Cientistas resolvem o puzzle evolutivo do baobá: a árvore nasceu em Madagáscar
Estudo da Nature mostra que baobás tiveram origem evolutiva em Madagáscar, migrando depois para África e Austrália à boleia das correntes do oceano. Crise climática ameaça três espécies.
A origem dos embondeiros – também conhecidos como “baobás” – sempre foi um pouco opaca, não havendo um consenso científico acerca do “berço” evolutivo desta árvore portentosa. Agora, uma análise genómica das oito espécies existentes da árvore mostra que o embondeiro muito provavelmente “nasceu” na ilha de Madagáscar, refere um estudo publicado quarta-feira na revista científica Nature.
“Antes deste trabalho, não era claro quais eram as origens geográficas dos baobás e quando é que os baobás evoluíram ao longo do tempo. Anteriormente havia teorias de que os baobás eram originários da América do Sul, África, Austrália ou Madagáscar. Os nossos resultados apontam mais fortemente para uma origem em Madagáscar, seguida de uma surpreendente dispersão de longa distância de duas espécies para África e Austrália”, explica ao PÚBLICO o co-autor Andrew Leitch, professor da Universidade Queen Mary de Londres, no Reino Unido.
Se o baobá tem um passado insular, como é que esta árvore foi depois parar noutras partes do mundo? Dito de um modo muito simples: as sementes do embondeiro terão apanhado boleia da água salgada. Andrew Leitch explica que essa distribuição provavelmente foi feita através de correntes oceânicas, “porque os eventos de dispersão ocorreram milhões de anos depois de os continentes se terem dividido por placas tectónicas”.
Oito espécies, diferentes geografias
Falamos dos embondeiros (género Adansonia) como se fossem todos um só, mas existem no planeta oito espécies diferentes desta árvore. Se olharmos com atenção para cada uma delas, veremos que todas diferem na morfologia. Uma é gordinha e achatada, outra é bastante alta, parecendo uma salsicha em pé, e por aí vai.
Estas oito espécies não estão distribuídas equitativamente. Madagáscar alberga seis das oito espécies existentes, enquanto uma das duas restantes está presente em grande parte do continente africano, e a restante encontra-se a milhares de quilómetros de distância, no Noroeste da Austrália.
Os autores sequenciaram os genomas das oito espécies de baobá, analisando esse formidável volume de informação para conseguir reconstruir o puzzle evolutivo destas árvores. No artigo da Nature, os cientistas também examinam aspectos ecológicos que possam ter influenciado a distribuição dos baobás na ilha de Madagáscar.
“Começámos por gerar conjuntos de genomas completos para todas as oito espécies de baobá existentes. Analisando os seus genomas em pormenor e incorporando dados ecológicos e geológicos, procurámos descobrir a história evolutiva e a dinâmica populacional do passado destas espécies icónicas e carismáticas”, explicou Andrew Leitch, numa resposta por email.
Os autores estabeleceram ainda que a dinâmica histórica da população de baobás está intimamente associada não só com a competição entre as espécies, mas também com as alterações geológicas em Madagáscar, especialmente a mudança do nível do mar durante várias eras glaciares.
“Ao longo de milhões de anos, o nível do mar em todo o mundo tem flutuado com as alterações climáticas. Durante os períodos glaciares, o nível do mar desce e as ilhas tornam-se maiores à medida que a linha costeira se expande. Nesses períodos, os baobás antigos poderiam ter colonizado as planícies expostas de Madagáscar e, à medida que as diferentes populações se expandiam, interagiam entre si e as diferentes espécies cruzavam-se, esbatendo as fronteiras das espécies”, refere o professor da Universidade Queen Mary de Londres.
Três espécies em risco
Os autores terminam o estudo com um alerta em relação ao futuro dos baobás em Madagáscar. “Os resultados também sugerem, infelizmente, que três espécies de Madagáscar, já ameaçadas de extinção, estão ainda mais ameaçadas do que pensávamos anteriormente”, lamenta Andrew Leitch.
Duas das espécies malgaxes têm uma diversidade genética extremamente baixa, o que deixou os cientistas bastante preocupados. Sabemos hoje que uma população com maior diversidade genética terá, muito provavelmente, mais recursos adaptativos para enfrentar os golpes da crise climática. Uma terceira espécie está igualmente em risco de desaparecer na sequência de cruzamentos com uma espécie mais comum.
“Propomos que se preste mais atenção ao estado de conservação dos baobás malgaxes, especialmente de Adansonia suarezensis e Adansonia grandidieri, e que seja necessária uma monitorização intensiva das populações de Adansonia za, dada a sua propensão para afectar negativamente a Adansonia perrieri, criticamente ameaçada”, alertam os autores no artigo da Nature. As três espécies aqui referidas já figuram na Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza como em perigo.
A conservação do baobá é considerada relevante não só pelo ponto de vista da biodiversidade, mas também pelo ângulo sociocultural. À volta do embondeiro, descrito no artigo como “uma das espécies mais carismáticas do nosso planeta”, gravitam lendas, tradições e outras práticas culturais. Este vegetal surge mesmo como uma personagem na literatura e em outros produtos culturais. Há, por exemplo, um conto do escritor moçambicano Mia Couto intitulado precisamente O Embondeiro Que Sonhava Pássaros.