Autarcas recusam termo de responsabilidade para acelerar fundos para a habitação. “Não vamos assumir, obviamente”

Associação Nacional de Municípios diz que novo termo de responsabilidade, que substituiria aprovação do IHRU, deve recair no município e não no autarca.

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Luísa Salgueiro, presidente da Câmara de Matosinhos, eleita pelo PS, e também presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP), coloca reservas sobre o pacote da habitação apresentado pelo Governo de Luís Montenegro e desafia primeiro-ministro a explicar a sua posição sobre o referendo à regionalização. Em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença, critica ainda os atrasos na Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) e diz que as câmaras podem ajudar mais os imigrantes a regularizar a sua situação documental em território português.

Nas últimas semanas, tivemos conhecimento de casos de agressões a imigrantes do Senegal no Porto e a uma criança nepalesa em Lisboa. O que é que acha que está a acontecer? São casos isolados? Como é que as autarquias podem responder a estas situações?
Desejo que sejam fenómenos isolados, mas as câmaras municipais podem ter aqui um papel porque são a primeira porta de entrada e de resposta a estas pessoas. Temos muitas competências na acção social, em centros locais de apoio à população migrante. É importante que exista uma melhor articulação entre estes centros, entre as respostas dadas pelos municípios e a AIMA, para que as pessoas não aguardem tanto tempo. Muitas das respostas poderiam, até se assim for entendido, ser agilizadas pelos municípios, o que agora não acontece.

A ministra da Administração Interna, em resposta a esta situação da criança nepalesa, garantia que ia haver mais policiamento junto das escolas. Essa é uma boa resposta?
Existe há muito tempo o programa Escola Segura. Mas não me parece que se responda a isto com mais repressão. É mais importante a formação e a sensibilização das crianças, dos jovens que estão nas escolas, para compreenderem o respeito que devemos ter pelos outros e a diferença pela multiplicidade.

Precisamos que as pessoas sejam bem integradas, tratadas com dignidade, que haja regras na entrada de pessoas das mais variadas proveniências e, sobretudo, eliminar as causas que fomentam este discurso racista e xenófobo que depois gera situações que espero que sejam pontuais, como aquelas que observámos nos últimos dias.

A AIMA foi um erro ou a extinção do SEF poderia ter sido feita de outra maneira?
A AIMA foi uma instituição criada muito recentemente. Não acompanho as vozes que propõem a sua extinção. O que importa é dar-lhe condições para que funcione. Temos de avaliar o que está a falhar na AIMA. A escassez de recursos é evidente. As solicitações e a demanda destes serviços cresceram muito e o importante é reforçar a capacidade de resposta da AIMA.

No pacote da habitação aprovado na semana passada pelo Governo, as câmaras vão ter um papel mais central no problema da habitação. Ficou satisfeita com estas novas regras?
É uma tentativa de aperfeiçoamento do Mais Habitação. Para nós, é importante, porque estamos confrontados neste momento com a fase decisiva de concretização das estratégias locais de habitação. Temos dificuldade em executar os recursos que temos disponíveis, que vêm sobretudo do financiamento do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], mas que requerem aprovações por parte do IHRU [Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana]. O IHRU não tem capacidade de resposta, tem sido um constrangimento.

Vem agora esta proposta, ainda não sabemos como vai ser materializada. Todas estas intenções que foram anunciadas na semana passada precisam de ser valorizadas. Vão ser convertidas em documentos, em textos legislativos, portanto aguardamos para dar parecer e ver como se vão materializar estas medidas.

É proposto que haja a possibilidade de ser assinado um termo de responsabilidade por parte dos municípios que dispensa a aprovação por parte do IHRU. Mas nós não sabemos como vai ser concretizado, os autarcas não vão poder assumir, pessoalmente, estas responsabilidades. De que forma é que o Tribunal de Contas olha para esta medida? Se houver falhas, nós vamos assumir a responsabilidade para iniciar uma empreitada, para dispensar a aprovação do IHRU, e se depois houver falhas no processo, quem assume essa responsabilidade? Seguramente não podem ser os presidentes de câmara a fazê-lo.

É uma boa intenção, mas não é exequível?
Não sei, pode ser exequível, depende da forma como seja materializada. Não sei se será uma responsabilidade do município, dos eleitos não pode ser, senão não vamos assumir essa responsabilidade, obviamente.

Já tivemos ocasião de nos reunirmos com o ministro [da Coesão Territorial] Castro Almeida sobre este assunto, transmitimos esta nossa posição. Agora aguardamos pela materialização destas medidas, de que forma é que elas se vão verter nos diplomas legislativos necessários.

E também a preocupação em torno do trabalho do IHRU...
O IHRU foi assoberbado de trabalho, não estava preparado, não havia estrutura tão forte quanto necessária, para fazer face ao enorme volume de pedidos. Ficou bloqueado. Assim não vai ser possível executar as verbas do PRR que ainda estão disponíveis, nem disponibilizar o número de fogos previsto.

Preferia que fosse o IHRU a dar resposta em vez de se assumirem termos de responsabilidade?
É um modelo que está previsto desde sempre. Isto é uma solução de recurso, de última hora, que não pode trazer responsabilidade sobre os eleitos locais. Não se pode resolver um problema criando um novo problema. Se não houver responsabilidade da nossa parte, nós podemos acompanhar esta mudança. Temos, portanto, de aguardar os termos do processo do modelo legislativo que vai ser apresentado.

Mas há outras medidas de habitação. Por exemplo, as autarquias voltam a ter autonomia nas licenças do alojamento local.
As autarquias nunca deixaram de ter autonomia nas licenças. O Governo anterior disse que, havendo identificação de muita pressão do turismo sobre a habitação, ficavam suspensas as atribuições de novas licenças de AL, ficando dependentes das cartas municipais de habitação.

Quando ouço dizer que as câmaras não tinham possibilidade de autorizar e que passam a ter, isso não corresponde à verdade. As câmaras tinham de aprovar as cartas municipais de habitação, definir a sua estratégia em termos da pressão urbanística.

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Luísa Salgueiro Rui Gaudêncio

Mas agora fica mais simples, não é?
Nós estamos a preparar as cartas municipais de habitação e faz sentido que dentro do próprio território se distinga, porque o município tem zonas de pressões distintas e há locais onde até faz sentido haver alojamento local para estimular a atracção de pessoas e outros no mesmo município em que isso não faz sentido.

Claro que agora passa a ser mais automático e obviamente vamos continuar a correr o risco de haver mais alojamento local e menos habitação disponível nos locais de maior pressão turística.

Outra das medidas foi dar a possibilidade às câmaras de identificar imóveis do Estado e poderem propor a sua utilização.
Essa não é uma novidade porque os imóveis do Estado já tinham sido alvo de transferência de competências para os municípios ao abrigo da Lei-Quadro da Transferência. Nós temos normalmente de articular com a Estamo, que é a entidade que gere o parque público de imóveis e que não é rápida nesta operação.

Portanto, é uma intenção, mais uma vez...
É mais um anúncio. É uma vontade, uma medida que vai no sentido certo, deixar de haver imóveis que estão devolutos e sem utilização há décadas. Mas é preciso percebermos de que forma é que ela vai ser materializada. Caso contrário, continuamos a arrastar durante longos anos estes processos de negociação e não se opera a transferência.

Acha que pode ser uma mão-cheia de nada este pacote de anúncios?
Não quero dizer isso à partida. É uma medida, no sentido certo, de acelerar tudo o que for possível para que o país cumpra os seus objectivos, quer em termos de execução financeira do PRR, quer em termos de disponibilização de fogos.

A descentralização de competências não foi concluída na área da saúde. Quantas câmaras ainda não assinaram os autos?
Menos de uma dezena, segundo sei. A transferência de áreas mais complexa foi a da educação. A da acção social anunciava-se como difícil, mas correu de uma forma muito tranquila. No caso da saúde, houve uma garantia que não aconteceu nas outras áreas. É que cada município só assumiu as competências quando assinou o auto de transferência e verificou se as condições no seu município eram compatíveis com os seus recursos.

Durante a governação de António Costa, foi-se tão longe quanto se poderia na descentralização?
A governação do Governo de António Costa foi interrompida subitamente e o processo estava numa fase decisiva.

O actual primeiro-ministro afastou o referendo à regionalização, que está prevista na Constituição. Qual é a posição da ANMP?
É clara. No congresso em que fui eleita, quer o primeiro-ministro quer o Presidente da República consideraram que o ano 2024 seria o ano acertado para se realizar o novo referendo sobre a regionalização. Havia um alinhamento entre os dois maiores partidos.

No primeiro momento do mandato enquanto líder do PSD, Luís Montenegro anunciou que com este PSD não haverá regionalização. Agora que está no Governo, parece-me ainda mais difícil que ela aconteça. Portanto, o país vai continuar a ver este processo adiado, o que é prejudicial do ponto de vista da ANMP.

Mas vão continuar com a pressão?
Vamos continuar.

Há muitos autarcas do PSD que concordam com a regionalização.
E há até autarcas que no anterior referendo tomaram uma posição contra a regionalização e que, entretanto, já reviram a sua posição e concordam. Também há autarcas que continuam a não defender a regionalização. São minoritários, portanto, era importante ouvir a população.

Desde que é primeiro-ministro, não ouvimos Montenegro falar disso.
É uma boa pergunta para se fazer ao primeiro-ministro, se ele já reviu a posição e se já ouviu, designadamente, o ministro da Coesão.

O ministro tem abertura para um referendo?
Creio que sim. O ministro da Coesão, para além de ser ex-presidente de câmara, tem uma visão relativamente à regionalização diferente da do primeiro-ministro. Pode ser que no Governo haja o bom senso de alinhar com a opinião da ANMP.

Em relação ao novo aeroporto de Lisboa, Alcochete foi a escolha. É a melhor decisão?
É a decisão que a comissão técnica decidiu, que já tinha sido proposta várias vezes. Está na altura do país avançar. Se é essa a decisão certa, o que importa é não esperarmos mais e garantirmos que o investimento avança e que o país vai ter um novo aeroporto para servir, a partir da capital, todo o território.

Acha que vai haver contestação a esta localização por parte de algum município?
É natural que haja. Já houve várias propostas. Há municípios que se vão sentir preteridos, mas há um interesse nacional a acautelar e aquilo que for melhor para o conjunto dos municípios deve ser a proposta a validar.

É normal que o Governo não adiante custos sobre esta obra?
Tem de adiantar. Foi escolhida a localização preferida. No momento seguinte tem de se fazer os cálculos e as condições em que o investimento vai ser feito.

Mas esses cálculos já deviam ter sido feitos para serem apresentados durante aquela apresentação do ministro?
Estimo que alguns estejam feitos. O primeiro-ministro quis marcar a agenda política. Quis fazer este anúncio rapidamente. Espero que a seguir faça essa apresentação.

Como viu o afastamento de Ana Jorge da Santa Casa?
Como uma decisão precipitada por parte do Governo. Ana Jorge estava a avaliar o que precisava de ser feito. É uma atitude, é um estilo. Não aconteceu só na Santa Casa.

O Governo tem estado a fazer saneamentos políticos?
Tem estado a tomar decisões precipitadas, focadas em pessoas, quando o mais importante são os dossiers que as pessoas têm de tratar e o impacto que eles têm na vida das pessoas. Não é apenas afastando ou mudando os rostos que vamos resolver nem os problemas da Santa Casa, nem da PSP. É preciso olhar os problemas com mais profundidade e não apenas fazer a mudança de cadeiras.

Temos eleições europeias a 9 de Junho. Há ou não atrasos na preparação destas eleições por parte dos municípios?
Os municípios têm a responsabilidade habitual de preparar os locais de votos, as assembleias, organizar os membros das mesas. Este ano há uma diferença, porque pela primeira vez os cadernos eleitorais vão ser desmaterializados e é necessário ter uma pessoa com conhecimentos informáticos em cada mesa de voto. Esse número estava muito aquém das necessidades, mas esse processo está praticamente sanado.

Acredita que vai correr bem?
Hoje já acredito. Tenho só o receio da cobertura de Internet em alguns locais. Vão ser linhas criadas especificamente para este acto e há alguns locais em que a cobertura é mais difícil.

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