Portugal condenado no Tribunal dos Direitos Humanos por violar direitos de jornalista
Multa aplicada a Cristina Ferreira por divulgar buscas no caso das secretas “não era necessária numa sociedade democrática”.
Portugal voltou a ser condenado no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos por violar a liberdade de expressão, desta vez de uma jornalista do PÚBLICO.
Em 2012 a jornalista Cristina Ferreira dava conta de que o Ministério Público se encontrava a investigar vários membros dos serviços secretos, um processo que viria a terminar com a condenação, anos mais tarde, a uma pena suspensa do antigo dirigente do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED), Jorge Silva Carvalho, por violação de segredo de Estado, abuso de poder e acesso ilegítimo a dados.
Numa notícia publicada em Fevereiro desse ano, a profissional de comunicação social revelava que, além de Silva Carvalho, nessa altura o Ministério Público tinha na mira mais dois membros dos serviços secretos igualmente contratados pela Ongoing no ano anterior. Tinham em comum com alguns dirigentes deste grupo económico ligado às telecomunicações, media e tecnologia pertencerem também à loja maçónica Mozart, que havia ganhado mediatismo “por envolver gestores, polícias, espiões, ex-espiões, advogados, jornalistas e políticos no activo, bem como o então líder da bancada social-democrata, Luís Montenegro”.
Anos mais tarde, o agora recém-empossado primeiro-ministro havia de desmentir esta filiação, embora investigações jornalísticas garantam que chegou, de facto, a integrar a loja em causa.
Mas o que levou à condenação da jornalista do PÚBLICO pela justiça portuguesa foram razões bem mais comezinhas: ter escrito que, durante buscas realizadas à Ongoing no âmbito desta investigação, a Polícia Judiciária havia apreendido os computadores de dois ex-espiões.
Apesar de a informação ser verdadeira, o Ministério Público acusou Cristina Ferreira de violação do segredo de justiça, tendo acabado por ser condenada pela prática desse crime numa multa de mil euros.
Quase sete anos depois, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem obrigar o Estado português a devolver os mil euros, por considerar que a aplicação da multa “constituiu uma interferência desproporcionada no direito à liberdade de expressão que não era necessária numa sociedade democrática”. A este montante acresce o pagamento de mais 510 euros referentes às custas do processo.
Sublinhando o interesse público da notícia em causa, uma vez que dizia respeito a uma investigação judicial envolvendo altos funcionários dos serviços de informações e figuras políticas de alto nível, os juízes de Estrasburgo fazem notar que vários artigos antes deste tinham já dado conta do inquérito às secretas. “Por conseguinte, é questionável se, tendo em conta a cobertura mediática do caso, os factos em investigação e a sua relevância política, era ainda necessário impedir a divulgação de informações que, pelo menos em parte, já eram do domínio público”, pode ler-se na decisão divulgada esta terça-feira de manhã.
Além disso, acrescentam os juízes, as autoridades nacionais não conseguiram demonstrar que a notícia da apreensão dos computadores tenha prejudicado a investigação. “As autoridades portuguesas parecem ter-se baseado numa aplicação formal e automática do crime de violação do segredo de justiça e não tiveram em conta as circunstâncias particulares da publicação e do seu objecto, bem como o seu impacto na investigação”, criticam. Nestas circunstâncias, a protecção do segredo de justiça “não pode constituir uma exigência imperiosa”.
O advogado do PÚBLICO, Francisco Teixeira da Mota, considera esta condenação uma vergonha para Portugal. "Mas também para mim, por não ter conseguido convencer alguma magistratura portuguesa do significado da liberdade de expressão", acrescenta.