A vida dos cientistas em 2024

A ciência anda de mãos dadas com a humanidade. E, também, é a humanidade que deve dar a mão a quem faz ciência: os cientistas. Reflexão no Dia Nacional do Cientista.

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Megafone P3 Nelson Garrido
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No Dia Nacional do Cientista é importante (re)pensar o papel da ciência e dos/as cientistas, ao mesmo tempo que celebramos os 50 anos do 25 de Abril.

A Ciência desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da humanidade. Em qualquer área, das ciências (ditas) exactas, às sociais, às humanas ou até às artes, o pensamento científico é capaz de explorar e continuar a descobrir o muito que ainda nos falta para o bem-estar em todas as áreas. Podemos, por exemplo, pensar na importância da ciência, seja na investigação em saúde física e mental na recente pandemia por que passamos, ou na importância das ciências sociais e políticas quando a democracia está sob ameaça pelo populismo em vários países.

Assim, a ciência é uma forma directa de combater o ‘achismo’ e a desinformação, de atribuir a justa luz da verdade a um conhecimento com métodos e testes sistemáticos, com a finalidade maior de ser para o desenvolvimento de todos/as.

E quem faz a ciência? Os cientistas: pessoas com elevadas qualificações, com anos de investigação nos respectivos temas, e constantes sacrifícios, pondo em causa, muitas vezes, a segurança e bem-estar elementares na carreira e vida pessoal. As políticas nacionais não conseguiram ainda entender que a ciência é o motor central do desenvolvimento e do crescimento, sendo fundamental dar dignidade a quem a faz.

Há poucos dias ouvi numa conferência um orador dizer que devemos ter sempre presente o esforço democrático pois “todas as pessoas merecem o melhor e a democracia é para todos; a ditadura, para alguns”, palavras que motivaram esta reflexão, a partir da qual gostaria que pensássemos o que temos a celebrar e para mudar neste meio século de democracia.

De facto, nos 50 anos em liberdade, verificamos que o número de cientistas e de produções científicas aumentou ano após ano. Numa breve consulta aos dados estatísticos disponíveis sobre a produção científica na PORDATA, verificamos que no início dos anos 1980 havia cerca de 300 publicações científicas anuais, enquanto nos últimos dados, de 2022, temos cerca de 30.080. A quantidade, todavia, pode fazer-nos perder a noção da qualidade (quer nos produtos, quer na qualidade de vida de quem torna possível estes números).

A precariedade dos contratos (muitos são bolsas sem protecção social); a pressão da produção (que acaba por definir quem é contratado ou não, aumentando o claro fosso entre quem tem mais recursos e quem tem menos); a falta de integração do conhecimento aplicado nos contextos empresariais/organizacionais, impossibilitando a consciência plena da aplicação da ciência; bem como a falta de oportunidades para os mais jovens que querem entrar na carreira faz com que estar na ciência não seja para todos/as. Há um conjunto interseccional de condições, recursos e vantagens que afectam a escolha de se ‘estar na ciência’.

Durante os momentos em que eu próprio me questionei se era capaz, apercebi-me de questões comuns às várias gerações de cientistas, que nos fazem pensar no problema enquanto questão estrutural: são muitos os relatos de investigadores seniores que não aguentaram mais a precariedade e, em prol de alguma estabilidade laboral-pessoal, trabalham em outros sectores; alguns resistem e reinventam-se com o medo do amanhã incerto; ainda, muitos estudantes e jovens cientistas promissores que tenho o privilégio de acompanhar dizem que querem ser cientistas, mas já com o foco internacional para ter uma vida mais próspera do que a que as condições e os salários (as políticas) cá permitem.

Fica, por fim, esta reflexão: a ciência anda de mãos dadas com a humanidade. Mas não deveria ser uma relação recíproca, em que a humanidade, espelhada em políticas para a ciência, deve dar a mão a quem a faz? Temos o direito e o dever de criar uma ciência de e para todos/as.

Obrigado a todos/as os/as cientistas por um mundo mais igual!

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