Os destinos cruzados do futebol em Hamburgo

Enquanto o popular St. Pauli está de regresso à Bundesliga após 13 anos de ausência, o relógio do HSV continua sem funcionar há seis temporadas.

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A bandeira dos piratas, símbolo do St. Pauli MORRIS MAC MATZEN / REUTERS
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O Bayer Leverkusen deu, nesta época, um toque de diversidade num dos campeonatos mais previsíveis da Europa, depois de 11 títulos consecutivos do Bayern Munique, e entrou para a extensa galeria de campeões alemães. Já vai em 30 o número de equipas com, pelo menos, um título de campeão, mais cinco do que na Premier League, que está na sua fase aborrecida – tudo indica que irá terminar com o quarto título consecutivo do Manchester City. Na próxima época, a novidade será: todos contra o Leverkusen. Outra novidade: haverá uma equipa a representar a segunda maior cidade da Alemanha, mas não aquela que já foi seis vezes campeã. Será a outra, a dos piratas com os equipamentos castanhos.

Enquanto o St. Pauli, que nunca foi campeão, está de volta à Bundesliga 13 anos depois da última das suas oito presenças, o Hamburgo (HSV) vai continuar a amargar na segunda divisão. O clube que antes se orgulhava de nunca ter descido de divisão - foi um dos fundadores da Bundesliga em 1963 (o Bayern, por exemplo, não foi fundador) - não tem conseguido descobrir o caminho de volta. E ainda mais doloroso vai ser ter jogos da Bundesliga na cidade que não no Volksparkstadion, mas no Millerntor.

Não há propriamente uma rivalidade feroz entre o Hamburgo e o St. Pauli, como Benfica e Sporting em Lisboa, Boca Juniors e River Plate em Buenos Aires, ou Flamengo e Fluminense no Rio. Mas são clubes totalmente diferentes. O Hamburgo é um clube do “sistema”, com uma história desportiva rica e um período de grande fulgor no final dos anos 1970 e início dos 1980 (chegou a ser campeão europeu em 1982), o St. Pauli é um clube de causas e de acções, e menos de títulos. Para o Hamburgo, não estar na Bundesliga é uma tragédia sem precedentes. O regresso do St. Pauli, que nunca ganhou nada, ao futebol de primeira na Alemanha só lhe irá dar uma plataforma maior para promover a sua agenda anti-racista, anti-fascista e anti-homofobia - e será motivo de imensa satisfação para os seus numerosos adeptos um pouco por todo o mundo.

Pode até dizer-se que o St. Pauli se tornou num clube de causas por causa do Hamburgo. Não nasceu assim, mas cresceu assim a partir do início dos anos 1980, quando as bancadas do Volksparkstadion começaram a ser frequentadas por movimentos neonazis. Por isto, uma franja significativa de adeptos abandonou o Hamburgo e passou a seguir o clube da zona portuária – este é o mito de criação do St. Pauli. Depois, o clube como que renasceu com uma identidade política forte de esquerda (e com um símbolo indissociável, a bandeira dos piratas), e que se manifesta de várias formas. Por exemplo, o capitão entra sempre em campo com uma braçadeira arco-íris, para assinalar o apoio à causa LGBT.

Desportivamente, o St. Pauli nunca teve a dimensão do Hamburgo. Esteve oito temporadas na Bundesliga, mas nunca conseguiu estar mais do que três épocas seguidas no primeiro escalão. Pelo contrário, o Hamburgo foi um dos fundadores da Bundesliga e, até 2018, nunca tinha descido de divisão – exibiam até na bancada do estádio um relógio que contava o tempo de permanência da primeira divisão, que parou nos 54 anos, 261 dias, 36 minutos e dois segundos, mas ficou tudo a zero quando se concretizou a despromoção em 2018.

Os seus melhores tempos na era Bundesliga aconteceram entre 1977 e 1983, com três títulos e dois segundos lugares na Bundesliga em cinco temporadas, mais um título de campeão europeu em 1983 (venceu a Juventus numa final em Atenas por 1-0, golo de Felix Magath) e uma Taça das Taças em 1977. A última boa época na Bundesliga aconteceu em 2005-06 (3.º lugar) e, depois disso, passou a ser presença frequente na segunda metade da tabela, até cair para a segunda divisão. Diga-se que o Hamburgo tem andado a cheirar o regresso desde então – nunca ficou abaixo do quarto lugar, que é onde irá terminar esta época. Mas não chega para meter o relógio a funcionar.

O Hamburgo não é o único histórico do futebol alemão em dificuldades, nem sequer é aquele que está pior. Como já dissemos, 30 equipas já foram campeãs da Alemanha, das quais apenas nove continuam na Bundesliga. Há mais antigos campeões na Bundesliga 2 (12), entre eles o segundo com mais títulos depois dos 33 do Bayern, o Nuremberga (9), e mais três equipas no top 10 das mais tituladas: Schalke 04 (7), Hamburgo (6) e Kaiserslautern (4). Na terceira divisão, por exemplo, temos o TSV 1860 Munique, que até foi campeão primeiro que o Bayern (único título em 1966), havendo outros antigos campeões que sobrevivem no futebol amador ou que já nem sequer existem.

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