As cheias devastadoras que atingiram o estado brasileiro do Rio Grande do Sul causaram 100 mortes, segundo o balanço oficial das autoridades feito esta quarta-feira, contando-se ainda milhares de pessoas desalojadas e sobreviventes desesperados em busca de alimentos e suprimentos básicos. As equipas de resgate têm corrido para tentar retirar as pessoas que ficaram presas.
Nos arredores de Eldorado do Sul, a 17 quilómetros da capital do estado, Porto Alegre, muitas pessoas estavam a dormir à beira da estrada e disseram à Reuters que estavam a ficar com fome. Famílias inteiras estavam a sair a pé, levando os seus pertences em mochilas e carrinhos de compras. "Estamos sem comer há três dias e só agora é que recebemos este cobertor. Estou com pessoas que nem sequer conheço, não sei onde está a minha família", disse um jovem que deu o nome de Ricardo Junior.
As inundações dificultaram os esforços de salvamento, com dezenas de pessoas ainda à espera de serem retiradas de barco ou de helicóptero das casas atingidas. Pequenos barcos atravessavam a cidade inundada à procura de sobreviventes.
A Defesa Civil do Rio Grande do Sul informou nesta quarta-feira que o número de mortos subiu para 100, enquanto 128 pessoas continuam desaparecidas e 155 mil estão desalojadas.
As fortes chuvas que começaram na semana passada provocaram a inundação de rios, inundando cidades inteiras e destruindo estradas e pontes. Prevê-se que a chuva diminua na quinta-feira, mas que continue durante o fim-de-semana.
Os climatólogos atribuíram as chuvas extremas no Rio Grande do Sul à confluência de uma onda de calor causada pelo fenómeno El Niño deste ano, que aquece as águas do Pacífico e traz chuvas ao sul do Brasil; uma frente fria mais fraca com chuvas e vendavais vindos da Antárctida; e um calor incomum no Atlântico que também aumenta a humidade. O aquecimento global agrava esses fenómenos e intensifica os efeitos entre esses sistemas, tornando o tempo imprevisível, disse Marcelo Schneider, investigador do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
Cortes de electricidade
Em Porto Alegre, cidade com 1,3 milhão de habitantes, as ruas do centro da cidade ficaram submersas depois de o rio Guaíba ter galgado as margens com um nível recorde de água. Os moradores de Porto Alegre enfrentaram prateleiras vazias nos supermercados e bombas de gasolina fechadas, com lojas que racionavam a venda de água mineral. A Prefeitura de Porto Alegre distribuiu água em camiões para hospitais e abrigos que receberam os desalojados.
As inundações afectaram igualmente os serviços de água e electricidade, com mais de 1,4 milhões de pessoas afectadas no total, segundo a Defesa Civil.
Quase meio milhão de pessoas ficaram sem energia eléctrica em Porto Alegre e nas cidades periféricas, uma vez que as empresas de electricidade cortaram o fornecimento por razões de segurança nos bairros inundados. O operador da rede nacional ONS informou que cinco barragens hidroeléctricas e linhas de transmissão foram encerradas devido às fortes chuvas.
O aeroporto da cidade, com a zona de estacionamento dos aviões debaixo de água, suspendeu todos os voos desde sexta-feira.
A escassez de combustível foi registada quando a empresa petrolífera estatal Petrobras disse que estava a ter problemas a transportar gasóleo da sua refinaria em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre, que estava fortemente inundada, segundo informações fornecidas por um alto funcionário do governo.
O Presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse num programa de televisão do governo que a extensão dos danos só será conhecida quando as águas baixarem. O Presidente brasileiro prometeu ajuda federal para o estado naquele que é considerado o pior desastre climático da sua história.
Os economistas do JP Morgan projectaram que o impacto das cheias na economia brasileira teria uma modesta redução do crescimento do PIB e um aumento marginal da inflação, principalmente devido ao aumento dos preços do arroz, que é maioritariamente produzido no Rio Grande do Sul. O governo disse que o Brasil vai importar arroz para estabilizar o mercado.
Para além da destruição de infra-estruturas críticas, as chuvas torrenciais e as inundações deixaram os campos de cereais submersos e mataram o gado, interrompendo a colheita de soja e parando o trabalho em várias fábricas de carne.
O porto de Rio Grande, um dos principais portos de exportação de cereais, estava a funcionar normalmente, informou a autoridade portuária do estado. No entanto, as principais estradas de acesso estavam intransitáveis, interrompendo as entregas de cereais ao porto, já que os camiões tiveram que fazer um amplo desvio, disseram os exportadores.