Redes de pesca incorporadas em corais vivos descobertas em Portugal

Estudo analisa a incorporação de materiais de pesca perdidos ou abandonados – tais como linhas sintéticas, filamentos e até redes – na estrutura do coral-laranja, ao longo da costa portuguesa.

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Coral-laranja (Dendrophyllia ramea), na costa de Portugal MARE/ARNET
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A incorporação de redes de pesca no esqueleto de corais vivos foi detectada, pela primeira vez no mundo, em Portugal – mais especificamente, em Sines e Cascais –, por um grupo de investigadores do Centro de Ciências do Mar e do Ambiente (Mare). O estudo foi publicado este mês na revista científica Marine Pollution Bulletin pelos investigadores do Mare e da Rede de Investigação Aquática (Arnet) Sónia Seixas, João Parrinha, Pedro Gomes e Filipa Bessa.

Já se conheciam, até há data, exemplos de corais emaranhados em redes. Porém, a sua incorporação em matéria viva é inédita, de acordo com um comunicado do Mare sobre o estudo.

A investigação centrou-se nos corais duros existentes na costa portuguesa, designados corais de água fria. Estes diferem das espécies de água quente por não terem organismos fotossintéticos incorporados (zooxantelas).

O comunicado do Mare destaca que o coral-laranja (Dendrophyllia ramea), embora seja desconhecido da maior parte do público, “é um dos mais vistosos”. “Tem uma estrutura arborescente cor de laranja com pólipos brancos e chega a ter um metro [de altura]. Está classificado como estando em perigo, sendo os locais onde habita considerados ecossistemas vulneráveis e com prioridade para protecção”, acrescenta a nota.

No estudo, os autores afirmam que “a poluição causada pelos plásticos constitui uma preocupação global e social, especialmente devido ao equipamento de pesca abandonado, que ameaça os ambientes do fundo do mar, como os recifes de coral”.

Esta investigação centra-se, portanto, na incorporação de equipamentos de pesca perdidos ou abandonados – especificamente linhas sintéticas e filamentos – na estrutura do coral-laranja , ao longo da costa de Portugal, no Nordeste do oceano Atlântico. No total, a equipa analisou 115 fragmentos e ramos de Dendrophyllia ramea, recuperados por pescadores de Sines e Cascais, a profundidades de cerca de 100 metros, ao longo de 2022 e 2023.

Perda de redes de pesca continua a ocorrer

“Em tempos passados, o abandono de redes de pesca no mar era uma prática frequente. Felizmente, hoje já é raro, mas a perda de redes continua a ocorrer. Estas redes e fios de pesca, de plástico, ficam no fundo do mar, tapando muitas espécies como os corais, o que geralmente leva à sua danificação e morte”, começa por explicar, citada em comunicado, Sónia Seixas, investigadora do Mare e também professora da Universidade Aberta.

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Dendrophyllia ramea MARE/ARNET

O estudo acrescenta que, “actualmente, os pescadores em Portugal já não descartam os materiais de pesca no mar como faziam no passado, devido a restrições nacionais”. “No entanto, apesar desta regulamentação, continuam a ocorrer acidentes que levam à perda e ao abandono dos equipamentos de pesca.”

Os espécimes analisados foram “capturados inadvertidamente por pescadores locais em Sines e Cascais, com 6% [dos corais] a apresentarem filamentos na sua estrutura, o que levanta questões sobre o seu potencial impacto na saúde dos corais”, revela o artigo científico.

Sónia Seixas acrescenta, em comunicado, que a equipa verificou que esta espécie de coral “incorpora na sua estrutura essas redes ou linhas de plástico, à medida que vai crescendo” – algo que não tinha sido ainda encontrado reportado na literatura científica. “Como este coral cresce lentamente, acreditamos que em alguns casos as redes sejam antigas”, diz.

Conservação: a palavra-chave

A equipa do Mare encontra-se agora a estudar as consequências deste fenómeno, que são ainda desconhecidas. E sublinha que, até à data, não havia registos semelhantes – o que significa que esta é a primeira vez no mundo que se regista este fenómeno.

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Espécimes foram capturados por pescadores locais em Sines e Cascais MARE/ARNET

“Dos corais que observámos, 6% tinham fios incorporados, sendo nalguns visíveis os nós das redes. Ainda não sabemos se isto prejudica o coral – em breve realizaremos mais estudos para determinar o seu efeito”, conclui Sónia Seixas. A compreensão das interacções entre os plásticos, os equipamentos de pesca e os corais é, frisa o estudo, “importante para o desenvolvimento de estratégias de conservação”.

Os investigadores destacam, portanto, “a necessidade de melhorar as medidas destinadas a reduzir o impacto dos equipamentos de pesca nos corais” e salientam a importância da utilização de materiais de pesca biodegradáveis e da adopção de “iniciativas de recuperação de materiais de pesca perdidos”. Além disso, a equipa alerta para “a necessidade urgente de comunicar estas questões tanto aos pescadores como às partes interessadas”. E conclui: “É crucial dar prioridade à salvaguarda e conservação destes habitats para garantir a existência destes corais e a sua contribuição contínua para o bem-estar dos ecossistemas marinhos.”

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Linhas sintéticas e filamentos de materiais de pesca na estrutura do coral-laranja MARE/ARNET