Caro leitor,

Soubemos na semana passada que perto de um milhão de pessoas em Portugal estão em teletrabalho e, destas, uma em cada três combina trabalho presencial com trabalho remoto. Os números são do Instituto Nacional de Estatística e estão muito próximos dos níveis atingidos durante a pandemia, sinal de que estes modelos vieram para ficar e estão a transformar o modo como as empresas e os trabalhadores olham para o mercado de trabalho.

As empresas já perceberam que, na competição pelos trabalhadores acabados de formar, esta flexibilidade é determinante. Do outro lado, quem está a entrar no mercado de trabalho não parece estar muito interessado em ir para o escritório cinco dias por semana, valoriza a possibilidade de trabalhar à distância, pelo menos alguns dias, e a sensação de liberdade e de controlo do seu tempo.

Contudo, nos últimos tempos, alguns investigadores têm vindo a alertar que para os trabalhadores jovens e inexperientes o teletrabalho pode ser uma faca de dois gumes.

É certo que a possibilidade de trabalhar à distância lhes dá acesso a um mercado de trabalho global e a mais oportunidades de emprego – as fronteiras geográficas deixam de ser um entrave –, permite-lhes escolher onde e quando trabalhar e abre a porta a uma maior conciliação entre a vida profissional e pessoal.

Quatro anos passados desde que a pandemia colocou o teletrabalho em níveis nunca antes vistos, começa a haver sinais de que os jovens que iniciaram a carreira em ambiente remoto podem vir a ser penalizados no futuro.

Num paper publicado em Novembro de 2023 pelo National Bureau of Economic Research, três economistas, Natalia Emanuel, Emma Harrington and Amanda Pallais,​ tentaram perceber qual o "poder da proximidade" na carreira dos trabalhadores mais jovens e inexperientes numa empresa de tecnologia. E concluíram que o trabalho remoto tanto destes trabalhadores como dos mais velhos tinha impactos na criação de situações de interacção e de aprendizagem, com "efeitos negativos duradouros" sobre os jovens e inexperientes, porque aprendem menos com os seus colegas e têm menos mobilidade para empregos mais bem pagos noutras empresas.

No caso em concreto, isso era particularmente visível nas mulheres que, dizem as investigadoras, quando trabalham à distância pedem menos ajuda e, consequentemente, são menos apoiadas pelas chefias ou pelos trabalhadores mais experientes.

Na Harvard Business Review, Octavia Goredema, que faz orientação de carreiras e tem centrado a sua atenção nas mulheres e nas áreas onde continuam sub-representadas, faz uma lista dos desafios que os jovens enfrentam:

  • Menos oportunidades de aprender através da observação dos outros: quando se trabalha ao lado de outras pessoas no mesmo local, os trabalhadores mais novos adquirem um conjunto de competências através da observação, algo que é mais limitado se todos estiverem em teletrabalho ou em regimes híbridos;
  • Dificuldades em conseguir orientação imediata por parte das chefias: embora a tecnologia permita comunicar em tempo real, pode ser desafiante um jovem pedir orientações ao seu chefe no exacto momento em que precisa;
  • Falta de experiência para resolver situações difíceis: os trabalhadores mais velhos têm uma base de conhecimento e de experiência, assim como uma rede de contactos, que podem accionar em caso de necessidade. Numa fase inicial da carreira, é menos provável que o trabalhador saiba o que fazer se as coisas se complicarem e pode acontecer que peça ajuda demasiado tarde;
  • Oportunidades limitadas de estabelecer redes de contactos: é assumido que um dos principais impulsionadores do desenvolvimento profissional é a capacidade de criar uma rede de contactos dentro da empresa e quando se trabalha à distância pode ser difícil estabelecer estas relações e interacções com os outros trabalhadores.

Numa entrevista que deu recentemente ao PÚBLICO, o economista da Universidade do Minho, João Cerejeira, já tinha chamado a atenção para estas questões, lembrando que, "uma pessoa na fase inicial da carreira, que esteja sempre em teletrabalho, tem maior dificuldade em aceder à informação e ao conhecimento que se adquirem no contacto com os colegas ou nas conversas de corredor" e que isso "vai afectar a sua capacidade de acumulação de capital humano no início da carreira, que é fundamental para os ganhos que vai ter no futuro".

Para responder a estes desafios, Octavia Goredema defende que as empresas devem incentivar a partilha de conhecimentos entre os trabalhadores séniores e jovens – e vice-versa; criar oportunidades de "observar e aprender", permitindo que os mais novos acompanhem os mais velhos em reuniões; ou definir momentos, durante o horário de expediente, que permita que os trabalhadores coloquem questões de modo informal e fora das reuniões.

Como disse recentemente ao PÚBLICO Maria José Chambel, psicóloga do trabalho e das organizações e professora na Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, a adopção do teletrabalho ou de regimes híbridos tem de ser acompanhada por mudanças nos processos de gestão e de avaliação.

"Não podemos estabelecer uma mudança — permitindo que se trabalhe uns dias em casa e outros na empresa, por exemplo — e pensarmos que tudo o resto fica igual. Se tudo o resto ficar igual, vamos funcionar mal. Temos de adaptar a gestão das pessoas a estes novos formatos", desafiava.

Sabia que...

Nem todo o trabalho em casa é considerado teletrabalho? O conceito está previsto na lei e implica a prestação de trabalho a partir de casa ou de outro local não determinado pelo empregador com recurso a tecnologias de informação e comunicação.

 


Trabalho Extra

Semana de quatro dias deixa marca nas empresas

O projecto-piloto da semana de quatro dias terminou em Novembro e deixou uma marca nas empresas em Portugal. Das 21 que participaram, apenas nove voltaram atrás ou vão reformular o modelo e a maioria vai manter a semana de trabalho mais curta adaptada à sua realidade. O Time Out Day, uma bolsa de horas, reuniões mais curtas e momentos em que os trabalhadores não podem ser interrompidos são algumas das heranças do projecto, cujo relatório final ainda não se conhece.

Assédio laboral: queixas não espelham realidade

As queixas por assédio laboral não espelham a realidade que se vive em Portugal. Entre 2018 e 2023, a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) registou 28 queixas por assédio moral e nenhuma por assédio sexual, mas o atendimento presencial ou telefónico chegou a 79 pessoas. Muitas denúncias não são formalizadas porque, para isso acontecer, é necessário que o trabalhador dê autorização para que a entidade contra quem fez a queixa seja contactada.

As mulheres e o teletrabalho

Os homens e as mulheres não vêem o teletrabalho da mesma forma. O tema foi tratado recentemente no Financial Times, onde, num artigo de opinião, se pergunta se o teletrabalho é bom para as mulheres. No caso das americanas, elas têm mais propensão para trabalhar remotamente e a principal razão é por quererem evitar deslocações. O problema é que isso leva a que aceitem salários mais baixos, com impactos na sua carreira.