As promessas de Trump aos executivos do petróleo a troco de mil milhões de dólares

Donald Trump está a cortejar a indústria petrolífera para financiar a sua candidatura à reeleição para a presidência dos EUA, prometendo reverter conquistas da agenda ambiental de Biden.

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Trump durante uma visita a uma exploração petrolífera no Texas, em 2020 Carlos Barria/REUTERS,Carlos Barria/REUTERS
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Donald Trump convidou alguns dos principais executivos do sector petrolífero norte-americano para o seu clube de Mar-a-Lago, na Florida, em Abril. Um deles queixou-se de que continuava a ter de enfrentar regulamentações ambientais que limitavam a sua actividade, apesar de a sua companhia ter gasto 400 milhões de dólares para fazer lobby junto da administração Biden no último ano.

A resposta do candidato do Partido Republicano às eleições presidenciais de Novembro surpreendeu vários executivos presentes, numa sala com vista para o oceano: "Vocês são suficientemente ricos para angariarem mil milhões de dólares para me levarem de volta à Casa Branca."

Durante o jantar, Trump prometeu reverter imediatamente dezenas de regulamentos e políticas ambientais postos em prática pelo Presidente Joe Biden, candidato à reeleição pelo Partido Democrata, e impedir a adopção de novos, de acordo com pessoas com conhecimento da reunião, que falaram sob condição de anonimato para descrever uma conversa privada.

Segundo estas fontes, dar mil milhões de dólares para a candidatura seria um "bom negócio", disse Trump, devido aos impostos e à regulamentação que evitariam se for eleito.

O discurso notavelmente directo e transaccional de Trump revela como o antigo Presidente está a visar a indústria petrolífera para financiar a sua candidatura à reeleição.

Ao mesmo tempo, recorreu à indústria para ajudar a moldar a sua agenda ambiental para um segundo mandato, o que inclui reverter algumas das conquistas de Biden em matéria de energia limpa e veículos eléctricos. Tal como já tinha destruído a política ambiental de Barack Obama, a quem sucedeu.

Alterações climáticas: "ameaça" ou "farsa"

O contraste entre os dois candidatos no que respeita à política climática não podia ser mais acentuado.

Biden considerou o aquecimento global uma "ameaça existencial" e, nos últimos três anos, a sua administração finalizou mais de 100 novos regulamentos ambientais destinados a reduzir a poluição atmosférica e as emissões de gases com efeito de estufa, restringir os produtos químicos tóxicos e conservar as terras e águas públicas.

Em comparação, Trump chamou às alterações climáticas uma "farsa", e a sua administração, de 2017 a 2021, enfraqueceu ou eliminou mais de 125 regras e políticas ambientais em quatro anos.

Nos últimos meses, a administração Biden tem andado numa corrida contra o tempo para anular as decisões ambientais de Trump e emitir nova legislação, antes das eleições de Novembro.

Até agora, o Governo Biden anulou 27 deliberações de Trump que afectam a indústria de combustíveis fósseis e concluiu pelo menos 24 novas determinações que afectam o sector, de acordo com uma análise do Washington Post.

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O Presidente Joe Biden finalizou mais de 100 novos regulamentos ambientais para reduzir a poluição atmosférica e as emissões de gases com efeito de estufa, restringir químicos tóxicos e conservar terras e águas públicas MICHAEL REYNOLDS/EPA

O Departamento do Interior, por exemplo, bloqueou recentemente os planos para a exploração de petróleo em 5,2 milhões de hectares do Árctico, no estado do Alasca.

Apesar das queixas da indústria petrolífera sobre as políticas de Biden, os Estados Unidos estão agora a produzir mais petróleo do que qualquer outro país alguma vez produziu. Extraíram quase 13 milhões de barris por dia, em média, no ano passado.

À espera de mais lucros ainda

A ExxonMobil e a Chevron, as maiores empresas de energia dos EUA, registaram no ano passado os seus maiores lucros anuais numa década.

No entanto, antevê-se que, numa segunda administração Trump, os gigantes do petróleo terão uma vantagem ainda maior ajudados por novas perfurações offshore, autorizações mais rápidas e outros regulamentos mais flexíveis, disse o ex-Presidente aos executivos durante o jantar de hambúrguer em Mar-a-Lago.

Trump prometeu acabar imediatamente com o congelamento das licenças para novas exportações de gás natural liquefeito (GNL) determinado pela administração Biden. Esta é uma das principais prioridades dos executivos das petrolíferas, de acordo com três pessoas presentes. "Vocês vão conseguir isso no primeiro dia", assegurou Trump, disseram alguns participantes no encontro.

Trump disse aos executivos que iria começar a leiloar mais concessões para a extracção de petróleo no Golfo do México, uma prioridade que vai ao encontro dos desejos manifestados por vários dos executivos presentes.

O candidato republicano criticou a energia eólica, e disse que iria reverter as restrições à perfuração no Árctico. "Há cinco anos que estão à espera de uma autorização; vão tê-la no primeiro dia", disse Trump aos executivos, de acordo com a recordação do participante. Na sua presidência, autorizou prospecção petrolífera no Árctico e no Atlântico.

Irritar a indústria automóvel

No jantar, Trump também prometeu que eliminaria as regras da administração Biden para a redução de emissões de gases com efeito de estufa que obrigarão, na prática, a que 56% dos veículos novos vendidos nos Estados Unidos em 2032 sejam eléctricos.

As regras que a Agência de Protecção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) finalizou recentemente exigem que os fabricantes de automóveis reduzam as emissões dos tubos de escape dos carros, embora não exijam uma tecnologia específica, como os veículos eléctricos. Trump classificou estas regras como "ridículas" na reunião com os potenciais doadores.

A indústria dos combustíveis fósseis tem feito um lobbying agressivo contra as regras da EPA para as emissões dos veículos, que poderiam afectar a procura dos seus produtos petrolíferos.

A American Fuel & Petrochemical Manufacturers, um grupo comercial da indústria, lançou uma campanha no valor de sete dígitos contra aquilo a que chama uma "proibição de facto dos carros a gasolina". A campanha inclui anúncios em estados que são campos de batalha eleitorais, lançando a mensagem de que a regulamentação restringe a escolha dos consumidores.

No entanto, embora a revogação da regra da EPA beneficie a indústria dos combustíveis fósseis, é provável que irrite a indústria automóvel, que investiu milhares de milhões de dólares para fazer a transição dos carros a gasolina para outros tipos de motores.

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Numa segunda administração Trump, os gigantes do petróleo terão a vida mais facilitada e verão os seus lucros aumentar - é essa a mensagem que o candidato passa Nick Oxford/REUTERS

Muitos fabricantes de automóveis estão sob pressão crescente para vender mais veículos eléctricos na Europa, que reforçou as suas próprias regras em matéria de emissões de gases de escape, e estão ansiosos por evitar uma manta de retalhos de regulamentos em todo o mundo.

"Os fabricantes de automóveis precisam de um certo grau de certeza na regulamentação por parte do Governo", disse John Bozzella, presidente e director executivo da Aliança para a Inovação Automóvel, que representa a Ford, a General Motors, a Stellantis, a Toyota e outras empresas automóveis.

"Em vez disso, o que tem surgido é uma revogação em massa... e depois a reintegração... e depois a revogação de novo de regulamentos de quatro em quatro ou de oito em oito anos", disse Bozzella num email.

As políticas de Biden para os veículos eléctricos também suscitaram oposição em estados rurais liderados pelos republicanos, como o Dakota do Norte, onde há muito mais bombas de petróleo do que estações de carregamento.

Uma figura-chave que lidera o desenvolvimento da política energética da campanha de Trump é o governador do Dakota do Norte, Doug Burgum, que tem falado extensivamente com doadores de petróleo e CEO de empresas petrolíferas. Numa angariação de fundos no sábado passado em Palm Beach, na Florida, Burgum disse aos doadores que Trump iria travar o "ataque" de Biden aos combustíveis fósseis, de acordo com uma gravação obtida pelo The Post.

"Qual seria a primeira coisa que o Presidente Trump poderia fazer no primeiro dia? Parar o ataque hostil contra toda a energia americana, e estou a falar de toda", disse Burgum, um possível candidato para liderar o Departamento de Energia num segundo mandato de Trump. "Quer se trate de electricidade de base, quer se trate de petróleo, quer se trate de gás, quer se trate de etanol, há um ataque aos combustíveis líquidos."

A campanha de Biden recusou-se inicialmente a comentar este artigo. No entanto, após a sua publicação, o porta-voz da campanha de Biden, Ammar Moussa, afirmou num comunicado que "Donald Trump está a vender as famílias trabalhadoras às grandes petrolíferas em troca de cheques de campanha. É tão simples quanto isso."

"Não interessa a Trump que as empresas petrolíferas e de gás cobrem às famílias trabalhadoras e aos americanos da classe média o que quiserem, enquanto obtêm lucros recorde se Donald puder descontar um cheque, fará o que eles dizem", acrescentou Moussa.

"Drill, baby, drill"

Apesar do enorme pedido de angariação de fundos de Trump, os doadores do petróleo e os seus aliados ainda não doaram centenas de milhões à sua campanha.

Contribuíram com mais de 6,4 milhões de dólares para o comité conjunto de angariação de fundos de Trump nos primeiros três meses deste ano, de acordo com uma análise do grupo de defesa Climate Power. O bilionário do petróleo Harold Hamm e outros estão a programar uma angariação de fundos para Trump lá mais para o fim do ano, disseram.

Uma pessoa envolvida na indústria disse que muitos executivos do petróleo preferiam que o candidato a desafiar Biden fosse o governador da Florida, Ron DeSantis, ou qualquer outro republicano que não Trump. Mas agora que Trump é o nomeado, disse essa pessoa, vão abraçar as suas políticas e pagar.

Dan Eberhart, director executivo da empresa de serviços petrolíferos Canary e um doador de Trump, disse que a investida republicana de donativos não era surpreendente. "Biden está constantemente a atirar um cobertor molhado à indústria do petróleo e do gás", disse Eberhart. "A filosofia 'drill, baby, drill' de Trump alinha-se muito melhor com o sector petrolífero do que a abordagem de energia verde de Biden. É uma decisão fácil."

Com Trump, "tudo tem um preço", disse Alex Witt, conselheiro sénior para o petróleo e gás da Climate Power. A promessa do candidato republicano é que fará tudo o que a indústria petrolífera quiser se o apoiarem. "A indústria obteve um grande retorno do seu investimento durante o primeiro mandato de Trump, e Trump está a deixar bem claro que o pagamento será ainda maior se ele for reeleito", justificou Witt.

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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