Perfil “único” de Garcia Pereira na advocacia garante-lhe Prémio Nelson Mandela 2024

Trabalho do advogado de 71 anos, em prol dos mais vulneráveis, bem como a sua intervenção em defesa dos direitos dos cidadãos e dos advogados está na base da distinção da ProPública.

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António Garcia Pereira tem 71 anos e exerce advocacia desde 1977 NUNO VEIGA/Lusa
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A escolha do vencedor do Prémio Nelson Mandela deste ano foi “muito fácil”. Mais, foi alvo de “uma invulgar unanimidade de toda a direcção”. A descrição é do presidente da associação cívica ProPública-Direito e Cidadania que distingue, anualmente, figuras da advocacia cujo trabalho em prol dos “bem comum e da cidadania” se destaca. Agostinho Miranda refere-se assim ao advogado, professor universitário e activista António Garcia Pereira, o escolhido deste ano. “Fiquei surpreendido e, obviamente, emocionado e muito honrado, não estava nada à espera de uma distinção destas”, reagiu o advogado.

O nome de Garcia Pereira — mais conhecido pelo seu trabalho na defesa dos direitos dos trabalhadores, mas cuja actividade vai muito além disso —, já por várias vezes tinha surgido nas “extensas listas” com que os membros da ProPública se confrontam anualmente, quando chega o momento de escolher quem será distinguido com o prémio instituído em 2021. Este ano, finalmente, o advogado lisboeta de 71 anos, que exerce desde 1977, saiu da lista.

“Talvez não seja tão óbvio para as pessoas mais novas, mas António Garcia Pereira é um nome histórico. Ele é único, não só pela sua carreira mas pelo seu perfil. Não só é advogado, como professor universitário e um autor que escreveu 13 livros, e nem todos sobre ciência jurídica, mas também de intervenção cívica, política. É este perfil e carreira em que se destaca a defesa, não exclusiva, dos mais vulneráveis — desde pessoas alvo de violência extremista, como os trabalhadores que ele representa pro bono —, que permite a conclusão muito justa de que a sua intenção primeira é a defesa do interesse público e da defesa dos direitos, garantias e liberdades”, diz Agostinho Miranda.

A juntar ao "combate corajoso", salienta o presidente da ProPública, juntam-se três causas caras aos advogados, e sobre as quais Garcia Pereira tem tido uma acção permanente: a defesa dos direitos dos advogados (com ênfase para o combate a um conjunto de leis recentes, que culminaram com a contestada alteração aos estatutos da Ordem); a intervenção sobre uma causa cara à ProPública, que é o direito de os cidadãos acederem aos serviços públicos sem marcação prévia; e um conjunto de posições sobre a situação da justiça, realçando que os problemas que ela enfrenta são sistémicos.

Para Garcia Pereira, a distinção agora recebida tem um sabor especial não só pelo seu significado, mas também por quem a atribui. “É uma grande honra ter uma distinção relativa aos direitos humanos, dada por uma organização abnegada, na defesa desses direitos, e muito prestigiada. E, finalmente, por este prémio ter o nome de uma pessoa que considero ser um exemplo para toda a humanidade”, diz o vencedor do Prémio Nelson Mandela.

O advogado considera, além disso, que a distinção recebida é também “uma responsabilidade”, à qual não pretende fugir: “Tomo isto como um incentivo a continuar o caminho que tenho trilhado, de assumir a responsabilidade que assumo com muito gosto, de prosseguir a luta pela qual me tenho empenhado, em apoiar os mais fracos e vulneráveis. Vivemos uma época particularmente perigosa, do ponto de vista dos direitos dos cidadãos, porque, formalmente, vivemos em democracia, mas é uma democracia em que os direitos das pessoas são diariamente espezinhados”.

E, como se tivesse ouvido as palavras de Agostinho Miranda, também Garcia Pereira dá como exemplos o que diz ser “a situação da justiça e a tentativa de liquidar a advocacia livre e independente”, bem como “o desprezo da administração pública pelos cidadãos”, ao exigir a marcação prévia para o atendimento que deveria ser garantido sem esse passo ou o “o espectáculo dantesco à porta” da AIMA — Agência para a Integração Migrações e Asilo.

“Isto não é incomum, bem pelo contrário. Como já disse várias vezes, 500 anos de Inquisição e quase 50 de fascismo não foram erradicados de uma parcela importante da nossa opinião pública, que continua a ver nos cidadãos, súbditos”, critica Garcia Pereira.

O prémio, divulgado neste Dia do Advogado, tem o valor de 10 mil euros e Garcia Pereira diz estar a ponderar o que lhe fará. “Obviamente que o destino estará relacionado com a prossecução dos objectivos que tenho defendido, mas estou ainda a reflectir”, diz.

Em 2023, o Prémio Nelson Mandela foi atribuído ex aequo a Maria Clotilde Almeida e Paula Penha Gonçalves, tendo sido já distinguidos também Francisco Teixeira da Mota (2021) e Leonor Caldeira (2022).

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