A cepa torta da educação portuguesa

Tarda uma estratégia nacional para resolver o principal problema das nossas escolas: a falta de professores.

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O Decreto-Lei n.º 79/2014, de 14 de Maio definiu os requisitos específicos de acesso e funcionamento dos mestrados em ensino; seguiram-se alguns despachos rectificativos que introduziram novos grupos de recrutamento como o Inglês para o 1.º ciclo e a Língua Gestual Portuguesa; no ano passado, saiu uma alteração profunda do regime de aquisição de habilitação profissional para a docência com o Decreto-Lei n.º 112/2023, de 29 de Novembro, que previa que os novos mestrados em ensino pudessem já funcionar em 2024-25; após este decreto, a A3ES publicou um calendário para os processos de reacreditação de todos os mestrados em ensino em Portugal. Como este último decreto saiu com erros e situações impossíveis de gerir, a A3ES suspendeu o calendário e em Março sai finalmente um novo decreto a corrigir o anterior, o Decreto-Lei n.º 23/2024, de 19 de março. Parece confuso? Acrescente-se que neste momento temos três decretos a regular os mestrados em ensino e nem sequer a um único documento legal consolidado tivemos direito.

Neste momento, não há calendário de reacreditação de todos os cursos de mestrados em ensino, não há qualquer decisão do novo Governo sobre o assunto, não há qualquer vislumbre de um texto legal consolidado e único, não há qualquer pista sobre um plano estratégico nacional para combater a falta de professores, não há qualquer rumor que seja sobre o reforço de financiamento das instituições formadoras de professores, sem o qual é impossível aumentar as cerca de 1500 vagas que anualmente abrem em todos os cursos activos, não há qualquer solução à vista para resolver este grave problema quando sabemos que este ano se prevê que mais de 5000 professores se aposentem, não sabemos nada sobre como vamos enfrentar o próximo ano lectivo quando os números falam por si, e não há um qualquer sinal de que o novo Governo esteja atento à situação, que a compreenda e que para ela seja capaz de desenhar uma solução política e técnica.

Em 2024-25, vamos formar os mesmos professores de anos anteriores e no mesmo formato. Em 2025-26, ninguém sabe o que devemos fazer, porque quem tem de decidir não decide e quem tem de regular não regula. Na verdade, não sei o que dizer ao próximo contingente de mestrandos em ensino, porque não sei que futuro lhes está autorizado. Já não é confusão, é uma grande frustração por este país arriscar que o seu ensino público ameace implodir e que as escolas públicas (mas também as privadas) sejam empurradas para um precipício, porque a matéria-prima humana essencial não existe em número e em qualidade suficientes.

Tarda uma estratégia nacional para resolver o principal problema das nossas escolas: a falta de professores. Em outros países europeus com o mesmo problema, vão aparecendo várias soluções: por exemplo, o governo alemão está a investir 5 mil milhões de euros em medidas para aumentar o número de professores, incluindo aumentos salariais e bolsas de estudo; o presidente francês Emmanuel Macron prometeu aumentar os salários dos professores em 10% até 2027; a Finlândia está a investir na formação inicial de professores, oferecendo cursos universitários gratuitos e proporcionando mais oportunidades de prática aos futuros professores; a Dinamarca está a aumentar o número de vagas nos cursos de formação de professores e a oferecer incentivos financeiros aos candidatos.

Esta situação trágica era previsível há mais de dez anos, pelo menos, em Portugal. De governo em governo, vamos sempre tendo esperança de que alguém tenha força política suficiente para falar da educação como um investimento nacional urgente, e não como um problema orçamental complexo ou uma despesa que tem de se adiar até ao próximo Orçamento do Estado, na esperança de que se desfaça no ar por culpa alheia.

Na vida real dos nossos dias, as escolas vão tendo cada vez menos professores, as instituições de ensino superior não conseguem aumentar as vagas para formar mais professores (enquanto os candidatos estão a aparecer e a aumentar, mas a ficarem de fora do contingente que é possível admitir!), os professores deslocados continuam a ser os únicos funcionários públicos que nunca tiveram direito a um “subsídio de compensação”, por exemplo, idêntico àquele que os magistrados judiciais conseguiram em 2019 (“compensação pelas especificidades próprias da função prestação de trabalho em regime de disponibilidade e exclusividade absolutas) e de subsídio equiparável a ajudas de custo (devido pela não atribuição efectiva de casa habitação adequada), calculado nessa altura em €875 – em condições em tudo idênticas à profissão docente, sobretudo dos professores deslocados da sua área de residência e que constitui um factor chave para entender a falta de atractividade da profissão do ponto de vista dos jovens.

Chegámos àquele ponto em que o melhor optimismo se estilhaça por completo quando votamos por algo melhor e não saímos da cepa torta.

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