Motins na Nova Caledónia devido a reforma eleitoral votada em Paris
Autoridades policiais da região impuseram um recolher obrigatório após os protestos sobre a reforma eleitoral a ser discutida na metrópole francesa se terem tornado violentos
Vários motins surgiram na madrugada de segunda para terça-feira contra uma controversa reforma eleitoral do território ultramarino francês da Nova Caledónia, no oceano Pacífico, em discussão no Parlamento francês. Os motins levaram à imposição de um recolher obrigatório nocturno na região, após disparos e agressões a polícias e ataques com fogo posto a vários estabelecimentos na zona da capital, Nouméa.
De acordo com o órgão de comunicação francês FranceInfo, 54 membros das forças policiais ficaram feridos e 82 pessoas foram presas nos últimos dias. Para além disso, cerca de 30 fábricas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais foram incendiados.
Os motins estão relacionados com o descontentamento já existente nas forças independentistas da região pela revisão constitucional proposta pelo Governo francês e apoiada pelo Presidente Emmanuel Macron, que tinha prometido uma alteração ao estatuto regional na última visita ao território, em Julho do ano passado.
Segundo o alto-comissário da República na Nova Caledónia, Louis Le Franc, citado pela France 24, foram disparados tiros contra elementos da guarda militar “com armas de calibre alto e espingardas de caça”. Apesar disto, não se registaram quaisquer mortes.
Para tentar colmatar a situação, foram proibidos os ajuntamentos, a posse de armas e a venda de álcool, que foi considerado como um factor para os tumultos pelo general Nicolas Matthéos, chefe da polícia militarizada francesa no território. Também o aeroporto e os estabelecimentos de ensino da região foram encerrados.
Os líderes dos principais partidos independentistas, que formam uma coligação no governo regional, apelaram ao diálogo como forma de resolver o conflito.
O líder parlamentar do grupo União Caledoniana-Frente de Libertação Nacional Kanak e Socialista (UC-FLNKS), Pierre-Chanel Tutugoro, afirmou que a situação lhe lembrava o passado de violência ocorrida na região no século passado e que não podiam “fechar os olhos ao que se passava”, segundo a televisão francesa ultramarina La 1ere.
Já o presidente do grupo parlamentar do União Nacional para a Independência (UNI), Jean-Pierre Djaïwé, disse que não estavam “satisfeitos com o que aconteceu”. “A partir do momento em que o debate se desloca das instituições e dos representantes eleitos para as ruas, torna-se complicado. Precisamos de declarações de intenções claras para que as acções no terreno, por vezes necessárias, sejam suficientemente controladas e não se transformem em qualquer outra coisa”, acrescentou Djaïwé, citado pela La 1ere.
O primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, citado pela Reuters, afirmou que a prioridade do Governo era de "restaurar a ordem e a calma". Disse ainda que "a violência nunca é justificada". Já o ministro francês do Interior e do Ultramar, Gerald Darmanin, afirmou que estavam a enviar reforços policiais.
A proposta de revisão constitucional em discussão na Assembleia Nacional em Paris, a 17 mil quilómetros de Nouméa, envolve uma reforma das provisões estabelecidas pelo acordo assinado nessa mesma cidade da Nova Caledónia em 1998 e que estabelecia um congelamento das listas nas eleições regionais às pessoas com residência comprovada entre 1988 e 1998 ou que sejam descendentes de pessoas que atingem estes critérios.
As provisões do acordo de Nouméa foram inseridas, em 1998, na Constituição francesa, pelo que, para alterar as regras face ao eleitorado da Nova Caledónia, tem de se iniciar uma revisão constitucional que requer a aprovação do projecto com as duas câmaras da legislatura francesa reunidas conjuntamente na forma de Congresso.
O acordo previa ainda, para além da criação de órgãos regionais especiais e a devolução de poderes, a realização de um referendo sobre a independência da região até 20 anos depois da ratificação, algo que aconteceu em 2018, no qual o “Não” à independência da Nova Caledónia ganhou com cerca de 56% dos votos. A este referendo seguiram-se mais dois referendos em 2020 e 2021, este último boicotado pelos independentistas, o que levou a uma vitória do “Não” com cerca de 96% dos votos.
Já as forças não-separatistas consideram que essas normas do Acordo de Nouméa deixaram de se aplicar. Para a líder do maior grupo parlamentar de centro-direita não-independentista Futuro com Confiança, Virginie Ruffenach, o acordo de 1998 “acabou” e que as listas eleitorais estavam “caducas”, pelo que apoiam a medida de Macron.
Texto editado por Ivo Neto