Diz que a mulher dele é um homem – resulta sempre

Um bê-á-bá que, de tão pobrezinho, dá dó.

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Uma das coisas mais confrangedoras da falsa informação, costumeira em discursos populistas e radicais, é o efeito de imitação das táticas de ataque. Um bê-á-bá que, de tão pobrezinho, dá dó. Para não variar, as mulheres ocupam sempre um papel de destaque nestas farsas de pacotilha que ganharam especial destaque com a globalização da comunicação.

Em março de 2023, Begoña Gómez, a mulher do primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez, apresentou uma queixa por difamação contra a comentadora de rádio Pilar Baselga, depois de esta ter afirmado num programa televisivo que Begoña seria afinal “Begoño”, um transexual, e que estaria envolvida numa rede de tráfico de droga.

Acontece que, já em 2021, pouco antes das eleições presidenciais francesas, surgiram rumores de que a mulher do presidente francês, Emanuelle Macron, seria transgénero. Após uma investigação aprofundada, os meios de comunicação social atribuíram a origem da história a um artigo publicado num jornal de extrema-direita, apropriadamente intitulado Faits et Documents, que chegou a ter no seu site cinco dossiers dedicados a uma coisa a que chamou “Mistério Brigitte Macron”.

A notícia terá sido escrita pela jornalista freelancer Natacha Rey, que usou a sua página de Facebook para promover a teoria de que a mulher de Macron tinha nascido homem. A informação foi posteriormente partilhada por outro utilizador, que chegou um nadinha mais longe, quando apelidou a primeira-dama francesa de "transgénero satanista pedocriminosa", termo deveras caro ao movimento norte-americano QAnon, para quem o mundo é governado por uma elite pedófila, entre outras coisas engraçadas.

Como é óbvio, o “banquete” não tardou a ser servido à extrema-direita norte-americana em plena campanha presidencial. O “caso” começou por circular em sites anónimos como o 4Chan e tornou-se viral quando o ex-apresentador da Fox News, Tucker Carlson, e a comentadora política Candace Owens resolveram entrar na arena. Carlson, que até há pouco tempo apresentava um programa com o seu nome na Fox News, é uma das figuras televisivas mais acarinhadas pelo eleitorado conservador extremista dos Estados Unidos; já Owens, declarada apoiante de Donald Trump, é conhecida por promover desinformação e teorias da conspiração em torno de uma lista interminável de temas – da vacinação à imigração –​ e pela forma como acusa os negros de representarem o pior da América. Sendo que Candace Owens, ela própria, é negra.

Foi num vídeo no YouTube, entretanto eliminado, que Owens acusou a senhora Macron de ser transexual, assegurando ter esta nascido com sexo masculino e ter sido batizada como Jean-Michel Trogneux (nome do irmão de Brigitte). A sua “fonte de informação” foi, claro, o Faits et Documents, mas consta que a comentadora também recolheu informação no canal do Youtube de uma médium, condenada por difamação neste mesmo caso.

Mas o hábito de acusar figuras políticas de se travestirem já vinha de mais atrás. Michelle Obama, antiga primeira-dama dos Estados Unidos, foi “denunciada” pelo radialista e teórico da conspiração Alex Jones, que, num vídeo de 12 minutos, mostrou fotografias que, segundo ele, provavam que Michele possuía... um pénis.

Como Post Scriptum diga-se que Jones foi banido do Twitter (atual X) em setembro de 2018 por promover notícias falsas sobre os ataques terroristas ao World Trade Center, sendo ainda obrigado a pagar uma indemnização de quase 50 milhões de dólares à família de uma das vítimas do tiroteio ocorrido em 2012 na escola de Sandy Hook, no Texas, que fez 27 mortos, um dos quais o atirador. Na visão clarividente de Jones, obviamente transformada em notícia viral, o alegado massacre não passou de uma encenação do governo para justificar uma legislação mais rigorosa no controlo de armas.

Se em vez de publicar fake-news esta gente se dedicasse à comédia, matava-nos de alegria. Assim, corremos o risco de viver num planeta de loucos (e atenção, nada garante que o dito seja redondo).

A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico

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