Morreu o chefe da propaganda da Coreia do Norte que ajudou a “endeusar” a família Kim

Kim Ki-nam serviu as três gerações de líderes norte-coreanos e foi um dos arquitectos do culto de personalidade que ajudou a família a consolidar o seu poder autoritário.

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Kim Ki-nam (à esquerda) numa visita a Seul, em 2005, onde se encontrou o antigo presidente do Parlamento sul-coreano, Kim One-ki REUTERS
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Kim Ki-nam com a viúva do antigo Presidente sul-coreano Kim Dae-jung, numa visita do dirigente norte-coreano à Coreia do Sul, em 2009 REUTERS
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Kim Ki-nam, um dos mais importantes chefes da propaganda do regime da Coreia do Norte nas últimas décadas, morreu na terça-feira, aos 94 anos, vítima de doença prolongada, informou a KCNA, a agência noticiosa norte-coreana.

Kim serviu as três gerações de líderes – Kim Il-sung, Kim Jong-il e Kim Jong-un – do país, tendo sido um dos principais responsáveis pela campanha de “endeusamento” e de culto da personalidade de cada um dos membros da “Dinastia do Monte Paektu”, a “família real” que governa a República Popular Democrática da Coreia (RPDC) desde 1948.

Foi particularmente próximo de Kim Jong-il, tendo sido descrito por vários órgãos de comunicação social internacionais como “companheiro de copos” do pai do actual Líder Supremo da Coreia do Norte, que morreu em 2011, e que organizava grandes festas para a elite política e militar norte-coreana.

“Kim Ki-nam foi um veterano do PTC [Partido dos Trabalhadores da Coreia] e da revolução e um destacado activista político que se dedicou totalmente à luta sagrada pela defesa e pelo reforço da pureza ideológica da nossa revolução e pela garantia firme da vitória política da causa socialista”, escreve a KCNA, citando um obituário divulgado em nome do partido, do Parlamento e do Governo da Coreia do Norte.

Segundo a agência norte-coreana, Kim Jong-un “prestou homenagem” a Kim Ki-nam , visitando o corpo, “com grande pesar pela perda de um revolucionário veterano que se manteve infinitamente leal à causa do PTC e que se dedicou a consolidar a unidade do partido e da sociedade”.

Reformado desde 2017, Kim Ki-nam teve grandes responsabilidades no processo de concentração e de consolidação do poder autoritário na família Kim. A sul do paralelo 38.º, a Yonhap, agência noticiosa da Coreia do Sul, chegou a falar do propagandista como o “Goebbels norte-coreano”, numa referência a Joseph Goebbels, responsável pela comunicação da Alemanha nazi.

Nascido no final da década de 1920, numa família de estivadores que “passava dificuldades”, segundo a KCNA, Kim “estudou no estrangeiro”, tendo chegado a vice-director do poderoso Departamento de Propaganda e de Agitação do país em 1966, cargo que é hoje ocupado por Kim Yo-jong, irmã de Kim Jong-un, vista por muitos analistas como uma das principais candidatas à sucessão do actual líder.

Em meados dos anos 1970 e ainda antes de chegar a director daquele departamento, em 1985, Kim Ki-nam foi nomeado editor e responsável pelo Rodong Sinmun, jornal do comité central do PTC, e que esta quarta-feira fez manchete com a morte do propagandista.

Foi no cumprimento dessas funções que Kim Ki-nam se fez um dos arquitectos da “divinização” da Dinastia Kim, concebendo e amplificando a narrativa quase mitológica em redor da figura de Kim Il-Sung, fundador da RPDC, apresentado à nação como um autêntico profeta da causa comunista norte-coreana e da luta contra os seus inimigos capitalistas e “imperialistas”: Coreia do Sul, Estados Unidos e Japão.

No currículo de Kim Ki-nam também consta um feito pouco comum à grande maioria dos membros de topo do aparelho de Estado norte-coreano: visitou a vizinha e rival Coreia do Sul por mais do que uma vez. Em 2009, por exemplo, num dos poucos períodos de abertura do obscuro e secreto regime ao exterior, integrou uma delegação da Coreia do Norte que assistiu ao funeral do antigo Presidente sul-coreano Kim Dae-jung.

Quando Kim Jong-il morreu, em 2011, Kim Ki-nam desempenhou um papel fundamental na estratégia de apresentação do seu sucessor ao grande público – Kim Jong-un era, até então, uma figura relativamente desconhecida, dentro e fora de portas.

Citada pela BBC, Rachel Lee, investigadora do think tank norte-americano 38 North Program, atribui grande significado ao facto de Kim Jong-un ter “mantido Kim Ki-nam em posições-chave da propaganda” do país “durante anos”, o que mostra que “tal como o seu pai”, o Líder Supremo sempre “confiou e contou com ele”.

“[Kim Ki-nam] é alguém que procurou glorificar o regime de Pyongyang para atrair atenções para ele dentro e para além da península da Coreia”, diz, por sua vez, Leif-Eric Easley, professor na Universidade Ewha, em Seul (Coreia do Sul), também citado pela emissora pública britânica.

Para o académico, a morte de Kim Ki-nam marca “o fim de uma era” da propaganda da Coreia do Norte, até porque, sublinha, a actual estratégia de comunicação está quase totalmente focada na obtenção e desenvolvimento de armas nucleares como forma de reforçar a “legitimidade política” do regime.

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