Idosos sós: “Temos que arranjar amigos de outras gerações”

Maria João Valente Rosa não aceita que chegar a “idades superiores” em situação de isolamento seja uma fatalidade. E lembra estudos que indicam que a solidão até é mais sentida pelos jovens.

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Maria Joao Valente Rosa, demógrafa Nuno Ferreira Santos
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"Sabendo nós que vamos viver cada vez mais anos, precisamos de nos preparar para as vidas longas", recomenda a demógrafa e professora na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, Maria João Valente Rosa. E isso tem que começar quando somos mais jovens. "É na prevenção e no planeamento das nossas vidas que temos que apostar", diz.

Acima dos 75 anos, havia em 2021 mais de 300 mil pessoas a viver sozinhas em Portugal e mais de um terço, segundo as estimativas, sentia-se isolada, perdeu familiares e amigos. Isto é uma fatalidade à medida que a idade avança?
Nas idades superiores há, de facto, vários factores que potenciam o isolamento social e a solidão. Desde logo, a viuvez, a morte de parceiros, de amigos, faz com que as pessoas comecem a perder uma grande parte do seu universo relacional. As pessoas têm menos filhos e muitas vezes estes não vivem perto, as redes de apoio familiar começam a encolher e ainda vão encolher mais no futuro.

Por outro lado, com a reforma há relações sociais que se quebram de forma abrupta. Deixamos de ter relações de trabalho e isso também é um factor que potencia o isolamento.

Associado a tudo isto, o estado de saúde vai-se deteriorando, a mobilidade degrada-se e as cidades não estão preparadas para estes problemas. Dou muitas vezes o exemplo da calçada portuguesa, que é lindíssima, mas é um factor de risco para quedas.

Mas a solidão, é preciso notar, não é um problema exclusivo dos idosos. Num recente estudo da Gallup, os mais jovens até reportaram mais situações de solidão do que os mais velhos. Muitas pessoas vivem sozinhas por opção e isto não tem que ser uma fatalidade. Temos também que desmistificar esta ideia dos 65 anos como critério [para se ser considerado idoso]. As Nações Unidas já começam a falar da idade prospectiva — e, neste sentido, idoso é quem tem 15 anos de vida pela frente, tendo em conta a esperança média de vida.

Agora, sabendo nós que vamos viver cada vez mais anos, precisamos de nos preparar. As gerações que têm agora 40, 50 anos estão a preparar-se para evitar que estas situações venham a acontecer? Temos que nos preparar para as vidas longas.

Como é que nos podemos preparar para estas vidas mais longas?
Devemos promover relações intergeracionais. Por que é que só tenho amigos da minha idade? Temos que ter amigos de outras gerações.

Outro ponto importante, temos que arranjar, logo a meio da vida, propósitos. Olhar para o futuro e pensar no que vou fazer daqui para a frente, porque vou ter missões permanentes, propósitos que me obrigam a sair e a estar com os outros.

Temos que planear a vida, o futuro. Estamos sempre a olhar para que que fizemos e não para o que podemos ainda fazer. Mas o isolamento também tem que ver com questões associadas à saúde. Por isso, temos também que prevenir problemas de saúde, evitando comportamentos de risco — andar a pé, comer bem, evitar o tabaco e o stress excessivo. E isto é tudo barato. Outro aspecto importante e que ajuda a diversificar as relações é apostar na formação ao longo da vida.

Mas a forma como estamos organizados nas respostas às necessidades dos mais velhos, e aqui entram as políticas públicas, não está ultrapassada? Continuamos a pensar na família como a garantia de cuidados em idades avançadas quando muitas destas pessoas não têm familiares com quem contar.
Os poderes públicos também têm aqui uma responsabilidade enorme e deviam entender que a questão da longevidade é tão importante quanto a das alterações climáticas porque estamos numa transição demográfica sem paralelo.

Os poderes públicos têm que mudar a sua estratégia, mas é mais fácil continuar a replicar as soluções passadas. E a família é importante mas não podemos pensar que o futuro é apenas função da família. É preciso criar comunidades dentro das cidades. Temos que minorar este problema e evitar que se repita no futuro. Há aqui uma série de respostas que é necessário dar — uma delas passa por tornar as cidades amigas das pessoas em idades superiores, fazer com que deixem de ter medo de sair de casa.

Agora, repito, não podemos olhar só para as idades superiores, temos que investir muito nas idades centrais e até nas idades pequeninas. O problema está quando o link, a ligação, se parte. Depois é muito mais difícil uni-lo. Temos que alimentar a ligação e o cidadão tem aqui um papel importante. Os poderes públicos têm também a obrigação de prevenir, mas, como andam sempre a olhar para o que é urgente, não têm visão estratégica. É na prevenção e no planeamento das nossas vidas que temos que apostar.

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