Um apelo ao Governo para que lute contra a exploração mineira em mar profundo
A possibilidade de ter uma moratória a nível mundial contra a mineração no fundo do mar será discutida este Verão. Organizações ambientalistas, incluindo em Portugal, pedem apoio aos governos e à UE.
Há apenas três anos, nenhum país europeu defendia uma moratória da exploração dos recursos minerais do mar profundo. A tendência era a oposta: facilitar a actividade mineira submarina, passando as preocupações ambientais para segundo plano. Mas hoje, 11 países, entre os quais Portugal, defendem que não se deve avançar. E pode ter chegado o momento de se tornar norma a preservação dos fundos oceânicos. “Queremos que Portugal não permita que a retórica da indústria e de países que querem promover a mineração em mar fundo vá avante”, disse ao Azul Ana Matias, da organização ambientalista Sciaena.
A oportunidade são as reuniões, em Julho e Agosto, dos órgãos da Autoridade para os Fundos Marinhos (ISA, na sigla em inglês). Esta agência ligada às Nações Unidas foi criada em resultado da assinatura da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (Lei do Mar da ONU), de 1982, que declarou como “património comum da humanidade” os fundos marinhos para lá da jurisdição nacional, e que quaisquer benefícios da utilização deste património deveriam ser partilhados, “para o desenvolvimento de todos os países”.
“Pela primeira vez, vai ser discutida a ‘general policy’, a política geral da instituição, em tradução livre. E é a primeira vez que está na agenda a possibilidade de estabelecer uma moratória, pausa precaucionária ou proibição mesmo, da mineração no mar profundo”, explicou Ana Matias. Isto é importante porque tem sido muito difícil agendar a discussão deste tema.
“Congratulamo-nos pelo facto de o Governo português e a Assembleia da República [tal como a Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores] se terem já posicionado a favor de uma pausa precaucionária no ano passado”, salienta Ana Matias. “O que queremos é que Portugal, e outros países, obviamente, continuem firmes nessa posição”, para que esta possibilidade seja de facto discutida e não seja escamoteada nestas reuniões, conclui.
O que a Europa pode fazer
Alemanha, Dinamarca, Espanha, Finlândia, Irlanda, Mónaco, Portugal, Suécia, Suíça e Reino Unido manifestaram-se já a favor de uma pausa precaucionária, normalmente até 2050. A França apoia mesmo uma proibição. Fora da União Europeia, a posição de não perturbar os fundos marinhos tem o apoio ainda do Brasil, Chile, Costa Rica, Equador, Panamá, República Dominicana, México, Canadá, Nova Zelândia e uma série de Estados-ilha: Vanuatu, Palau, Fiji, Federação de Estados da Micronésia, Samoa.
Em compensação, a Noruega tornou-se este ano o primeiro país a aprovar a extracção mineira nos fundos marinhos.
A União Europeia, apesar de ter direito de voto no conselho da ISA, como parte da Convenção do Direito do Mar, e de vários países europeus se terem manifestado a favor de não avançar para a mineração nos fundos marinhos, nunca expressou uma posição. O relatório The Changing Seascape of Deep-Sea Mining in Europe, lançado nesta terça-feira pela Seas At Risk, uma organização europeia de que a portuguesa Sciaena faz parte, apela à UE para que tome uma posição. Outras instituições europeias, como o Parlamento Europeu, já o fizeram, neste sentido.
O relatório traça um roteiro de acção para a União Europeia ajudar a impedir a destruição dos fundos marinhos internacionais – que são quase metade da superfície do planeta. É algo semelhante ao que foram outros processos internacionais relacionados com a conservação da natureza, face ao interesse de exploração de recursos naturais, como a tentativa de mineração na Antárctida, ou a interdição da caça à baleia, é sublinhado.
Apoiar uma moratória, proibir a mineração em mar profundo nas águas europeia, decretar um embargo aos minerais do fundo do mar, classificar este tipo de mineração como insustentável, para travar o investimento nela, são apenas alguns dos passos. E reformar a ISA, que, “tal como a Comissão Baleeira Internacional, é um produto de um tempo diferente, em que ninguém imaginava como o fundo do mar podia ser tão cheio de vida e tinha funções tão fundamentais”.
À porta dos Açores
Não é apenas por altruísmo que Portugal deve defender a moratória ou interdição dos fundos marinhos. A Polónia obteve em 2028 da ISA um contrato de 15 anos para exploração de depósitos de sulfuretos polimetálicos (que normalmente contêm ferro, zinco e cobre em altas concentrações e estão associados com a existência de fontes hidrotermais) na Dorsal Médio-Atântica. Trata-se de uma extensa cadeia montanhosa submarina, na qual as ilhas dos Açores são alguns dos poucos picos que estão acima da linha de água.
“Não apanha os Açores, porque a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos não tem nada a dizer sobre áreas marinhas de jurisdição nacional”, explicou Ana Matias. “Mas há outra camada de complexidade: Portugal está no processo de extensão da plataforma continental. O pedido foi submetido à ONU e ainda não sabemos o resultado. Mas, para todos os efeitos, enquanto não há uma deliberação, a ISA não pode atribuir licenças [de exploração] na zona, quer na nacional, quer na que poderá ser estendida”, acrescenta.
No entanto, a concessão feita à Polónia está mesmo resvés com a fronteira da Zona Económica Exclusiva Portuguesa, se for aceite o prolongamento da plataforma continental. “Fica a uns escassos 200 metros. Isto levanta preocupações com impactos transfronteiriços se a exploração mineira for autorizada”, explica Ana Matias.
“Em qualquer território terrestre seriam uma preocupação, mas no meio marinho, com uma conectividade tão elevada como há na água do mar, é ainda mais preocupante”, salienta a coordenadora de Clima e Poluição da Sciaena.
“O que temos pedido ao Governo português e à representação de Portugal na ISA é que levem a questão dos impactos transfronteiriços em conta. Não é por a concessão estar em área internacional que os impactos não se estenderiam”, frisa. Esse apelo é agora repetido ao novo executivo.
Provocar o "caos climático"
O mar profundo define-se, geralmente, como a profundidade a partir da qual a luz começa a deixar de penetrar nas águas, o que acontece a cerca de 200 metros. A mineração, a acontecer, far-se-ia abaixo dessa profundidade. Poderia perturbar o funcionamento do principal sumidouro de carbono do planeta, que é o oceano: 25% das nossas emissões de dióxido de carbono e 93% do calor em excesso causado pela ampliação do efeito de estufa, em resultado dessas emissões.
“A mineração em mar profundo pode levar-nos até mais perto do caos climático, ao perturbar as fontes hidrotermais, que têm um papel fundamental na regulação do clima e da geoquímica do oceano, afectando organismos que fixam o carbono, como o fitoplâncton, e também a capacidade de fixar carbono dos fundos marinhos, pondo em causa a saúde das populações de peixes e desintoxicação de uma série de compostos”, lê-se no relatório da Seas At Risk.
A Sciaena lança estes alertas e espera encontrar eco no novo Governo português. “Temos esperança, porque Portugal já tomou esta decisão [ser a favor da moratória] a nível internacional no ano passado”, indica Ana Matias. E, em Outubro, o anterior Parlamento aprovou também, na generalidade, uma moratória que impede a mineração em mar profundo até 2025. “A nossa expectativa é que, apesar de o trabalho ter cessado, por causa do Governo ter cessado funções, seja retomado”, salientou.
Até agora, no entanto, não houve qualquer indicação da política a seguir pelo Governo da AD. A Sciaena aguarda ainda a marcação de uma reunião com a secretária de Estado do Mar.