Misteriosas bolhas no interior da Terra terão desencadeado a tectónica de placas

Os cientistas ainda não estão de acordo sobre a origem da tectónica de placas, que suscita muito debate na comunidade científica. Um artigo científico traz agora à baila um novo modelo de explicação.

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O planeta Terra, a nossa casa cósmica NASA
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Há cerca de 4500 milhões de anos, um objecto da dimensão de Marte embateu na Terra recém-formada, originando a nossa própria Lua. Agora, uma equipa de cientistas propõe que este impacto gigante fez ainda mais: a colisão deixou para trás misteriosas bolhas no interior da Terra que podem ter ajudado a dar início à tectónica de placas o processo geológico que alimenta os terramotos, os vulcões e, de um modo geral, permite a existência de vida no nosso planeta.

A ideia, desenvolvida com recurso a modelos informáticos num novo estudo publicado na revista Geophysical Research Letters, é uma tentativa de responder a uma das questões mais fundamentais sobre a nossa casa planetária.

Vivemos no único planeta conhecido por ter uma superfície constituída por placas rochosas que deslizam e chocam umas contra as outras nas zonas de fronteira, à medida que o interior superaquecido se movimenta. Este drama subterrâneo passa normalmente despercebido à escala do tempo humano, excepto quando ocorre um terramoto ou um vulcão entra em erupção. Mas a maioria dos especialistas concorda que este processo é absolutamente essencial para a vida tal como a conhecemos, porque ajuda o planeta a fazer o ciclo do carbono, que é importante para manter o clima habitável.

O que os especialistas não estão de acordo é sobre a origem da tectónica de placas.

O novo artigo científico baseia-se numa ideia anterior que tenta explicar um enigma geológico. Durante décadas, os geólogos especularam sobre misteriosas bolhas no interior do manto terrestre detectadas através de imagens sísmicas. Estas bolhas densas e enormes parecem ser constituídas de material diferente do manto circundante, levantando questões sobre o que são e como se formaram.

Uma hipótese publicada na revista Nature no ano passado oferece uma explicação, mas também levanta algumas dúvidas. Sugere que, depois de o objecto que formou a Lua se ter chocado com o nosso planeta, pedaços desse objecto acabaram intactos no interior da Terra.

O novo artigo leva esta ideia um pouco mais longe: cerca de 200 milhões de anos após o impacto, estas bolhas submersas podem ter ajudado a criar plumas quentes no interior da Terra que perturbaram a superfície recém-formada, rompendo a crosta e permitindo que placas circulares se afundassem - um processo chamado subducção.

Este processo, dizem os autores do estudo, pode explicar o facto de os minerais mais antigos da Terra serem cristais de zircão que parecem ter sido submetidos a subducção há mais de 4000 milhões de anos. Além disso, sugerem que poderá ter contribuído para o aparecimento da tectónica de placas moderna.

O impacto gigante não é apenas a razão de ser da nossa Lua, se for esse o caso, mas também estabeleceu as condições iniciais da nossa Terra, disse Qian Yuan, geocientista do Instituto de Tecnologia da Califórnia (EUA) e um dos autores do artigo.

Um tempo quase impossível de conhecer?

Geólogos que não estiveram envolvidos na investigação dizem que este modelo é intrigante, mas levantava uma série de questões.

Taras Gerya, geocientista do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique (na Suíça), disse, por email, que a ideia de um fenómeno inicial de subducção desencadeado por plumas mantélicas vigorosas pouco depois do impacto que formou a Lua é credível e é apoiada por modelos e alguns dados geoquímicos. Mas acrescentou que não tem a certeza se isto teria levado à tectónica de placas moderna ou se teria resultado numa rápida reciclagem global de toda a crosta, semelhante ao que pode ter acontecido no inóspito planeta Vénus.

Michael Brown, geocientista da Universidade de Maryland (nos Estados Unidos), disse que não é claro como é que uma zona de subducção circular conduziria às fronteiras globais das placas e ao mosaico de placas rochosas que existem na tectónica de placas moderna.

Temos de ter em conta que não há provas suficientes para sabermos realmente qual era o modo tectónico no Arcaico, éon que durou entre há 4000 e 2500 milhões de anos, disse ainda Michael Brown. Por isso, de um ponto de vista filosófico, é quase de certeza desconhecido e incognoscível. Penso que, por vezes, este ponto se perde.

T. Mark Harrison, professor de investigação da Universidade da Califórnia em Los Angeles (nos Estados unidos), escreveu recentemente um artigo intitulado Não Sabemos quando começou a tectónica de placas. Questionou aí os pressupostos do modelo, apontando inconsistências geoquímicas que lançam dúvidas sobre a própria teoria do impacto gigante.

Se não tivéssemos a tectónica de placas, não estaríamos a ter esta conversa, porque a nossa espécie não teria surgido, disse Mark Harrison. A melhor coisa que posso dizer às pessoas é que a minha geração (...) não conseguiu resolver a questão mais interessante da ciência, que é saber como e em que condições surgiu a vida.

Para os futuros cientistas, Mark Harrison tem uma mensagem: Deixamos-vos um pequeno presente embrulhado.

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