Muito se tem debatido sobre os comentários de Nuno Melo, ministro da Defesa Nacional, que falou sobre a possibilidade de jovens delinquentes cumprirem serviço militar com o objectivo de se tornarem “cidadãos muito melhores”. O serviço militar pode ser uma instituição reformadora?
A sugestão levantou uma discussão: há quem refira que se trata apenas de uma hipótese académica, há quem alegue que alguns países já aplicam programas paramilitares estilo boot camp para prevenção criminal.
O conceito de serviço militar como medida preventiva de reincidência criminal não é uma ideia nova. Estou de acordo que não deve ser desacreditada sem ponderar as suas vantagens e desvantagens. No entanto, surpreende-me a aparente desconsideração pela evidência científica acerca desta temática.
Nas últimas décadas, dezenas de estudos têm vindo a aplicar métodos científicos rigorosos por forma a testar a eficácia de programas de disciplina militar na prevenção de reincidência criminal. Estes boot camps colocam a ênfase na disciplina e na actividade física ao estilo militar. A ideia por detrás é a de que a implementação de uma rotina e disciplina rígidas promove um sentido de autocontrolo nos sujeitos que os faz comportar de forma mais social e respeitosa.
No entanto, os resultados destes estudos demonstram consistentemente que os boot camps não são eficazes na redução de reincidência criminal. Ainda mais preocupante, são alguns estudos meta-analíticos que consideram a evidência retirada de vários outros estudos e que revelaram como a participação nestes programas disciplinares paramilitares apresentam resultados negativos.
Ou seja, os jovens que foram expostos a estes programas de intervenção apresentam uma taxa de reincidência criminal mais alta do que os jovens em grupos de controlo, resultando num aumento médio de 8% na reincidência criminal durante o primeiro ano após concluírem a sua experiência nos boot camps. As conclusões destes estudos sublinham a importância da intervenção baseada na evidência e da avaliação meticulosa da evidência disponível quando considerada a aplicação de medidas desta natureza.
Embora Nuno Melo não estivesse a apresentar uma proposta, a menção a estes programas destaca o papel crucial de um raciocínio baseado em evidências na elaboração de políticas públicas. A prática baseada na evidência é fundamental no desenvolvimento de programas de intervenção, garantindo uma tomada de decisão informada que ofereça soluções eficazes para os desafios sociais. Além disso, a implementação de programas sem base na evidência pode resultar numa aplicação de recursos públicos em programas ineficazes ou, pior ainda, fazer aumentar o problema que se pretende prevenir.