João Oliveira: “Há uma sã convivência da UE com a extrema-direita e da extrema-direita com a UE”

Candidato da CDU ao Parlamento Europeu sugere que União Europeia pague novo aeroporto de Lisboa e defende que é preciso mais “pressão” política para levar a Rússia ao desarmamento.

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João Oliveira: "Há uma sã convivência da União Europeia com a extrema-direita" Helena Pereira, Susana Madureira Martins (Renascença)
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Ex-líder parlamentar do PCP, João Oliveira candidata-se ao Parlamento Europeu em nome de uma outra política "contra as imposições" orçamentais da zona euro e contra a opção da União Europeia (UE) em se "armar até aos dentes". Em entrevista ao PÚBLICO/Rádio Renascença, insiste que a UE "não é um projecto de boas vontades solidárias e fraternas", mas um "projecto construído para servir os grandes interesses económicos".

O PCP defende há vários anos a saída de Portugal do euro e tem vindo a perder força no Parlamento Europeu. Isso não significará que os portugueses querem continuar no euro?
Defendemos um caminho diferente para o nosso país e para a Europa, que é um caminho de valorização dos salários e de melhoria das condições de vida, de valorização da produção nacional e da capacidade produtiva.

A avaliação que fazemos sobre o percurso que o país tem feito é exactamente no sentido oposto. E por isso dizemos que essa política tem que ser feita em confronto com as imposições da União Europeia e do euro. Temos que enfrentar as políticas comerciais, a política agrícola comum, a política comum de pescas, as regras do mercado único, os constrangimentos e os condicionamentos que resultam do euro.

Quando dizemos que o país tem que estar preparado para se libertar da submissão ao euro, é porque isso pode acontecer em três circunstâncias: por decisão nossa, porque outros nos empurram para fora do euro ou porque o euro pode acabar. E se nós não tivermos o país preparado para isso, será uma catástrofe.

Portugal devia ficar fora da União Europeia?
Está por fazer o confronto entre a defesa de uma política que serve o país e aquilo que vai no sentido contrário, que nos é imposto pela União Europeia. Nós não tivemos até hoje nenhum governo que dissesse à União Europeia: "Não, isto não nos serve porque nós precisamos daquilo."

O Reino Unido optou pela saída da União Europeia...
O PCP não defende isso. A saída da União Europeia não está colocada como proposta nossa, não está.

O PCP defendeu a possibilidade de Portugal se pronunciar por referendo sobre decisões com impacto relevante na vida nacional tomadas ao nível da União Europeia. De que exemplos é que estamos a falar?
Há muitíssimas decisões que foram sendo tomadas ao longo dos anos sem que os portugueses fossem consultados, como o Tratado de Maastricht, o Tratado de Lisboa.

E um referendo, por exemplo, sobre a saída do euro?
Essa é uma questão que admito que possa estar naquele conjunto de questões que possam ser consideradas pelo povo português. Agora, essa questão do euro não é uma questão de um acto súbito. É um processo.

O PCP defende o reforço do orçamento europeu. Como é que se reforça o orçamento europeu sabendo que a UE se prepara para o alargamento?
Boa pergunta. É o reforço do orçamento em condições que permitam, efectivamente, garantir os objectivos de coesão económica e social que a União Europeia tem proclamado e que tem deixado para trás. E, sobretudo, assegurar a compensação dos países que são penalizados pelas políticas europeias, pelas regras do mercado único.

Mas quando se fala no reforço do orçamento da União Europeia, surge muitas vezes a opção do aumento de impostos junto dos Estados-membros...
O dinheiro viria dos benefícios que os países maiores retiram com a integração europeia. Quando dizemos que é preciso aumentar o orçamento da União Europeia, é porque é preciso que os países que beneficiam das políticas europeias compensem efectivamente aqueles que sofrem os seus impactos negativos.

Quando estamos a falar da possibilidade do alargamento, estamos a falar de uma circunstância em que o espaço da União Europeia se alarga, o espaço do mercado único se alarga, os países maiores, com mais produção industrial, com mais capacidade produtiva, beneficiarão desse alargamento das regras do mercado único, outros sofrerão impactos prejudiciais.

E prevê que Portugal seja mais prejudicado...
Muito provavelmente Portugal será um dos países que sofrerão impactos negativos desse alargamento. Portugal tem que ser compensado e tem que lutar pela capacidade de podermos ser nós a decidir dos critérios de utilização dos fundos comunitários que recebemos, em função das nossas próprias necessidades.

O PCP concorda com o alargamento à Ucrânia?
Seja em relação à Ucrânia, seja em relação a qualquer outro país, a posição que nós temos é que deve ser respeitada a decisão soberana de cada povo.

Qualquer país que queira aderir à União Europeia pode entrar?
Nós respeitamos o direito de cada povo decidir o caminho que faz em relação às suas próprias condições e à decisão que toma.

Como é que vê o Pacto das Migrações?
Muito crítico. Traduz um conjunto de concepções desumanas. Os povos europeus, particularmente durante o século XX, fugiram de guerras. Saíram dos seus países à procura de vidas melhores noutros pontos do mundo, não apenas em África, como noutros continentes.

Há, pelo menos, uma dívida histórica que os povos europeus têm para com esses povos que os acolheram quando estavam a fugir das guerras, para que os acolhessem hoje com o mesmo sentimento de humanismo, de solidariedade e de fraternidade, garantindo-lhes condições de integração e de correspondência a aspirações que são aspirações humanas em qualquer parte do mundo.

Quando olhamos para o Pacto das Migrações, é verdadeiramente assim que estamos a tratar a questão das migrações e dos refugiados? Não é. A União Europeia limita-se a olhar para os migrantes, em alguns casos, como ocupantes do espaço europeu, em outros casos, como peças de uma engrenagem produtiva, numa concepção completamente utilitarista e desumanizadora da vida de cada um daqueles seres humanos.

Os imigrantes que sejam escravizados são utilizados como instrumento para fazer baixar os salários aos outros que estão empregados, para fazer recuar as condições de vida dos outros que estão empregados.

Teme que o PCP seja penalizado nas urnas, que as pessoas não tenham ainda entendido as explicações que tem vindo a dar há dois anos, desde o momento em que o partido não condenou a invasão?
O PCP condenou a invasão. Aquilo que não nos quiseram perdoar foi que nós apontássemos o dedo para lá da Rússia. Se um partido for penalizado num acto eleitoral por defender a paz, isso é um triste reflexo do momento que estamos a viver.

Mas o que é que defende agora?
Exactamente a mesma coisa. Na Ucrânia ou na Palestina nós defendemos a mesma coisa: cessar-fogo imediato, soluções de paz, uma resolução pacífica dos conflitos.

E as pessoas já assimilaram as explicações do PCP, já se reconciliaram com o partido?
Há muita gente que já percebeu a propaganda com que foi envenenada durante muito tempo. E sobretudo neste confronto, na dualidade de critérios que tem havido entre a Ucrânia e a Palestina, já houve muita gente que percebeu que foi arrastada para posições de defesa da guerra que provavelmente nunca teria assumido na sua vida.

Cada vez que ouvimos a presidente da Comissão Europeia ou o presidente do Conselho, Charles Michel, afirmarem o caminho da militarização da União Europeia, do desvio dos recursos do orçamento da UE para a indústria do armamento, a falar na necessidade de desenvolvermos a máquina de guerra para garantirmos a nossa segurança, tem que haver alguém que diga que o caminho é o contrário.

Mas, perante a invasão da Ucrânia, o que é que defendia que o Governo da Ucrânia fizesse? Que não se defendesse?
Sobre isso decide o Governo da Ucrânia e decide o povo da Ucrânia. Um país que é vítima da violação da sua integridade territorial não tem outra forma senão responder a isso.

A questão é saber o que é que à volta se faz sobre isso. Já ouviu alguém defender o envio de armas para a Palestina para se defender da invasão israelita de Gaza?

Acha que do lado da Rússia pode haver vontade de desarmamento?
Se não houver pressão para isso, eles nunca o farão. Como é que o Papa, o Presidente do Brasil, o Presidente da África do Sul o têm feito?

É apelar à paz, ao desarmamento, à solução pacífica do conflito. Mas sabe qual é o problema disto? É que ouvimos a presidente da Comissão Europeia e o presidente do Conselho Europeu a dizer que temos que nos armar até aos dentes. Estimulamos a corrida aos armamentos e só estamos mais próximos da guerra, não estamos mais próximos da paz.

Seria importante para Portugal, em substituição de Charles Michel, ter um português à frente do Conselho Europeu?
A história mostra que isso não altera a substância das coisas. Um dos momentos mais sombrios do relacionamento entre Portugal e a União Europeia é o tempo da troika. Era, nessa altura, presidente da Comissão Europeia precisamente um português, Durão Barroso.

Não me parece que o facto de as ordens da Comissão Europeia terem sido dadas em português para cortar salários, para cortar pensões, para cortar orçamento na saúde, para degradar as condições de vida dos portugueses, tenha servido para alguma coisa.

Isso é comparar Durão Barroso a António Costa. São duas figuras idênticas?
A máquina da União Europeia funciona em muitas circunstâncias como um torno que deforma o material inicial que lá é metido. Em função das pressões e do condicionamento que seja feito, particularmente das principais potências da União Europeia, assim se expressam os presidentes do Conselho Europeu, a presidente da Comissão Europeia, os responsáveis pelas principais instituições europeias...

António Costa seria maleável, é isso?
Não é uma questão de maleável. Sabe que os metais, por muito duros que sejam, com um aperto maior, acabam sempre por ganhar outra forma.

Não me parece que António Costa seja verdadeiramente capaz de contrariar esse sentido que as grandes potências europeias e as multinacionais dessas grandes potências vão impondo na conformação das políticas europeias.

A União Europeia deveria ter um papel financeiro no apoio à construção do novo aeroporto de Lisboa?
A União Europeia já teve um papel a propósito do aeroporto e foi o pior papel que podia haver. Impôs privatizações de sectores estratégicos, como a ANA, e, como consequência, está nas mãos de uma multinacional francesa, a Vinci, a decisão sobre a construção do novo aeroporto.

A União Europeia deixou o país à mercê de uma multinacional que decide se constrói ou não constrói, e o país parece estar refém das decisões dessa multinacional e do contrato que foi feito com essa multinacional. Portanto, em primeiro lugar, nós precisamos de nos libertar desse garrote e mobilizar todos os recursos de que precisamos para a construção desse aeroporto, recursos nacionais e – porque não? – recursos comunitários.

Sobre este Governo, quanto tempo é que acha que vai durar?
Não me quer perguntar antes o número do Euromilhões? Ninguém pode esperar deste Governo capacidade de resposta aos problemas do país. Mesmo estas últimas medidas que acabou de anunciar, em relação aos idosos, em relação à habitação, está tudo muitíssimo longe, em alguns casos até indo exactamente ao contrário daquilo que era preciso para resolver os problemas das pessoas.

Ora, um Governo que não dá resposta aos problemas do povo, mais cedo que tarde, acaba por ver o seu caminho cortado.

O PCP defende que haja eleições para o ano?
Não, nós não temos nenhum calendário eleitoral na cabeça. Aquilo que estamos a fazer é utilizar a força que o povo nos deu para confrontar a maioria de direita na Assembleia da República com aquilo que serve efectivamente o país. Vamos continuar a fazer esse confronto.

Agora, convenhamos que um Governo que não está disponível para contribuir para uma política de valorização dos salários, fazer o investimento público na saúde, na educação, na segurança social, na habitação não é um Governo que possa estar à espera de ter grande apoio do povo durante muito tempo.

Não sei se será para o ano que vamos ter eleições. Mas o descontentamento do povo vai naturalmente avolumando-se.

Há uma aliança entre o PS e o Chega?
Acho que há uma circunstância de conveniência muito grande de aproveitamento por parte do Chega de muita coisa. A táctica da extrema-direita é apropriar-se de posições justas, de problemas do povo, não para lhe dar resposta, mas apenas para caçar os votos e, a partir daí, fazer exactamente o contrário. E há uma sã convivência da União Europeia com a extrema-direita e da extrema-direita com a União Europeia.

Quando olhamos para os governos onde já está metida a extrema-direita e quando nós vemos as relações que a União Europeia tem com esses governos e que esses governos têm com a União Europeia, não há problema nenhum. Há uma sã convivência entre uns e outros.

Porque é que há essa sã convivência da União Europeia com esses governos?
Porque, tal como a União Europeia se vai cada vez mais clarificando como um projecto ao serviço das multinacionais e dos grupos económicos e dos monopólios, também o papel da extrema-direita é esse. O papel da extrema-direita é garantir as condições de domínio dos grupos económicos a uma escala diferente.

Nós defendemos uma concepção de desenvolvimento soberano em que os direitos do povo sejam garantidos e em que o progresso tenha como critério e como factor o respeito pelos direitos de quem trabalha e do povo português. O projecto da extrema-direita é exactamente o oposto disso. São concepções autocráticas de auto-suficiência, de isolacionismo, de nacionalismo, de racismo, de xenofobia.

Particularmente em Portugal, temos visto a extrema-direita apropriar-se de aspectos absolutamente evidentes de descontentamento e de problemas sociais não para lhes dar resposta, mas para, instrumentalizando esse descontentamento, ganhar força para fazer política exactamente no sentido contrário. E, portanto, isso tem que ser denunciado e tem que ser combatido.

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