânger Correia? Bom, esse, do princípio ao fim, manteve a sua pose esfíngica e a táctica do catenaccio. A palavra de ordem é defender a baliza, arriscar pelo seguro, como quando disse que as minorias não podem mandar na maioria, e esperar que o jogo acabe e o poupe à explicação sempre penosa sobre como é que um partido “europeísta” se senta à mesa dos putinistas.

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