Medina nega ter forçado o fundo das pensões a comprar mais dívida

Ex-ministro acusa a UTAO de cometer um “erro” ao pensar que o anterior Governo instruiu o Fundo de Estabilização Financeira a comprar mais dívida. Percentagem manteve-se quase igual à de 2022.

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Fernando Medina foi chamado pelo CDS a dar explicações sobre a evolução da dívida pública MANUEL DE ALMEIDA / LUSA
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O ex-ministro das Finanças Fernando Medina rejeita a ideia de que o anterior Governo deu indicações ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS) para comprar mais dívida pública no final do ano passado, de forma a fazer baixar o rácio de endividamento público para um patamar inferior a 100% do Produto Interno Bruto (PIB). E acusa a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) de fazer uma afirmação “falsa”, ao assumir que o anterior executivo de António Costa deu orientações políticas nesse sentido e com esse objectivo.

Medina está a prestar esclarecimentos no Parlamento, na Comissão de Orçamento e Finanças, a pedido do CDS-PP, não enquanto actual deputado do Partido Socialista, mas na qualidade de ex-titular da pasta das Finanças no Governo de António Costa, sobre a forma como o rácio da dívida pública diminuiu para 99,1% do PIB no final do ano passado, baixando 13,3 pontos percentuais em relação ao final de 2022.

Tudo porque, num relatório divulgado no início de Abril, a UTAO sublinhou que o valor da dívida pública, calculado de acordo com a óptica do Tratado de Maastricht, se encontra “influenciado” pelo facto de “entidades em todos os subsectores públicos serem investidores em parcelas significativas de dívida pública portuguesa”, já que, segundo as regras europeias, os títulos que estão nas mãos de entidades públicas nacionais não contam para o valor do endividamento, por se considerar que é o Estado que deve a si próprio.

Como, em 2023, o montante dos fundos da Segurança Social colocado em títulos de dívida pública aumentou em 4400 milhões de euros, os partidos que suportam o actual Governo (PSD e o CDS-PP) acusam Medina de ter recorrido a um “truque” para fazer baixar a dívida pública e apoiam-se no relatório da UTAO, por esta afirmar que, tendo isto em conta, “a diminuição da dívida pública é artificial, pois a obrigação de servir a dívida detida por entidades públicas permanece para os contribuintes” (mesmo que o devedor seja o Estado perante os fundos da Segurança Social).

Medina diz ser “falsa a afirmação que consta do documento da UTAO” de que houve uma “orientação política” para o FEFSS reforçar a compra de dívida pública, explicando que a percentagem aplicada permaneceu igual.

“Não houve, durante o anterior Governo, em nenhum momento, em nenhum ano em que exerci funções como ministro das Finanças, qualquer indicação, orientação – qualquer sensibilização – para que houvesse uma utilização de fundos adicionais da Segurança Social, que disso resultasse uma utilização maior de fundos da Segurança Social na compra da dívida pública portuguesa”, afirmou Fernando Medina. Não há qualquer maquilhagem das contas, diria mais tarde, já no final da audição.

Se a 31 de Dezembro de 2022, 54% dos fundos do FEFSS estavam aplicados em títulos de dívida pública portuguesa, um ano depois, a 31 de Dezembro de 2023, a percentagem era igualmente “de 54,55%”, ou seja, “quase exactamente o mesmo valor”, contrapôs Medina.

Esta percentagem, acrescentou, está perto do patamar mínimo que ficou definido numa portaria do Governo de José Manuel Durão Barroso como o mínimo a estar concentrado em dívida pública nacional. Por isso, Medina considera ser “falsa” a acusação de que houve uma “utilização adicional” da percentagem afecta à compra de títulos de dívida pública porque ela “é exactamente a mesma”. E reforçou: “Não houve nenhuma orientação política, nenhuma determinação política, não houve nenhum despacho [nesse sentido].”

O que a UTAO afirma no relatório é que o decreto-lei de execução orçamental deste ano de 2024 obriga o FEFSS a manter no balanço do primeiro trimestre “o mesmo valor nominal em instrumentos da dívida pública portuguesa que detinha a 31 de Dezembro de 2023” e, como até 2018 não houve “disposições semelhantes” nos outros decretos anuais, os técnicos da unidade que presta apoio em matéria orçamental ao Parlamento viram nessas determinações “uma prova da orientação política conducente a uma redução no valor da dívida pública de Maastricht sem ser por redução no stock da dívida viva”. É esta a afirmação que Medina considera um “erro”, porque o aumento do investimento resulta directamente do crescimento da dimensão de activos do próprio FEFSS.

O fundo da Caixa Geral de Aposentações (CGA) também investiu mais cerca de 3000 milhões de euros em dívida pública, porque, neste caso, “todos os fundos” têm de estar aplicados em dívida pública portuguesa e em 2023 a CGA passou a ter os activos do fundo de pensões da Caixa Geral de Depósitos, assumindo a responsabilidade de “pagamento das pensões futuras”.

130 milhões em dividendos extras

Na mesma audição, Medina foi ainda confrontado com o facto de as entidades públicas Águas de Portugal (AdP), Imprensa Nacional Casa da Moeda (INCM) e Navegação Aérea de Portugal (NAV Portugal) terem sido chamadas a distribuir resultados à esfera pública através da antecipação de dividendos.

Medina lembrou que, relativamente a um universo de 140 empresas públicas, o Estado fez durante 2023 uma série de operações de injecções de capital de 2965,4 milhões de euros e, relativamente às empresas que geraram resultados, o Estado solicitou o pagamento de 130 milhões de euros em dividendos extraordinários. Foram solicitados 100 milhões à Águas de Portugal, 20 milhões à NAV e dez milhões à INCM, confirmou o ex-ministro, dizendo que os pedidos foram feitos depois de uma análise à condição financeira de cada empresa.

O pagamento dos dividendos extras, disse, não poderia pôr em causa três indicadores: era obrigatório que o rácio de endividamento continuasse a não superar quatro vezes o EBITDA (lucros antes de juros, impostos, depreciações e amortizações); que o rácio de liquidez geral (activo corrente sobre passivo corrente) não fosse inferior a 0,9%; e que o capital próprio não fosse inferior a metade do capital social.

Segundo estes critérios, o valor disponível para pagamento de dividendos extraordinários por parte das três empresas era da ordem dos 400 milhões, mas, ainda assim, o valor transferido foi de 130 milhões.

Relativamente à AdP, Medina concorda com a decisão que o actual Governo tomou de travar o aumento de capital que a empresa queria ver aprovado na assembleia geral de Abril. O ex-governante considera que não aprovar o aumento de capital por parte do Governo de Montenegro foi “a decisão correcta”, questionando para que “fim" precisava a empresa desse montante, se tem “uma situação financeira confortável” e não estava aprovado pelo Ministério das Finanças qualquer “plano de investimentos até 2031”.

Medina rejeitou ainda que tenha sido a redução da dívida a razão pela qual solicitou aqueles pagamentos extras. “Com os 130 milhões pagos [o rácio da dívida pública] é de 99,1%; sem os 130 milhões, era de 99,1%”, contrapôs.

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