Por uma revolução da sabedoria

A uma outra escala vemos o conhecimento a ampliar a capacidade bélica, a criar químicos que sufocam ecossistemas e a acelerar o consumo energético ao ponto de ameaçar o clima e a nossa sobrevivência.

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A História da Humanidade escreve-se com eventos que separam o antes do depois. Mesmo sem data exata esses grandes momentos definem alterações profundas na forma de estar enquanto espécie: as migrações intercontinentais, o desenvolvimento da linguagem e a descoberta da agricultura e pintura são exemplos desses marcadores da nossa evolução. E que seria de nós sem a escrita? Estaríamos certamente num mundo muito diferente.

Pode argumentar-se que a Era Moderna se iniciou com a revolução cultural desencadeada pela descoberta da prensa por Gutenberg e o fim do oligopólio do conhecimento. O florescer da observação do mundo natural a partir do renascimento, conjugado com a revolução industrial da máquina a vapor movida a carbono fóssil, marcou o conhecimento e suas múltiplas aplicações até ao dealbar do séc. XX.

Desde o tempo dos nossos avós, os desenvolvimentos têm vindo a multiplicar-se a um ritmo que marca também o do nosso acesso ao conhecimento: do cinema à rádio e à televisão, do avião ao foguetão e ao vaivém espacial e, claro, do computador ao telemóvel e aos assistentes digitais, os exemplos abundam. Mas poucos negarão que houve uma revolução cultural com epicentro na Internet e na sua interface mais viral, a World Wide Web.

Com a deslocação do conhecimento para a web, para não falar da inteligência artificial agora ao dispor de cada um, vivemos os anos dourados da Era da Informação. Mas construímos separações nebulosas entre o mundo real e a realidade virtual, entre a decisão humana e a capacidade cibernética, entre a verdade e a fábula, e vemo-nos parcos em modelos adequados à compreensão da nossa natureza e trajetória.

Sentimo-nos no topo da pirâmide do conhecimento. Ainda assim conhecimento não é sinónimo de sabedoria e esta (quase) democratização recente do acesso à informação é ela própria fonte de dilemas para os quais a sociedade tem ainda de encontrar respostas. As nossas interações são cada vez mais mediadas pelo digital onde abundam a intolerância e a manipulação que ameaçam a coesão e o pacto social.

A uma outra escala vemos o conhecimento a ampliar a capacidade bélica, a criar químicos que sufocam ecossistemas e a acelerar o consumo energético ao ponto de ameaçar o clima e a nossa sobrevivência. E algures neste percurso permitimos que o poder económico se tornasse na lógica dominante que tudo racionaliza. Eis o Antropoceno, a Era em que a Humanidade acerta contas com o seu destino.

Podemos fazer melhor! O caminho certamente implicará que a justiça, a solidariedade, a tolerância, o ambiente, a paz e o respeito pelas gerações futuras norteiem a tomada de todas as decisões. Teremos de pôr todo o conhecimento da Humanidade ao serviço destes desígnios. Teremos de nos reinventar.

Esta tarefa hercúlea chama com urgência. Criemos espaços de cruzamento de saberes, de questionamento de paradigmas e de mobilização ética que ultrapassam os espartilhos de mentes e conhecimento. Inovemos com coragem em direção ao que melhora a vida de todos, mas particularmente dos mais frágeis porque o sucesso já não se mede pela afluência.

Encontremos a fórmula para pessoas florescerem e liderarem nos seus círculos de influência. Participemos na definição de um terceiro milénio sem condicionamentos nem axiomas que já se revelaram desaventurados. E iniciemos essa inflexão com um realinhamento pessoal que alavanque energia e criatividade em cada um. Que a próxima grande revolução seja a da sabedoria.


Os autores escrevem segundo o Acordo Ortográfico de 1990

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