Turcos estão entre os que mais horas trabalham na OCDE

Ventura sugeriu que o povo turco era preguiçoso, mas os números desmentem-no. Estão entre os trabalhadores da OCDE que mais horas trabalham e os níveis de produtividade são superiores aos de Portugal.

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As declarações do presidente do Chega sobre o povo turco causaram polémica na Assembleia da República ANT??NIO PEDRO SANTOS / LUSA
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A afirmação

"O aeroporto de Istambul foi construído e operacionalizado em cinco anos. O aeroporto de Istambul... Istambul! Não estou a falar de Veneza: Istambul. Ora, os turcos não são propriamente conhecidos por serem o povo mais trabalhador do mundo" — André Ventura, presidente do Chega, no Parlamento, a 17 de Maio.

O contexto

Foi o primeiro passo para que mais uma polémica se instalasse na Assembleia da República. Numa intervenção em que criticava o prazo de dez anos previsto para a construção do novo aeroporto em Alcochete, André Ventura afirmou que o aeroporto de Istambul, na Turquia, tinha sido operacionalizado em metade desse tempo. E que, por isso, os portugueses podem ser "muito melhores do que os turcos, os chineses, os albaneses". Afinal, argumentou, "os turcos não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo".

As declarações mereceram reacções de outros deputados. Fabian Figueiredo, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, pediu a palavra para defender que "atribuir características e estereótipos a um povo não deve ter espaço no debate democrático da Assembleia da República". A polémica adensou-se depois disso: é que o presidente da Assembleia da República, José Pedro Aguiar-Branco, disse que não concordava com o bloquista.

"O debate democrático é cada um poder exprimir-se exactamente como quer fazê-lo. Os trabalhos estão a ser conduzidos assegurando a livre expressão de todos os deputados. Não tem sequer a ver com o que penso pessoalmente, mas não serei eu o censor de nenhum dos deputados", defendeu.

Isabel Mendes Lopes, líder parlamentar do Livre, contra-argumentou: lembrou no Parlamento que "o racismo é crime" e que as declarações proferidas no hemiciclo têm "consequência directa na vida das pessoas". Alexandra Leitão, líder parlamentar do PS, também questionou Aguiar-Branco: "Se uma determinada bancada disser que uma determinada raça ou etnia é mais burra, mais preguiçosa ou menos digna, também pode?". O presidente da Assembleia respondeu sem rodeios: "Pode."

Os factos

Acontece que, à parte das interpretações sobre as fronteiras da liberdade de expressão previstas na lei, os factos falam por si: não, os turcos não são preguiçosos. As estatísticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) demonstram até que, em 2022 (o último ano para o qual há registos), trabalharam uma média semanal de quase 46 horas na sua ocupação principal. Acima da Turquia, entre os países da OCDE, só surge a Colômbia (47,6 horas). Portugal está em sétimo lugar, com 39,6 horas.

Mesmo uma visão sobre a média de horas trabalhadas anualmente confirma esta leitura: em 2021, o último ano para o qual existem dados completos dos países da OCDE, cada profissional turco acumulava 1732 horas de trabalho. Esta média fica 12 horas abaixo da média dos países da OCDE, mas acima das 1649 horas portuguesas e muito longe das horas de trabalho acumuladas em países como a Alemanha (1340 horas), França (1484 horas) ou Reino Unido (1498 horas).

Não é apenas uma questão de carga horária: a produtividade também contraria a tese do presidente do Chega. Os dados da OCDE também indicam que o Produto Interno Bruto (PIB) gerado por cada trabalhador na Turquia era ligeiramente superior a 91 mil dólares (o equivalente a 83,7 mil euros) em 2023. Portugal está abaixo disso, com um PIB por trabalhador que não chega aos 70,5 mil dólares (64,8 mil euros). O fenómeno repete-se caso se analise o PIB por hora trabalhada: é de 52,5 dólares na Turquia (48,31 euros) e 43,1 dólares em Portugal (39,66 euros).

O veredicto

A visão estereotipada de que os turcos "não são propriamente conhecidos por ser o povo mais trabalhador do mundo", como afirmou André Ventura, não é confirmada pelos dados mais recentes da OCDE. Os profissionais na Turquia trabalham mais horas e atingem níveis de produtividade mais elevadas do que em Portugal. As alegações do presidente do Chega são, por isso, falsas.

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