Salvini arrisca tudo e candidata general racista, xenófobo e homofóbico às europeias

“O meu partido nasceu para falar de impostos e de menos Estado, não para se aliar a [políticos] que acham que as crianças com deficiência não devem ir à escola”, disse o ministro da Economia, da Liga.

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Salvini e Vannaci, esta semana, no lançamento do último livro do líder da Liga Remo Casilli/Reuters
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Cinco anos depois de ter vencido as eleições europeias de forma triunfal, com 34% dos votos, Matteo Salvini corre o risco de ver outro voto para o Parlamento Europeu selar o seu afastamento da liderança da Liga. Talvez por ter percebido que já tem pouco a perder, o vice-primeiro-ministro de Itália escolheu para cabeça de lista da Liga às europeias uma figura tão polémica que há dirigentes do partido a atacá-lo abertamente e ministros do Irmãos de Itália, da chefe de Governo Giorgia Meloni, que não escondem o embaraço.

Roberto Vannacci era apenas um general condecorado até que, em Agosto de 2023, publicou um livro onde partilha as suas ideias racistas, xenófobas e homofóbicas, assim como a simpatia por Vladimir Putin. Il Mondo al Contrario foi um bestseller, vendendo mais de 250 mil cópias, mas também lhe valeu uma suspensão de onze meses por “má conduta”, com o ministro da Defesa, Guido Crosetto (Irmãos de Itália), colega de Salvini no Conselho de Ministros, a considerar que um oficial militar não podia exprimir tais opiniões em público.

Os motivos de Crosetto para afastar Vannacci terão sido exactamente os mesmos que levaram Salvini a convidá-lo para encabeçar a lista da Liga. “As contas de Salvini, que teme um resultado catastrófico, parecem simples. Se Vannacci vendeu 250 mil livros, pode trazer pelo menos um número de votos parecido”, escreve o diário El País.

A própria controvérsia em torno da escolha pode ajudar: em declarações à agência de notícias italiana Adnkronos, o especialista em sondagens Renato Mannheimer disse que os actuais “ataques a Vannaci, independentemente do conteúdo, permitem ao general ter uma visibilidade” muito útil, apesar de ser cedo para saber se “a sua contribuição fará crescer a Liga”.

“É uma eleição em que todos ganham [win-win], como se costuma dizer. Se ele for eleito, será bom para o exército e as instituições europeias também poderão usufruir das suas ideias e valores”, comentou o ministro Crosetto.

Entre os vários temas que aborda no seu livro, o general fala das pessoas LGBT+ como não sendo “normais”, defendendo que só são vistas como tal por causa das “conspirações do mundo gay”, descreve as feministas como “bruxas modernas” e ataca a campeã italiana de voleibol Paola Egonu (filha de pais nigerianos, já foi alvo de vários ataques racistas em Itália), considerando que não é “plenamente italiana” porque “é evidente que os seus traços físicos não representam a italianidade​”.

O general, que se confessava então admirador do Presidente russo (era adido militar em Moscovo quando Putin invadiu a Ucrânia), continuou a chamar a atenção. Recentemente, referiu-se ao ditador fascista Benito Mussolini como “um estadista” e defendeu que as crianças com deficiência devem ser educadas separadamente dos outros alunos.

“Não se pode ser uma alternativa a Meloni indo para a extrema-direita”, afirmou ao Financial Times Giancarlo Giorgetti, ministro da Economia e das Finanças e veterano membro da Liga. “O meu partido nasceu para falar de impostos, de menos Estado e de mais liberdade, não para se aliar a [políticos] que acham que as crianças com deficiência não devem ir à escola”, lamentou.

“Uma questão existencial”

Para além de Giorgetti, vários dirigentes relevantes da Liga fizeram questão de se distanciar da candidatura de Vannaci, incluindo o governador da região Friul-Veneza Júlia, Luciano Fedriga, e os presidentes dos grupos parlamentares do partido no Parlamento, Riccardo Molinari (Câmara dos Deputados) e Massimiliano Romeo (Senado), enumera o El País.

A maioria das críticas a Salvini chegam do Norte, o bastião original do partido que nasceu como Liga Norte, formação xenófoba que alternava entre o separatismo e a defesa do federalismo fiscal, e que Salvini refundou há mais de dez anos, fazendo da Liga (já sem apelido) um partido nacional mais conhecido por atacar a imigração.

De acordo com as últimas sondagens, quando falta cerca de um mês para a ida às urnas, a Liga surge em quinto lugar, com 8,3%, e abaixo da Força Itália (8,7%), partido fundado por Silvio Berlusconi e liderado agora pelo ministro dos Negócios Estrangeiros, Antonio Tajani. Questionado desde as primeiras derrotas em eleições regionais, Salvini foi alvo de duras críticas internas depois das legislativas de 2022, quando a coligação da direita radical que ajudou a cimentar venceu as eleições, mas a Liga não chegou aos 9%.

“Salvini está em apuros, tem problemas sérios”, disse o politólogo Daniele Albertazzi ao Financial Times. “Estão a disparar contra ele de todas as direcções”, resumiu. “Ele cometeu alguns erros enormes… não tem credibilidade nem entre o eleitorado nem entre a direita”, descreveu o investigador. Para Albertazzi, se em Junho a Liga ficar “abaixo dos 10%” e “atrás do Força Itália”, vai tornar-se “óbvio que é um partido sem objectivo” e aí tratar-se-á mesmo de “uma questão existencial”.

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