Jovens: para que ganhem a vida de causas sociais, é preciso “capacitar os empreendedores”

As causas sociais podem ser um trabalho a tempo inteiro, mas é crucial encontrar financiamento através da constante inovação das iniciativas. A economia social torna-se cada vez mais importante.

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A terceira sessão desta edição das conferências PSuperior teve lugar nesta terça-feira em Évora Andreia Relvas
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Viver do trabalho social é possível, mas para isso é preciso capacitar os empreendedores para que tornem os seus empreendimentos de inovação social em projectos economicamente sustentáveis. A terceira sessão da quinta edição das conferências do PSuperior decorreu esta terça-feira, no Centro de Inovação Social, em Évora. Tema: “Quero mudar o mundo. Posso ganhar a vida dedicando-me a causas sociais?”

Participaram no debate Ana Beatriz Calado, da Associação Académica da Universidade de Évora; Gertrudes Saúde Guerreiro, professora da Universidade de Évora; Susana Pedro, fundadora da Sociedade do Bem, e Rita Rosado, criadora do jogo Un-Hu.

A moderadora, Bárbara Wong, jornalista do PÚBLICO, deu início ao debate citando um inquérito da Confederação Portuguesa do Voluntariado, feito em 2022, que indica que os distritos de Évora, de Beja e da Guarda são aqueles onde os jovens portugueses praticam voluntariado com mais intensidade. “Os jovens no interior têm a vontade de mudar o mundo porque, às vezes, se sentem um pouco injustiçados perante o que existe no resto do país”, disse Ana Beatriz Calado.Nós olhamos para quem está ao nosso lado de uma forma diferente, damos mais atenção ao outro, mais cuidados, e isso acaba por influenciar aquilo que nós fazemos."

Gertrudes Saúde salientou que o trabalho em causas sociais é especialmente importante no interior do país. “No interior, a densidade populacional é mais baixa, o que faz com que as pessoas percebam melhor as necessidades do outro. Provavelmente, esta proximidade leva os jovens a trabalharem para a comunidade, a quererem provocar a mudança ao seu redor, ganhando, ao mesmo tempo, experiência”, e pensando em projectos que possam vir a fazer parte da sua vida, afirmou.

A professora da Universidade de Évora acredita que sim, é possível os jovens ganharem a vida com causas sociais. “Em outros países há provas de que pode ser feito. Aqui, ainda se acredita que estes projectos não são capazes de se autonomizar economicamente. O que temos de fazer é estudar o que é feito em outros países e capacitar o empreendedor para que consiga fazer do trabalho social a sua vida. Em Portugal, estamos num bom caminho”, disse.

“Eu até não gosto de chamar ‘voluntariado’ ao trabalho social, porque pode começar com um cariz voluntário, mas temos de encontrar formas de remunerar os jovens e fazer com que eles consigam sustentar a sua vida através das causas sociais”, insistiu Gertrudes Saúde.

Em Portugal, já há projectos de voluntariado que se tornaram trabalhos a tempo inteiro. Um exemplo é o programa Un-Hu, fundado por Rita Rosado, responsável pelo jogo que tem o mesmo nome e que tem o objectivo de promover competências socioemocionais em todas as idades.

“A palavra ‘Un-hu’ vem de Zimbabwe e significa ‘eu sou porque tu és’, é a relação com o outro, porque a nossa existência não é possível sem o outro. Tive a ideia de criar um jogo com tudo o que eu tinha feito anteriormente sobre competências socioemocionais durante um voluntariado no Brasil e, desde 2023, estamos duas pessoas a trabalhar a tempo inteiro no projecto”, explicou Rita Rosado.

Financiamento e criatividade

Já a iniciativa de Susana Pedro, a Sociedade do Bem, nasceu em 2015 num curso de empreendedorismo da Fundação Eugénio de Almeida. Actualmente, a associação tem 11 pessoas que ali trabalham a tempo parcial. “O projecto visa desenvolver as competências sociais e emocionais, em contexto escolar e em colaboração com os professores”, afirmou Susana Pedro, professora de profissão.

O segredo da sustentabilidade financeira em projectos de trabalho social passa pela criatividade e a renovação constante do trabalho, disseram as conferencistas.

“É importante pensar em fazer projectos que possam dar retorno financeiro, como a venda de livros sobre educação emocional que fazemos na Sociedade do Bem. Os prémios também são importantes, não são o primordial, mas dão visibilidade para conseguir que os projectos continuem. Também é crucial fazer candidaturas a subsídios que permitam dar, durante um determinado tempo, uma estabilidade financeira aos projectos, mas, como não há subsídios que durem para sempre, é necessário ter a criatividade para tentar novas abordagens e fazer novas iniciativas para fazer com que a associação continue”, explicou Susana Pedro.

Rita Rosada pensa que “não é suficiente ter a vontade de mudar o mundo”. “É preciso ter uma série de valências [para que as iniciativas funcionem]. Quando nós começámos, em 2019, tínhamos o financiamento, mas foi muito difícil entrar nas escolas. Em 2024, as coisas estão bastante diferentes, as escolas estão bastante receptivas, mas o problema é o financiamento. É sempre uma incerteza, mas, quando fazemos algo que nos apaixona, vale a pena”, disse a criadora do jogo Un-Hu.

"A felicidade do outro”

As conferencistas destacaram a importância dos projectos de inovação social tanto para o bem-estar das comunidades como o dos próprios voluntários. “As start-ups numa causa social outorgam uma coisa que start-ups tecnológicas não nos dão: a felicidade do outro. Muitas pessoas vão aos voluntariados pelo currículo, mas nestas actividades podemos dar um pouco de nós ao outro e isso a tecnologia não o proporciona”, disse Ana Beatriz Calado, presidente da Associação Académica de Évora.

Gertrudes Saúde confirmou que há uma preocupação nos estudantes de ter a participação em projectos de voluntariado no currículo, mas nem todos os alunos podem participar em projectos que exijam capacidade financeira. “Nem todos podem fazer voluntariado extrafronteiras, mas em Portugal temos muitas coisas para fazer, não é preciso sair para ter uma experiência de ajudar o outro”, afirmou a professora da Universidade de Évora.

A professora também salientou a importância da economia social na sociedade. “Foi sempre fundamental, mas agora aumentou porque se tipificou o conceito e porque se percebeu que, embora o Estado intervenha na economia para garantir o bem-estar social, não consegue resolver todos os problemas. A economia social aparece para complementar a intervenção do Estado, também por isso é importante que o Estado apoie estes projectos. Mas, na minha opinião, as iniciativas têm depois de conseguir crescer além desse apoio público” disse Gertrudes Saúde.

“Muitas vezes o poder central está mais longe das realidades sociais do interior do país, há problemas aqui que não há em Lisboa ou no Porto. A comunidade do interior [cria projectos porque] percebe que podem ser eles a complementar o trabalho que o Estado e os municípios muitas vezes não conseguem fazer”, afirmou ainda a professora da Universidade de Évora.

Como criar projectos sociais? Rita Rosado, criadora do jogo Un-Hu, recomenda “começar devagar”. “Transformar a casa, na aldeia, na comunidade, começar devagar. Acho que é possível fazer aquilo que apaixona as pessoas” disse.

Susana Pedro, fundadora da Sociedade do Bem, pensa que “é importante acreditar que o projecto faz sentido e que há um problema que se pode resolver”. “Quando se sente paixão por um projecto grande, as pessoas se contagiam. Pensar passo a passo, pensar localmente no que se pode fazer”, afirmou.

Já Gertrudes Saúde acredita que é importante não deixar morrer a ideia e, se for preciso, pedir ajuda financeira e organizacional para colocar em prática o projecto. “Portugal ainda tem de trabalhar na avaliação de projectos já desenvolvidos. Deixamos muitas ideias cair que poderiam manter-se, são apoiadas momentaneamente e, quando se acaba o financiamento, acaba-se o projecto”, afirmou a professora.

Texto editado por Andreia Sanches

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