É o El Niño que está a secar o canal do Panamá

Não há provas de que as alterações climáticas influenciaram a seca que tem afectado a circulação no canal que liga os oceanos Atlântico e Pacífico. Mas a região não é imune ao aquecimento global.

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Cargueiros à espera de poder atravessar o Canal do Panamá JOSE MIGUEL GOMEZ/REUTERS
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O Panamá é o quinto país mais chuvoso do mundo e, no entanto, está a viver uma das maiores secas de sempre, que está a afectar seriamente o tráfego no Canal do Panamá, causando prejuízos que podem chegar a 700 milhões de dólares este ano, porque obriga a reduzir o número e a dimensão dos navios que por ali passam – e 5% do comércio mundial internacional por via marítima faz-se por ali. É tentador atribuir as culpas ao clima em mudança, mas não há provas suficientes para dizer isso, diz um grupo de cientistas. O verdadeiro culpado é o fenómeno cíclico El Niño.

“O nosso estudo mostra claramente que o El Niño foi uma causa importante do baixo nível de pluviosidade no Panamá durante o último ano”, explicou, numa conferência de imprensa via Internet, Steven Paton, director do Programa de Monitorização Física do Instituto Smithsonian de Investigação Tropical no Panamá, um dos membros desta investigação feita pelo colectivo World Weather Attribution, um grupo de cientistas que analisa a possível influência das alterações climáticas em fenómenos climáticos extremos, como secas ou tempestades.

O El Niño é um padrão climático que começa com o aquecimento significativo da água à superfície do oceano Pacífico ao nível do Equador, o que provoca grandes alterações na meteorologia de uma vasta região do mundo. O fenómeno inverso, em que a água arrefece, é chamado La Niña – e há anos neutros, em que não se está numa situação nem noutra. Durante o ano de 2023, formou-se um El Niño – que agora começa a desvanecer-se.

“A pouca chuva que caiu no Panamá no ano passado é um exemplo único de um fenómeno meteorológico que o El Niño agravou, mas no qual as alterações climáticas não tiveram uma influência significativa”, comentou Friederike Otto, do Instituto Grantham – Alterações Climáticas e Ambiente, do Imperial College de Londres.

O estudo centrou-se na análise da bacia hidrográfica do Canal do Panamá, uma extensão de 2982 km2 de rios e lagos com barragens que convergem no lago Gatún, de onde provém a água que faz funcionar o canal. Do mesmo lago depende também cerca de 55% da população do Panamá para ter água nas torneiras.

O ano de 2023 foi o terceiro mais seco desde que se fazem registos no Panamá, com a quantidade de chuva anual 26% abaixo da média. A seca começou a partir de Maio, quando começa a estação das chuvas, que se prolonga até Dezembro, e normalmente garante 90% da precipitação que cai no Panamá.

A cada 40 anos

“Com o clima actual, em que a temperatura média do planeta está 1,2 graus acima do que era antes da Revolução Industrial, a probabilidade de que aconteçam períodos de reduzida pluviosidade como os de 2023 é de 5%. Se estivermos numa situação neutra (sem a influência de El Niño ou La Niña), é expectável que estas secas ocorram a cada 40 anos. Mas se tivermos condições de El Niño, podem acontecer a cada 20 anos”, explicou Clair Barnes, investigadora no Instituto Grantham do Imperial College, outra das autoras.

Em 2023 e nestes primeiros meses de 2024, a Autoridade do Canal do Panamá foi obrigada a começar a restringir tanto o número como a dimensão dos navios autorizados a cruzar aquela passagem entre o oceano Atlântico e o oceano Pacífico. Se 13.000 navios passam pelo canal todos os anos, os cortes foram na ordem dos 36%, noticiou a Associated Press. Isto gerou grandes aglomerações de cargueiros, à espera de vez. “Chegaram a estar 100 navios à espera de passar, de cada lado”, contou Paton.

Estas restrições obrigam os navios a fazer rotas alternativas mais longas, o que também sobrecarrega outros portos, e fazem aumentar a procura de serviços de transporte ferroviário e de camionagem – “o que aumenta os custos e as emissões de gases com efeito de estufa”, que estão na origem das alterações climáticas, frisou Maja Vahlberg, consultora de risco do Centro para o Clima da Cruz Vermelha/Crescente Vermelho, outra das autoras do trabalho.

Além disso, os prejuízos por causa das restrições ao uso do Canal do Panamá traduzem-se num agravamento da inflação em todo o mundo, salientam os cientistas do World Weather Attribution.

Os modelos climáticos disponíveis traçam uma visão complexa dos efeitos das alterações climáticas na América Central e pouco pormenorizada do que pode acontecer no Panamá, o que gera ainda alguma incerteza sobre o que poderá acontecer na região, conclui o estudo do grupo de investigadores. Alguns mostram que haverá mais chuva no Panamá com o aumento do aquecimento global.

Mas o aquecimento global pode gerar mais tempestades intensas, que são outra face desta moeda, e afectam igualmente o funcionamento do Canal do Panamá, sublinhou Steven Paton. “Não há provas conclusivas de que as alterações climáticas influenciaram a quantidade média de precipitação no Panamá. Mas tem havido um crescimento significativo na frequência das grandes tempestades, o que é consistente com as previsões dos modelos climáticos para a região”, frisou na conferência de imprensa.

Por fim, ficou o alerta de Friederike Otto: “Isto não quer dizer que o Panamá seja imune às alterações climáticas. O Panamá é extremamente vulnerável a ondas de calor, e está a ser atingido cada vez mais por tempestades e mais intensas."