A Descida da Cruz de Domingos Sequeira vai mesmo para o Soares dos Reis
Pintura que esteve em risco de sair do país e acabou adquirida pela Fundação Livraria Lello será mostrada no dia 18 no Mosteiro de Leça do Balio. Depois ficará em depósito no museu nacional portuense.
A pintura de Domingos Sequeira que saiu do país envolta em polémica após uma autorização de exportação emitida pela entretanto extinta Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC) vai mesmo ficar no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, confirma em comunicado a Fundação Livraria Lello, que assegurou a compra da obra em Março na TEFAF (The European Fine Art Fair), a feira de arte e antiguidades de Maastricht, nos Países Baixos.
A pintura, que vai ser mostrada pela primeira vez ao público já no próximo dia 18 no Mosteiro de Leça do Balio, integrará a exposição de longa duração do Soares dos Reis a partir de 1 de Junho. António Ponte, director deste museu cuja colecção de pintura abrange obras que vão do século XVI ao século XX e que tem dez tesouros nacionais no seu acervo, é peremptório: a ida da Descida da Cruz para o museu do Porto “não é uma gota num oceano", havendo um "conjunto de lógicas de enquadramento que justificam a escolha dos proprietários" de ali a depositar, diz ao PÚBLICO.
“A exposição de longa duração do Soares dos Reis já tem patentes quatro óleos e um conjunto significativo de desenhos de Domingos Sequeira”, explica ao PÚBLICO António Ponte. Descida da Cruz juntar-se-lhes-á na mesma sala. Aliás, acrescenta, serão também expostos “desenhos preparatórios” da obra, alimentando um “diálogo” entre a colecção do museu e este valioso novo depósito.
Segundo o acordado entre a empresa pública Museus e Monumentos de Portugal, que tutela o Soares dos Reis, e a Fundação Lello, a obra deverá permanecer no museu por três anos, “numa primeira fase”. O protocolo é renovável pelo mesmo período, se for esse o interesse das partes.
A pintura de Domingos Sequeira (1768-1837) foi posta à venda na TEFAF por decisão do seu então proprietário, Alexandre de Sousa Holstein, que confiou a venda à galeria Colnaghi. Após ter autorizado a sua exportação em Novembro passado, e perante a polémica que essa decisão suscitou, o Estado português tentou ainda adquirir a Descida da Cruz na feira de Maastricht, mas o proprietário não aceitou os 850 mil euros que a Museus e Monumentos de Portugal ofereceu pela obra.
A Fundação Livraria Lello comprá-la-ia logo a seguir por cerca de 1,1 milhões de euros. Já então, e mesmo antes de se saber quem fora o comprador mas existindo a informação pública de que era português e de que tinha interesse em ver a Descida da Cruz num museu nacional, o Soares dos Reis posicionou-se para poder receber a obra, diz António Ponte.
Esta obra do ciclo final do artista português que viria a morrer em Roma vai “fortalecer e enriquecer o núcleo de Domingos Sequeira” do Museu Nacional Soares do Reis, defende o seu director, que recorda que o pintor, bem como o seu correligionário Vieira Portuense (também representado na colecção do museu), foi professor na Academia de Marinha, no Porto. “Os dois são responsáveis pela transformação artística do Porto no final do século XVIII e início do século XIX”, sublinha.
Antes da ida para o Soares dos Reis, "o público vai ter uma oportunidade única para ver, pela primeira vez, a obra de Domingos Sequeira, no Mosteiro de Leça do Balio, sede da Fundação Livraria Lello”, indica a fundação no comunicado agora divulgado.
As visitas têm um tempo limitado e realizam-se mediante inscrição no site da fundação durante a tarde do próprio 18 de Maio. O Dia Internacional dos Museus será assim assinalado duplamente, porque na ocasião será também mostrado o resultado do trabalho de requalificação do mosteiro iniciado em 2021 pelo arquitecto Álvaro Siza – motivo pelo qual as visitas serão conduzidas por estudantes da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto e pela Casa da Arquitectura. O mosteiro voltará a fechar portas e reabrirá a 22 de Junho com programação própria alinhada até ao final do ano.
O caso Descida da Cruz foi inicialmente noticiado pelo semanário Expresso, que divulgou que a DGPC autorizara a sua exportação e considerara inoportuna a sua classificação apesar dos pareceres em contrário que havia solicitado. Depois disso, a pintura, parte de um conjunto de obras de temática religiosa que Domingos Sequeira executou em Roma por volta de 1827-28, foi expedida para Madrid, onde esteve à guarda da galeria Colnaghi, especializada em arte antiga. Daí seguiu para a feira de Maastricht, onde foi finalmente adquirida por uma entidade portuguesa que, mais tarde se viria a saber ter sido a Fundação Livraria Lello.
Até aqui, especulava-se já com alguma segurança que o seu destino próximo seria o Soares dos Reis, o único museu nacional do Porto. Tanto o actual como o ex-director do Museu Nacional de Arte Antiga defenderam porém que a pintura deveria juntar-se, em Lisboa, à Adoração dos Magos, obra tida como da mesma série e adquirida em 2016 através de uma campanha de angariação de fundos para a principal pinacoteca pública do país.