Chegou Let it Be, o filme dos Beatles que deu origem a Get Back

O filme de Michael Lindsay-Hogg, que apanha a banda num momento de grande turbulência está finalmente disponível na íntegra, via Disney+, pela primeira vez desde que se estreou nos cinemas em 1970.

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Os Beatles no telhado, com Michael Lindsay-Hogg e Billy Preston Ethan A. Russell
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No final dos anos 1960, Michael Lindsay-Hogg foi contratado para realizar um filme-concerto de uma banda com a qual já tinha trabalhado. O nome dela? The Beatles. Não tocavam ao vivo desde 1966. Em Janeiro de 1969, a equipa de rodagem começou a filmar os ensaios. Os quatro estavam então a completar canções para um futuro disco que voltaria a pôr o foco naqueles músicos a tocarem juntos na mesma sala, em vez de recorrerem às possibilidades infinitas que o estúdio lhes abria.

Os planos para o filme-concerto acabaram por ruir. Durante a rodagem, George Harrison saiu efectivamente da banda (acabaria por voltar depois). O filme tornou-se um documentário. Para dar uma conclusão à série de ensaios, Lindsay-Hogg teve uma ideia: pôr a banda a dar um concerto no telhado dos escritórios da Apple, a empresa da banda, em Londres. Let it Be, o filme, só teve estreia em 1970, um mês após a banda ter acabado.

As interacções mostradas no ecrã entre Paul McCartney, John Lennon, George Harrison e Ringo Starr, e especialmente um tenso momento em que Harrison está irritado com McCartney, foram vistas como já contendo as sementes da dissolução. O filme não foi, por isso, muito bem recebido, nem sequer pelos próprios membros da banda. Depois da sua passagem pelos cinemas, só pôde ser visto de forma oficial em formato home video no início dos anos 1980, com pouca qualidade e a imagem cortada.

Passadas largas décadas, Peter Jackson pegou em todo o material reunido para o filme, remasterizou-o (tanto em termos da imagem, originalmente gravada em câmaras de 16 milímetros, como de som, com os instrumentos separados por pistas), e fez com ele a série The Beatles: Get Back, um dos grandes acontecimentos televisivos de 2021. Partia das imagens captadas que tinham ficado de fora do título saído mais de 50 anos antes.

O anúncio da série veio também acompanhado pelo desvendar dos planos para relançar o filme original numa versão restaurada. E eis que esta quarta-feira ele chega à Disney+, com o nome The Beatles: Let it Be e uma introdução em que Lindsay-Hogg conversa com Jackson e lhe diz que hoje vê o seu atribulado filme como "o pai de Get Back".

O autor de Let it Be revela também que entre as infindáveis (e algo repetitivas) horas de rodagem que a sua equipa captou havia muitos bons momentos. Valorizá-las, como fez Peter Jackson na maratona televisiva Get Back, é um luxo a que uma série longa se pode dar, mas não estava ao alcance de um documentário de 80 minutos como o seu. Por isso, é na série de Jackson que, por exemplo, se pode ver a saída de George Harrison; sente-se também muito mais na série a presença de Billy Preston, o prodígio das teclas que funciona como quinto membro da banda e revigora a cumplicidade musical entre os quatro.

O filme mostra ainda assim momentos que não aparecem na versão mais longa. As imagens captam uma altura de grande mudança nos Beatles, ocupados com a concepção dos seus dois últimos álbuns, Let it Be e Abbey Road, mas também de muita música a solo – uma dimensão presente na série. E até instantes enternecedores, como George, na guitarra, a ajudar Ringo, ao piano, a compor Octopus's garden.

Hoje Lindsay-Hogg pode parecer-se mais com Terry Gilliam, mas, nas imagens da altura, denota grandes semelhanças com Orson Welles, o homem que ele cresceu a achar que era o seu pai e que o encenou como actor de teatro. A mãe de Hogg, a actriz Geraldine Fitzgerald, tê-lo-á confidenciado a uma amiga, mas Patrick McGilligan, que escreveu uma biografia de Welles em 2015, diz que é impossível tal ter acontecido, em função do calendário de viagens do suposto pai. Quer seja ou não filho do realizador de O Mundo a Seus Pés, Hogg não herdou todo o talento do possível pai, mas isso não o impediu de assinar um documento histórico de valor inestimável.

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